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4ª Série - Número 3 - Dezembro de 2000 - pp. 8-11

Maria Teresa Santos

 
Da minha escola, da João Afonso, penso que somos três elementos presentes e em certa medida era possível aos colegas das outras escolas ficarem com uma ideia do que aconteceu na nossa escola. Chamo-me Maria Teresa Santos e sou da Escola João Afonso. Comecei na Escola João Afonso desde o seu início. Comecei a dar aulas na Guiné Bissau, quando o meu marido foi cumprir o serviço militar; e depois vim para a Escola Industrial e Comercial de Aveiro, onde estive um ano. No ano seguinte, estive nos pavilhões em frente, onde funcionava já uma secção da Escola Preparatória; e quando foi feito o novo edifício, transitei para ele. Entretanto veio o 25 de Abril e eu fiz parte, em 1974/75, de uma lista de cinco elementos. Fui convidada para essa lista. Não me lembro, de facto, se houve eleições, se as pessoas foram votar, disso não consigo lembrar-me. Trabalhávamos conforme as circunstâncias permitiam na altura. Tinha havido na escola aquela mudança do director tradicional para comissões de gestão. Um pouco à semelhança do que aconteceu quando houve a implantação da República: em pouco tempo sucediam-se muitos governos; estavam lá um tempo, depois vinham outros que os substituíam e acontece que houve – como penso que em todas as escolas e como aconteceu a nível nacional – um período muito conturbado, porque era preciso saber, em certa medida, quem é que era do antigo regime e quem não era. Houve aproveitamento politico-partidário de alguns elementos da escola ligados a partidos mais politizados, que iam para as reuniões e sabiam como elas funcionavam; todos os outros eram ignorantes. Nós não sabíamos o que era uma moção de censura, o que era uma declaração de voto, como é que se ia votar, se era em alternativa, se nos podíamos abster ou não. Portanto, houve uma grande aprendizagem a esse nível. Realizavam-se imensas Assembleias Gerais e havia pessoas que viviam intensamente e viviam de uma maneira muito quente todas as discussões mas, pouco a pouco, as águas foram-se clarificando. Nós também nos conhecíamos uns aos outros, sabíamos o que cada um era, o que pensava, o que fazia o seu trabalho. Nunca na nossa escola houve, por exemplo, um afastamento tão rigoroso como houve no Liceu de Aveiro com o Doutor Orlando. a Doutor Raposo, que
/ 9 / era director na altura, antes tinha estado em conjunto com o professor Ferreira Pinto, entretanto falecido, e nunca houve aquelas más vontades contra essas pessoas que dirigiam a escola, porque tinham uma maneira de ser muito diferente da do doutor Orlando, eram pessoas muito mais acessíveis, que desenvolveram já relações democráticas e, portanto, nunca se sentia um autoritarismo muito grande na nossa escola. Nessa altura, quando fiz parte do primeiro CD (Conselho Directivo), como vogal, também não tinha qualquer experiência de gestão, tinha 24 ou 25 anos e tinha vontade de contribuir para a mudança. Tinha participado na greve de 69 em Coimbra, tinha estado na guerra colonial e tinha-me apercebido, de facto, que era preciso mudar, a todos os níveis, as coisas, até pela nossa participação política nessa altura, que nos deu alguma prática de estar nas reuniões, de separar o trigo do joio. A verdade é que aprendi muito nessa altura, foram anos extremamente enriquecedores sob todos os aspectos. Interrompi a gestão, porque entrei em estágio. Em 1974/75 pertenci ao órgão de gestão, em 1975/76 estive em estágio lá na minha própria escola, na própria escola fiz estágio e regressei ao CD posteriormente, no ano seguinte, em 76/77, porque fui o nome mais votado em Assembleia Geral de Professores. A partir de certa altura as pessoas não se queriam candidatar aos cargos e, então, em Assembleia Geral, os professores votavam em nomes. Como o meu nome foi o mais votado, veio o inspector contactar-me para eu aceitar para ficar presidente, para constituir um grupo de trabalho; e eu recusei. Na altura tinha miúdos pequenos. Não quis nunca prejudicar a minha carreira profissional, o meu trabalho, mas na verdade, eu tinha família, tinha filhos pequenos, sempre apostei muito na família e continuo a apostar. Então fiquei vice-presidente. Não quis ser presidente e estive nesse cargo até ao ano seguinte, quando me efectivei na Escola Preparatória de Esgueira e estive, portanto, ausente dois anos da Escola João Afonso. De resto, estive sempre na minha escola, acompanhei os processos todos e sei de facto que todo o processo foi pouco a pouco acalmando. A nível de relações humanas, foi extremamente difícil, porque pessoas que foram de facto ligadas ao antigo regime se sentiam injustiçadas em todo o processo e muitas delas eram extremamente válidas e trabalhadoras. Misturavam-se, de facto, ali situações: porque uns economicamente viviam melhor, eram mais ricos e até os bens que eles / 10 / tinham influenciavam no sentido de se dizer que a pessoa era fascista. A pouco e pouco, a escola foi voltando a viver normalmente. Nós não tínhamos, nessa altura, participação de alunos, porque tínhamos só o segundo ciclo. Não havia antes do 25 de Abril associações de pais. São órgãos que vão surgindo posteriormente, ligados a todo o processo democrático. E, já agora, eu fazia um parêntesis para dizer o seguinte: eu penso que também era importante (não sei bem se o objectivo deste trabalho é recolher só a óptica do docente) ouvir funcionários administrativos e auxiliares de educação. E também lembro as próprias associações de estudantes da época. Lembro-me que a minha filha, que terá sido talvez a primeira rapariga presidente da associação de estudantes da José Estêvão. Havia cargos que, automaticamente, eram de rapazes ou de homens; e foi difícil as mulheres começarem a assumir serem presidentes dos CDs serem presidentes das associações de estudantes. Penso que os estudantes começaram a ter assento no Conselho Pedagógico e no CD. E terão talvez também alguma achega, um outro ponto de vista a dar e a enriquecer este trabalho. Estive, não propriamente na gestão, mas ligada à alteração que foi havendo no processo escolar, como coordenadora dos DTs (Directores de Turma) durante 6 anos, aquando da reforma educativa. Foram anos muito complicados. Todo este processo, todas estas mudanças são importantes nas escolas e toda a acção de gestão tem a ver com isto. Lembro-me que foram anos complicados, porque foi necessário reformular imensas coisas, imensa documentação, houve criação de novos cargos e tudo isso foi enriquecendo o processo democrático ao longo destes anos. Há bocado, também em conversa e porque já me tinha lembrado desse assunto, foquei o aspecto das condições em que nós trabalhávamos. Eu lembro-me de que, como professora de línguas, trabalhava essencialmente com um quadro de feltro, tínhamos retroprojectores, mas usados com muitas cautela, porque cada lâmpada que se fundisse era caríssima. Não havia dinheiro e, no começo de cada ano lectivo, cada delegado de disciplina recebia um número muito reduzido de folhas de «stencil»(1) que eram distribuídas. Eu tinha por exemplo 4, 5, 6 folhas que eram para todo o ano; e o trabalho era, de facto, todo manuscrito. A muitos colegas mais recentes isso não dirá nada, pois não tem nada a ver com as condições de hoje, com todas as condições que nos são fornecidas / 11 / a nível tecnológico. Penso que, na escola, só tínhamos uma televisão a preto e branco que ainda continua, pois não nos podemos desfazer desse material e assim lá continua guardado. De facto, eu sugeri que se fizesse um museu ou, pelo menos, uma exposição desse material, para que estas gerações novas e sobretudo os alunos tivessem a noção de que hoje beneficiam de condições muito melhores do que os outros alunos beneficiavam anteriormente. Penso que gerir hoje é muito mais difícil que anteriormente, apesar de todas essas transformações políticas, apesar de as leis estarem sempre a mudar, de termos leis do antigo regime e depois estar todos os dias a surgir uma lei nova e nós nem sabermos bem o que é que tinha sido alterado, se se mantinha em vigor uma ou outra. Hoje, isso continua a acontecer, também há leis que chegam em cima da hora para serem postas em prática de imediato; e acontece ainda, além disso, que nós antigamente beneficiávamos de ter um grupo de alunos muito mais disciplinados. Portanto, não havia os problemas de disciplina que temos hoje, havia uma seriação muito maior, havia valores, talvez uma educação tradicional mais autoritária em casa, certamente, e nós próprios éramos muito exigentes com os alunos e havia um certo distanciamento entre professor e aluno, em tudo diferente do que existe hoje.

Penso que o maior problema hoje, de gestão, se prende com a população escolar que temos e com a incapacidade, não digo total mas em larga medida, do corpo docente para lidar com esses problemas de violência e agressividade que há nas escolas. Felizmente que temos outros meios para atrair os alunos e temos outros grupos a trabalhar com a escola. Espero que dê bom resultado este novo modelo de gestão, em que a autarquia e entidade culturais estão implicadas no processo, já que começava a ser insuficiente o poder da escola para resolver todos os problemas que surgiam.

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(1)Para as gerações mais novas que leiam estes depoimentos, iremos acrescentar algumas notas que facilitam a compreensão daquilo que é exposto por professores que viveram numa época anterior ao aparecimento das novas tecnologias digitais. STENCIL foi o sistema de produção de documentos sem necessidade de recorrer a uma tipografia. Uma folha de stencil tinha o formato ligeiramente superior ao formato A4. Era constituído por duas partes: a superior, onde se escrevia com um estilete metálico, próprio para este suporte de informação, uma esferográfica de ponta fina desprovida de tinta, ou com uma máquina de escrever, colocada na posição própria para o stencil. O estilete ou a máquina de escrever criava sobre a folha um espaço vazio, com a forma dos caracteres «insculpidos». A folha de stencil preenchida era colocada sobre um rolo com tinta preta, depois de retirada a folha mais espessa de protecção. Seguidamente, à manivela (ou com motor, em máquinas mais modernas), a folha de stencil impregnada de tinta preta passava sobre as folhas A4, ficando os documentos (testes, fichas de trabalho, documentação de informação, etc.) prontos para leitura pelos destinatários. NOTA de H.J.C.O.