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        Maria Teresa Santos 
        
        
          
        Da minha escola, da João Afonso, penso que somos três 
        elementos presentes e em certa medida era possível aos colegas das 
        outras escolas ficarem com uma ideia do que aconteceu na nossa escola. 
        Chamo-me Maria Teresa Santos e sou da Escola João Afonso. Comecei na 
        Escola João Afonso desde o seu início. Comecei a dar aulas na Guiné 
        Bissau, quando o meu marido foi cumprir o serviço militar; e depois vim 
        para a Escola Industrial e Comercial de Aveiro, onde estive um ano. No 
        ano seguinte, estive nos pavilhões em frente, onde funcionava já uma 
        secção da Escola Preparatória; e quando foi feito o novo edifício, 
        transitei para ele. Entretanto veio o 25 de Abril e eu fiz parte, em 
        1974/75, de uma lista de cinco elementos. Fui convidada para essa lista. 
        Não me lembro, de facto, se houve eleições, se as pessoas foram votar, 
        disso não consigo lembrar-me. Trabalhávamos conforme as circunstâncias 
        permitiam na altura. Tinha havido na escola aquela mudança do director 
        tradicional para comissões de gestão. Um pouco à semelhança do que 
        aconteceu quando houve a implantação da República: em pouco tempo 
        sucediam-se muitos governos; estavam lá um tempo, depois vinham outros 
        que os substituíam e acontece que houve – como penso que em todas as 
        escolas e como aconteceu a nível nacional – um período muito conturbado, 
        porque era preciso saber, em certa medida, quem é que era do antigo 
        regime e quem não era. Houve aproveitamento politico-partidário de 
        alguns elementos da escola ligados a partidos mais politizados, que iam 
        para as reuniões e sabiam como elas funcionavam; todos os outros eram 
        ignorantes. Nós não sabíamos o que era uma moção de censura, o que era 
        uma declaração de voto, como é que se ia votar, se era em alternativa, 
        se nos podíamos abster ou não. Portanto, houve uma grande aprendizagem a 
        esse nível. Realizavam-se imensas Assembleias Gerais e havia pessoas que 
        viviam intensamente e viviam de uma maneira muito quente todas as 
        discussões mas, pouco a pouco, as águas foram-se clarificando. Nós 
        também nos conhecíamos uns aos outros, sabíamos o que cada um era, o que 
        pensava, o que fazia o seu trabalho. Nunca na nossa escola houve, por 
        exemplo, um afastamento tão rigoroso como houve no Liceu de Aveiro com o 
        Doutor Orlando. a Doutor Raposo, que 
        
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        era director na altura, antes tinha estado em conjunto com o professor 
        Ferreira Pinto, entretanto falecido, e nunca houve aquelas más vontades 
        contra essas pessoas que dirigiam a escola, porque tinham uma maneira de 
        ser muito diferente da do doutor Orlando, eram pessoas muito mais 
        acessíveis, que desenvolveram já relações democráticas e, portanto, 
        nunca se sentia um autoritarismo muito grande na nossa escola. Nessa 
        altura, quando fiz parte do primeiro CD (Conselho Directivo), como 
        vogal, também não tinha qualquer experiência de gestão, tinha 24 ou 25 
        anos e tinha vontade de contribuir para a mudança. Tinha participado na 
        greve de 69 em Coimbra, tinha estado na guerra colonial e tinha-me 
        apercebido, de facto, que era preciso mudar, a todos os níveis, as 
        coisas, até pela nossa participação política nessa altura, que nos deu 
        alguma prática de estar nas reuniões, de separar o trigo do joio. A 
        verdade é que aprendi muito nessa altura, foram anos extremamente 
        enriquecedores sob todos os aspectos. Interrompi a gestão, porque entrei 
        em estágio. Em 1974/75 pertenci ao órgão de gestão, em 1975/76 estive em 
        estágio lá na minha própria escola, na própria escola fiz estágio e 
        regressei ao CD posteriormente, no ano seguinte, em 76/77, porque fui o 
        nome mais votado em Assembleia Geral de Professores. A partir de certa 
        altura as pessoas não se queriam candidatar aos cargos e, então, em 
        Assembleia Geral, os professores votavam em nomes. Como o meu nome foi o 
        mais votado, veio o inspector contactar-me para eu aceitar para ficar 
        presidente, para constituir um grupo de trabalho; e eu recusei. Na 
        altura tinha miúdos pequenos. Não quis nunca prejudicar a minha carreira 
        profissional, o meu trabalho, mas na verdade, eu tinha família, tinha 
        filhos pequenos, sempre apostei muito na família e continuo a apostar. 
        Então fiquei vice-presidente. Não quis ser presidente e estive nesse 
        cargo até ao ano seguinte, quando me efectivei na Escola Preparatória de 
        Esgueira e estive, portanto, ausente dois anos da Escola João Afonso. De 
        resto, estive sempre na minha escola, acompanhei os processos todos e 
        sei de facto que todo o processo foi pouco a pouco acalmando. A nível de 
        relações humanas, foi extremamente difícil, porque pessoas que foram de 
        facto ligadas ao antigo regime se sentiam injustiçadas em todo o 
        processo e muitas delas eram extremamente válidas e trabalhadoras. 
        Misturavam-se, de facto, ali situações: porque uns economicamente viviam 
        melhor, eram mais ricos e até os bens que eles 
        
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        tinham influenciavam no sentido de se dizer que a pessoa era fascista. A 
        pouco e pouco, a escola foi voltando a viver normalmente. Nós não 
        tínhamos, nessa altura, participação de alunos, porque tínhamos só o 
        segundo ciclo. Não havia antes do 25 de Abril associações de pais. São 
        órgãos que vão surgindo posteriormente, ligados a todo o processo 
        democrático. E, já agora, eu fazia um parêntesis para dizer o seguinte: 
        eu penso que também era importante (não sei bem se o objectivo deste 
        trabalho é recolher só a óptica do docente) ouvir funcionários 
        administrativos e auxiliares de educação. E também lembro as próprias 
        associações de estudantes da época. Lembro-me que a minha filha, que 
        terá sido talvez a primeira rapariga presidente da associação de 
        estudantes da José Estêvão. Havia cargos que, automaticamente, eram de 
        rapazes ou de homens; e foi difícil as mulheres começarem a assumir 
        serem presidentes dos CDs serem presidentes das associações de 
        estudantes. Penso que os estudantes começaram a ter assento no Conselho 
        Pedagógico e no CD. E terão talvez também alguma achega, um outro ponto 
        de vista a dar e a enriquecer este trabalho. Estive, não propriamente na 
        gestão, mas ligada à alteração que foi havendo no processo escolar, como 
        coordenadora dos DTs (Directores de Turma) durante 6 anos, aquando da 
        reforma educativa. Foram anos muito complicados. Todo este processo, 
        todas estas mudanças são importantes nas escolas e toda a acção de 
        gestão tem a ver com isto. Lembro-me que foram anos complicados, porque 
        foi necessário reformular imensas coisas, imensa documentação, houve 
        criação de novos cargos e tudo isso foi enriquecendo o processo 
        democrático ao longo destes anos. Há bocado, também em conversa e porque 
        já me tinha lembrado desse assunto, foquei o aspecto das condições em 
        que nós trabalhávamos. Eu lembro-me de que, como professora de línguas, 
        trabalhava essencialmente com um quadro de feltro, tínhamos 
        retroprojectores, mas usados com muitas cautela, porque cada lâmpada que 
        se fundisse era caríssima. Não havia dinheiro e, no começo de cada ano 
        lectivo, cada delegado de disciplina recebia um número 
        muito reduzido de folhas de «stencil»(1) 
        que eram distribuídas. Eu tinha por exemplo 4, 5, 6 folhas que eram para 
        todo o ano; e o trabalho era, de facto, todo manuscrito. A muitos 
        colegas mais recentes isso não dirá nada, pois não tem nada a ver com as 
        condições de hoje, com todas as condições que nos são fornecidas 
        
        
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        a nível tecnológico. Penso que, na escola, só tínhamos uma televisão a 
        preto e branco que ainda continua, pois não nos podemos desfazer desse 
        material e assim lá continua guardado. De facto, eu sugeri que se 
        fizesse um museu ou, pelo menos, uma exposição desse material, para que 
        estas gerações novas e sobretudo os alunos tivessem a noção de que hoje 
        beneficiam de condições muito melhores do que os outros alunos 
        beneficiavam anteriormente. Penso que gerir hoje é muito mais difícil 
        que anteriormente, apesar de todas essas transformações políticas, 
        apesar de as leis estarem sempre a mudar, de termos leis do antigo 
        regime e depois estar todos os dias a surgir uma lei nova e nós nem 
        sabermos bem o que é que tinha sido alterado, se se mantinha em vigor 
        uma ou outra. Hoje, isso continua a acontecer, também há leis que chegam 
        em cima da hora para serem postas em prática de imediato; e acontece 
        ainda, além disso, que nós antigamente beneficiávamos de ter um grupo de 
        alunos muito mais disciplinados. Portanto, não havia os problemas de 
        disciplina que temos hoje, havia uma seriação muito maior, havia 
        valores, talvez uma educação tradicional mais autoritária em casa, 
        certamente, e nós próprios éramos muito exigentes com os alunos e havia 
        um certo distanciamento entre professor e aluno, em tudo diferente do 
        que existe hoje.  
        
        
        Penso que o maior problema hoje, de gestão, se prende com 
        a população escolar que temos e com a incapacidade, não digo total mas 
        em larga medida, do corpo docente para lidar com esses problemas de 
        violência e agressividade que há nas escolas. Felizmente que temos 
        outros meios para atrair os alunos e temos outros grupos a trabalhar com 
        a escola. Espero que dê bom resultado este novo modelo de gestão, em que 
        a autarquia e entidade culturais estão implicadas no processo, já que 
        começava a ser insuficiente o poder da escola para resolver todos os 
        problemas que surgiam. 
        
        
        ______________________________ 
        
        
        (1) 
        – Para as gerações mais novas que leiam estes depoimentos, 
        iremos acrescentar algumas notas que facilitam a compreensão daquilo que 
        é exposto por professores que viveram numa época anterior ao 
        aparecimento das novas tecnologias digitais. STENCIL foi o sistema de 
        produção de documentos sem necessidade de recorrer a uma tipografia. Uma 
        folha de stencil tinha o formato ligeiramente superior ao formato 
        A4. Era constituído por duas partes: a superior, onde se escrevia com um 
        estilete metálico, próprio para este suporte de informação, uma 
        esferográfica de ponta fina desprovida de tinta, ou com uma máquina de 
        escrever, colocada na posição própria para o stencil. O estilete 
        ou a máquina de escrever criava sobre a folha um espaço vazio, com a 
        forma dos caracteres «insculpidos». A folha de stencil preenchida 
        era colocada sobre um rolo com tinta preta, depois de retirada a folha 
        mais espessa de protecção. Seguidamente, à manivela (ou com motor, em 
        máquinas mais modernas), a folha de stencil impregnada de tinta 
        preta passava sobre as folhas A4, ficando os documentos (testes, fichas 
        de trabalho, documentação de informação, etc.) prontos para leitura 
        pelos destinatários. NOTA de H.J.C.O. 
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