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        O TEATRO ESCOLAR NA LABOR 
        
        
        Uma consulta ao Índice Geral da LABOR, elaborado 
        por Falcão Machado e publicado em Junho de 1974, dá-nos conta da 
        divulgação dos seguintes artigos sobre TEATRO: 
        
        
        N.º  – Título do Artigo – Autor 
        
        
        66-68, 70, 72, 73 – Os Presépios ou "Autos Pastoris" 
        da Figueira da Foz – Armando Coimbra. 
        
        
        83 – A nossa comemoração vicentina – José Pereira 
        Tavares. 
        
        
        84 – A crítica social e a natureza do teatro de Gil 
        Vicente – Feliciano Ramos. 
        
        
        87-88 – A Mulher e o Diabo em Gil Vicente  Manuel 
        – Manuel Cruz Malpique. 
        
        
        92 – A comemoração do IV Centenário de Gil Vicente na 
        Universidade de Bordéus – Alfredo de Carvalho 
        
        
        107 – No centenário de Racine – Abel Bonnard 
        
        
        118 – O teatro nos Liceus – M.ª do Céu Novais 
        Faria 
        
        
        119 – O teatro no Liceu – José Pereira Tavares 
        
        
        120 – Ainda a respeito do teatro no Liceu – M.ª do 
        Céu Novais Faria 
        
        
        123 – O teatro no Liceu (esclarecimento) – M.ª do 
        Céu Novais Faria 
        
        
        126 – Ainda a propósito do teatro no Liceu – José 
        de Almeida Pavão Júnior 
        
        
        134 – Ainda, mais uma vez, a propósito do teatro no 
        Liceu – Pitta Simões 
        
        
        144 – O "Frei Luís de Sousa", uma obra dramática e 
        nacionalista – Virgínia de Carvalho Nunes 
        
        
        151 – Apontamentos sobre o "Intermezzo" de Jean 
        Giraudoux – José de Almeida Pavão Júnior 
        
        
        158, 161, 165 – Algumas considerações sobre o "Frei 
        Luís de Sousa" – Mário Fiúza 
        
        
        193 – O teatro alemão (autores e correntes 
        fundamentais) – Elviro Rocha Gomes 
        
        
        194 – Uma interpretação do "Frei Luís de Sousa" 
        – António Salgado Júnior 
        
        
        228, 229 – William Shakespeare (1567-1616) – umas 
        quantas notas de "clínica geral" – Manuel Cruz Malpique 
        
        
        235 – Gil Vicente (1465)-1537). Nos signo dos 
        comedores de rabanetes – Manuel Cruz Malpique 
        
        
        239 – No centenário de Gil Vicente. Depoimento de dois 
        jornais de Coimbra – António José Soares 
        
        
        241 – Gil Vicente no signo de Erasmo (1465)-1537) 
        – Manuel Cruz Malpique 
        
        
        264-267 – William Shakespeare. Foi ele o autor do 
        teatro que corre com o seu nome? – Manuel Cruz Malpique 
        
        
        277 – Crítica a "História do Teatro Português" de 
        Luciana Stegagno Picchio – José Pereira Tavares 
        
        / 
        20 / 
        
        
          
        
        
        Focalizaremos a nossa atenção na sequência de artigos 
        insertos nas revistas n.º 118-120,126 e 134, por serem aqueles que 
        directamente se relacionam com a história do teatro nas escolas. 
        
        
        Na Labor n.º 119 (Janeiro de 1952), Maria do Céu Novais 
        Faria, professora do Liceu D. Manuel Il, aborda o tema num artigo de 7 
        páginas. Começa por reflectir sobre o valor social do teatro, partindo 
        duma retrospectiva histórica muito genérica desta manifestação artística 
        que considera "a mais perfeita imitação da vida", com uma função social 
        a cumprir, como um meio privilegiado "de difusão de cultura e um 
        processo de incutir, por sugestões, pela criação de estados 
        psicológicos, uma directriz de vida, a aspiração de um mundo melhor, 
        mais nobre, mais puro". 
        
        
        Seguidamente, a autora, reiterando o valor pedagógico do 
        teatro, defende a ideia de que esta forma de expressão deveria ser 
        implementada nos estabelecimentos de ensino. E aponta-lhe as vantagens: 
        excelente "subsídio ao estudo da língua pátria, possibilitando o 
        alargamento da cultura literária dos alunos (o programa de Português não 
        incluía mais do que algumas peças de Gil Vicente e um drama de Garrett) 
        , proporcionando oportunidades para comentários linguísticos, literários 
        e históricos nas sessões preparatórias dos ensaios, pela leitura 
        expressiva e comentada da peça a representar", abertas não só aos alunos 
        intérpretes mas ainda a outros alunos. São salientados ainda outros 
        aspectos vantajosos: acção divulgadora de cultura entre os educandos, 
        mas extensiva às famílias e amigos; "processo excelente de desenvolver o 
        bom gosto e as aptidões artísticas dos alunos"; e, para além do 
        aperfeiçoamento da leitura expressiva e dialogada nas aulas de 
        Português, o estudo mais profundo da época, da cenografia e do 
        vestuário, suscitaria a criação de hábitos de investigação. Como 
        vantagem mais apreciável é destacada a aproximação dos alunos e de 
        professores das várias secções, enaltecendo-se a ideia do trabalho em 
        grupo e da interdisciplinaridade: "obra estreita de colaboração (...) de 
        todos e para todos", fomentando "a sólida e leal camaradagem – que de 
        forma alguma exclui o necessário respeito mútuo (...) – , a Estima" e 
        que comprovadamente aumenta o próprio rendimento escolar. Ainda como 
        aspecto positivo, aponta Maria do Céu Novais Faria o facto de as 
        representações escolares contribuírem para "combater a timidez natural 
        em certas crianças e adolescentes ("a timidez é um verdadeiro 
        tormento!"). 
        
        
        Por último, a autora chama a atenção para a importância 
        das festas escolares na aproximação da família e do liceu, "de 
        consequências preciosas para a acção educadora conjugada do Lar e da 
        Escola". Mudam-se os vocábulos, mas mantêm-se as ideias, apetece 
        comentar!... 
        
        
        Termina o seu artigo prometendo futuro texto sobre o 
        tema, lançando um repto a outros colegas para divulgarem o título do seu 
        "mais vasto saber e experiência". 
        
        
          
        
        
        Logo no mês seguinte, Fev.º de 1952, na LABOR n.º 119, 
        responde José Pereira Tavares, para quem o teatro no liceu era assunto 
        de "especial simpatia", embora "à margem de quanto os programas 
        oficiais" estatuíam. 
        
        
        Neste seu artigo, J. P. T. faz um conciso historial do 
        teatro didáctico no Liceu de Aveiro. Este relato aproxima-se, na 
        generalidade, do que vinha divulgando a partir do n.º 2 da LABOR, em que 
        iniciava a apresentação de uma "resenha (anual) 
        
        / 21 / 
        das festas, récitas, excursões e conferências, promovidas pelo Liceu de 
        Aveiro". Na 1.ª delas, referente ao ano 1919-20, apontava esse mesmo ano 
        como aquele que marcou "uma revolução na vida interna do Liceu de 
        Aveiro, no que respeita às relações entre professores e alunos". Na base 
        deste marco estava a organização de um grupo cénico de alunos e alunas 
        dirigida por professores, "cujas representações se destinavam 
        especialmente aos estudantes e suas famílias". 
        
        
        Porque as palavras de José Pereira Tavares falam por si, 
        passamos a transcrever um excerto do artigo em referência (na LABOR n.º 
        119): 
        
        
        «Apoiado pelo Conselho Escolar e pelo Reitor, logo 
        pusemos mãos à obra, e em Março de 1920 subiam à cena, no Teatro 
        Aveirense, contíguo ao Liceu, o Monólogo do Vaqueiro, traduzido pelo 
        então aluno António Cértima; a Exortação da Guerra, precedida de 
        prólogo elucidativo; e a terceira jornada do Fidalgo Aprendiz, 
        além de duas comédias ligeiras. 
        
        
        Dado o grande sucesso do cometimento, representaram-se, 
        em Maio do mesmo ano, a Inês Pereira, e uma cena da Vida do 
        Grande D. Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança, de António 
        José da Silva. 
        
        
        Nesse mês, em excursão, exemplificaram alunos do Liceu de 
        Aveiro o teatro de Gil Vicente em Braga, Guimarães, Viana do Castelo e 
        Viseu, com o Monólogo do Vaqueiro, Exortação da Guerra e
        Inês Pereira. (...) 
        
        
        Seguindo orientação idêntica, representaram-se em 
        1920-1921 as peças Entre a Flauta e a Viola, de Camilo, e 
        Falar Verdade a Mentir, de Garrett. 
        
        
        Entre esse ano lectivo e o de 1935-1936, representações 
        doutro carácter se fizeram. Em 1936, novo surto de teatro didáctico, sob 
        a direcção do professor Dr. António Salgado Júnior, que escreveu a 
        fantasia Uma Lição de Gil Vicente, na qual perpassavam várias 
        figuras vicentinas: Diabo, Vaqueiro, Paio Vaz e Mofina Mendes; a Velha 
        do Quem Tem Farelos?; o Preguiçoso e o Brigão da Farsa do Juiz 
        da Beira, e as figuras dos pastorinhos – Cismeninha, Joana, Pedrinho 
        e Afonsinho, da Comédia de Rubena. Todas estas figuras foram 
        comentadas pelo ilustre professor no Arrazoado sobre Gil Vicente, 
        penetrante palestra de que a reposição da Lição foi acompanhada 
        em 1937. 
        
        
        E eis o que a partir de 1940 se tem feito neste Liceu: 
        
        
        1940-1941 – Fidalgo Aprendiz; 1941-1942 – Falar 
        Verdade a Mentir; 1942-1943 – Similia Similibus, de Júlio 
        Dinis, peça então inédita; 1943-1944 – Figuras Vicentinas, 
        arranjo nosso para apresentação de vários tipos vicentinos: Clérigo 
        e diabos Zebron e Danor, da Exortação; Preguiçoso; 
        Namorado; Velha; Todo o Mundo e Ninguém; Cananeia; Físico Torres; 
        Aníbal, da Exortação e Cavaleiros e o Anjo do 
        final do Auto da Barca do Inferno; 1944-1945 – A Volta 
        Inesperada de Castilho; 1946-1947 – A Mulher, de Coelho Neto; 
        1948-1949 – Exortação da Guerra; 1949-1950 – El-Rei Seleuco, 
        de Camões; 1950-1951- Inês Pereira; e no presente ano (1952) está 
        em ensaios a Assembleia ou Partida, de Correia Garção. 
        
        
        Algumas tentativas idênticas têm sido feitas noutros 
        Liceus. Além daquelas (...) temos conhecimento de uma récita organizada 
        no Liceu de Viseu, em 1936, com as peças Inês Pereira e EI Rei 
        Seleuco. 
        
        
        Nunca é demais encarecer as vantagens do teatro liceal, 
        quando inteligentemente dirigido por professores." 
        
        / 
        22 / 
        
        
        De espírito inovador e pioneiro, José Pereira Tavares 
        sonhava para o liceu, embora "em bases mais modestas", "aquilo que 
        estavam fazendo a Direcção do Teatro Nacional e o Teatro dos Estudantes 
        da Universidade de Coimbra". 
        
        
        Maria do Céu Novais Faria volta às páginas da LABOR, n.º 
        120, Março de 1952, com o objectivo de cumprir a promessa anteriormente 
        anunciada: "apresentar algumas sugestões relativas às modalidades que as 
        representações nos Liceus podem revestir e a alguns obstáculos de ordem 
        prática". 
        
        
        Lembra, pertinentemente, que "em pedagogia nos deve 
        interessar mais o aspecto interno das coisas que a sua parte 
        espectacular" e de seguida reflecte sobre "o que" representar – 
        escasseava a literatura dramática infantil, mas poder-se-ia lançar mão à 
        adaptação de fábulas e outras poesias representáveis com "o auxílio de 
        um Narrador". As experiências relatadas servem de suporte às convicções: 
        as crianças gostam deste tipo de trabalho que "põe em actividade as suas 
        faculdades imaginativas" – sequencialização de textos produzida pelos 
        alunos, transposição de trechos narrativos em diálogo, são apontadas 
        como possíveis actividades preliminares das representações propriamente 
        ditas. 
        
        
        Já para os alunos mais velhos se propõe a representação 
        de "peças de maior envergadura", anunciando-se como recomendáveis as 
        peças de "teatro de costumes", moderno ou antigo, nacional ou mesmo 
        francês ou inglês. Gil Vicente é o dramaturgo sugerido em destaque, pela 
        sua grande variedade de peças, pela sua actualidade, porque em geral não 
        requer encenação complicada, é "um complemento natural e quase 
        indispensável das aulas de Português dedicadas a este autor. Não é posto 
        de parte o interesse em representar "peças escritas pelos próprios 
        alunos" – jogos florais, sessões culturais, surgem como meios de se 
        impulsionar essa produção. 
        
        
        Para os alunos de níveis etários mais avançados, do 6.º e 
        do 7.º anos, julga Maria do Céu Novais Faria que seria "interessante, 
        embora talvez pedir demais", trabalhar cenas escolhidas de "autores 
        franceses (e até ingleses)". Continua sempre presente a ideia de que 
        estas actividades deveriam ser um "complemento natural das aulas (...), 
        um estímulo para os alunos: criam neles hábitos de investigação, 
        avivam-lhes o interesse pelos problemas literários, aguçam-lhes o 
        sentido crítico, cultivam-lhes horizontes e enriquecem-lhes a cultura". 
        
        
        Como obstáculos, a autora levanta o problema do tempo, 
        contra o qual nem sempre a boa vontade vence. O espírito de colaboração 
        é considerado imprescindível e sugere-se que se desviem "para este 
        trabalho algumas horas consagradas a outras actividades da Mocidade 
        Portuguesa". 
        
        
        A escolha de elementos para a interpretação das peças 
        suscita outras dificuldades. Aponta-se como "recomendável a formação de 
        um Grupo Cénico do Liceu": aos estudantes com "aptidões artísticas mais 
        evidentes" caberia a actuação em "ocasiões mais solenes (festas de fim 
        de ano, por exemplo), reservando-se aos restantes alunos a possibilidade 
        de levarem a cabo as sessões de carácter mais íntimo". 
        
        
        "O maior dos embaraços – talvez o único grande embaraço 
        sério" – era a separação dos sexos nas escolas. Problema para o qual não 
        encontra a autora solução, "porque a solução que se lhe 
        / 23 / 
        poderia achar seria porventura arrojada demais para se lhe dar 
        aceitamento"..."papéis masculinos ainda são toleráveis, se bem que a 
        custo, em raparigas; mas que assombrosamente ridículos seriam os rapazes 
        a interpretar figuras femininas!". 
        
        
        Quanto à questão dos ensaiadores, sublinha-se o papel do 
        "professor de Português (ou de línguas estrangeiras, para o caso de 
        sessões dedicadas a teatro não nacional)". Num desabafo pleno de 
        actualidade lamenta Maria do Céu Novais Faria a falta de preparação 
        pedagógica neste campo, a necessidade de os professores de línguas 
        receberem "lições de declamação, ou, pelo menos, de dicção", para além 
        da valorização das condições (económicas e outras) em que o estágio se 
        fazia. 
        
        
          
        
        
        Na LABOR n.º126, Dez. de 1952, é a vez de José de Almeida 
        Pavão Júnior, do Liceu de Ponta Delgada, voltar ao assunto, "Ainda a 
        propósito de teatro no Liceu". 
        
        
        Reiterando o incontestável valor formativo e pedagógico 
        do teatro, o autor aponta a dificuldade em conciliar o plano moral com o 
        artístico, no momento de aplicar critérios de selecção, não repelindo, 
        por isso, a ideia de "incluir nos programas peças traduzidas de autores 
        estrangeiros cujo mérito seja reconhecido", o que requer que o tradutor 
        possua qualidades que não impliquem a perda do valor dramático do 
        original. 
        
        
        A "imprescindível colaboração" dos professores de 
        Português volta a ser salientada na "indicação dos alunos que lhes 
        pareçam mais aptos para determinados papéis e que não tenham ainda 
        pisado o palco", sendo essencial também o devido respeito pela 
        personalidade daquele que, no trabalho de criação, interpreta 
        determinado papel, "segundo as propriedades do seu temperamento, que 
        conferem ao seu trabalho um aspecto criador". 
        
        
        A dicção merece também um apontamento de J. A. Pavão 
        Júnior: exercícios prévios de dicção ajudam a memorizar o conteúdo das 
        intervenções, auxiliam na expressão e constituem um primeiro estádio da 
        interpretação. A experiência de alguns anos conduzira a "uma longa e 
        honrosa tradição" no Liceu centenário de Ponta Delgada. Por ela tinham 
        já passado peças de Camões, D. Francisco Manuel de Melo, Garrett, Gil 
        Vicente, Castilho, Luís Oliveira Guimarães, Armando Cortes-Rodrigues e 
        Lúcio de Miranda, graças à cooperação de um pequeno núcleo de 
        professores "com a orientação técnica e artística de um amador local, 
        numa estreita colaboração de alunos de ambos os sexos em esplêndida 
        lição de camaradagem", espírito de cooperação, esforço, sacrifício e 
        responsabilidade. As receitas resultantes da venda de bilhetes ao 
        público são mencionadas como fonte de pagamento das "despesas de 
        montagem e vestuário, servindo também para apetrechamento do ginásio do 
        Liceu e de muito material de cena". 
        
        
        Preocupação dominante a não perder de vista é "o 
        cumprimento dos programas", que impõe um conselho: "não prosseguir sem 
        um estudo do problema, dentro de um plano pedagógico devidamente 
        sistematizado", de modo a não prejudicar o funcionamento normal das 
        actividades escolares obrigatórias. 
        
        
          
        
        
        Na LABOR n.º 134, Nov. de 1953, é publicado um texto 
        escrito em 2 de Março desse ano pelo professor Pitta Simões, do Liceu 
        Nacional Diogo Cão, Sá da Bandeira, Angola. Apresenta-se este docente 
        com modéstia, que diz ser-lhe muito peculiar e, por isso, já muito 
        conhecida: durante 
        
        / 24 / 
        cerca de catorze anos fora profissional de teatro, orientador do teatro 
        nacional, designadamente em S. Carlos. Menciona ainda a sua experiência 
        na orientação e organização de "teatro académico, ensaiando, encenando, 
        montando, escolhendo repertório, etc., para as festas anuais escolares". 
        
        
        Aponta depois "um problema premente e da mais alta 
        importância (a carecer de estudo e de resolução): o de uma eficiente 
        orientação futura nesse Teatro a criar dentro do Ensino Liceal". O cerne 
        da proposta que poderemos considerar, no mínimo ousada, assenta na 
        "existência de um profissional acreditado, dentro de cada Liceu, 
        (incluído no Quadro), subordinado a um Conselho Artístico, composto por 
        professores formados no ramo das Letras". Esse técnico especializado na 
        "arte cénica" incumbir-se-ia da escolha do repertório, dos intérpretes, 
        da encenação das peças seleccionadas pelo dito conselho. Fundamenta esta 
        proposta com a constatação de que aos professores não é legítimo 
        exigir-se que sejam enciclopédicos, porque não possuem os conhecimentos 
        inerentes a profissionais habilitados por cursos do Conservatório de 
        Teatro. 
        
        
        À semelhança de uma experiência esporádica no Liceu Pedro 
        Nunes, em 1915/16 deveria o Ministério de Educação Nacional "criar, no 
        Ensino Secundário, a cadeira de Arte de Dizer e Interpretação", cuja 
        docência seria assegurada por um pedagogo de teatro, "de preferência com 
        o curso do Conservatório, e, na falta deste, de reconhecida competência 
        profissional", a colocar na escola "mediante concurso documental ou 
        público". "Três grandes vantagens" são afirmadas por Pitta Simões: 
        "...uma séria orientação do teatro escolar", que poria fim a um 
        "desaconselhável amadorismo", e consequente "rapidez de execução e 
        eficiência". 
        
        
        O segundo aspecto positivo seria a implementação da 
        "dicção artística" com todas as componentes desta disciplina da "arte de 
        dizer": ela favoreceria base útil na formação dos alunos com frutos 
        positivos não só para o "Teatro Escolar", também "fabricaria futuros 
        oradores, e perfeitos". Repare-se no tom que hoje se nos afigura 
        caricatural e cómico no excerto e que não resistimos a transcrever: 
        "Quantos e quantos alunos que frequentam hoje o Liceu se destinam a 
        carreiras, cujos atributos encerram a obrigatoriedade do discurso, da 
        palestra e da conferência públicas?... 
        
        
        Os políticos, os advogados, os diplomatas, os ministros, 
        os deputados, etc., e até os próprios professores dos Liceus e das 
        Universidades, não são forçados constantemente a proferir discurso? As 
        suas orações de sapiência?... E se entre eles se encontram excelentes 
        vocações, de quanto ridículo e de quanta inferioridade se revestem 
        outros, nessas andanças – duros ossos de ofício – quando os vemos em 
        atitudes verdadeiramente grotescas numa entonação e inflexão de voz 
        altitonantes, em estilo grandíloquo, em sonoridades tremebundas, de 
        goelas ressequidas, engolindo copos de água uns após outros, de artérias 
        tumefactas nas têmporas, e atormentados por um angustioso jogo 
        respiratório, numa perfeita arritmia de gestos, fatigados, arrasados, 
        terminando numa prostração e afonia, desastrosas, ao cabo de tanto 
        esforço inutilmente despendido!... 
        
        
        O profundo conhecimento da arte de bem respirar e os 
        segredos da arte de bem dizer, poupar-lhes-iam todo este rosário de 
        torturas e atribulações, conquistando-lhes facilmente, sem esforço 
        algum, com dignidade, o interesse e o imenso prazer do auditório a 
        escutá-los, com o 
        
        / 25 / 
        compensador, merecido e natural aplauso aos seus trabalhos". 
        
        
        Como terceira vantagem "– de carácter social –" aponta 
        Pitta Simões o facto de a medida por ele propugnada poder dar o seu 
        contributo para se debelar a "pavorosa crise" do Teatro Nacional, fruto 
        da "anarquia" que lançava no desemprego, "inclusive os mais geniais, os 
        mais notáveis" . As digressões a África, às províncias e outros recursos 
        eram insuficientes para resolver esse problema que se diluiria se os 
        cinquenta estabelecimentos do ensino secundário existentes na altura 
        dispusessem dos seus próprios pedagogos de teatro. 
        
        
          
        
        
        Nem Cruz Malpique (pessoalmente instado a fazê-lo), nem 
        qualquer outro docente corresponderam ao apelo lançado no final deste 
        artigo? A LABOR n.º10 volta a dar à estampa qualquer outro texto 
        específico sobre experiências levadas a cabo no âmbito do "teatro 
        escolar". 
        
        
        No entanto, consultando o acervo da Biblioteca da nossa 
        Escola Secundária de José Estêvão, encontrámos em arquivo exemplares do
        Anuário do Liceu de Aveiro, publicado até 1962/1963. Foi 
        deles que extraímos a seguinte relação de representações cénicas feitas 
        por alunos, a qual completa o historial do teatro representado por este 
        Liceu: no ano lectivo de 1952/53, As Estações, de Coelho Neto; 
        Vida do Grande Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança 
        (primeira cena) de António José da Silva; em 1953/54, Figuras 
        Vicentinas, José Pereira Tavares; A Sonata, (peça em um acto) 
        de Chagas Roquete; em 1954/55, de Almeida Garrett, representaram-se 
        Falar Verdade a Mentir, o final do segundo acto de Filipa de 
        Vilhena, O Alfageme de Santarém, (três cenas do segundo 
        acto), Frei Luís de Sousa (cena inicial e cenas finais do segundo 
        acto); Entre a Flauta e a Viola, peça em um acto de Camilo 
        Castelo Branco; Uma Filha para Dois Pais, peça em um acto de José 
        da Câmara Manuel. Em 1955/56, representou-se A Última Visita de 
        Pangloss, revista em três actos e sete quadros de José Pereira 
        Tavares, com colaboração musical de José Paiva Queirós; em 1956/ 57, 
        Coroa de Rosas, peça em um acto de Carlos Morais e O Tesoiro, 
        adaptação de José Pereira Tavares. 
        
        
        Em 1959/60, o Liceu celebrou o V Centenário da Morte do 
        Infante, realizando as Comemorações Henriquinas, nas quais se integrou a 
        representação dos seguintes textos dramáticos: As Henriquinas, 
        peça em dois actos, de Rosa Maria Mortágua Velho; Abraço Fraternal, 
        comédia em um acto; O Bobo, de M. J. Agra Regala; O Sonho do 
        Infante, de Laura Maria Rocha Dias, Monólogo do Infante, de 
        Maria Manuel Vidal Lima; Sonho e Glória, de Maria Otília Simões 
        Martins. Neste ano, foram ainda representadas dramatizações em Língua 
        estrangeira (Mr. Wiggins Paints The Sitting Room, algumas cenas 
        de Julius Caesar, de Shakespeare, Gesprach Am Runden Tisch), 
        O Príncipe das Mãos Vazias, de Adolfo Simões Müller, uma adaptação 
        do Auto de Mofina Mendes, algumas cenas do Bourgeois 
        Gentilhomme, de Molière, A Sapateira Prodigiosa, de Garcia 
        Lorca, Um Pedido de Casamento, de Anton Tchekov, A Gota de Mel, 
        de Leon Chancerell. Já em 1960/61, realizaram-se as Comemorações 
        Condestabrinas, nas quais se integraram representações como: D. Nuno 
        e El-Rei, de Maria Adriana Marques, A Batalha Milagrosa, de 
        Máxima Loff, D. Nuno e os Pobrezinhos, de Maria Armanda Oliveira,
        Guerreiro e Santo, Maria Rosário Araújo Vidal, A Mais Bela 
        História, Rosa Maria Mortágua Velho, 
        
        
        Quadros da Vida de 
        
        / 26 / Nun'Álvares, Verdade e Fantasia ( 
        jogo cénico) da autoria de Maria Orquídea, alguns passos do Alfageme 
        de Santarém. Foram ainda levados à cena Three Men in a Boat,
        Tudo Pode Acontecer de Correia Alves, Casamento da Franga,
        A Palmatória, A Rica e a Pobre, A Florista. Em 
        1961/62, com direcção e encenação de Guerra de Abreu, representaram-se:
        Tio Simplício e Amor da... Perdigão (farsa). Em 1962/63, 
        foram apresentados D. Beltrão de Figueiredo, Uma Chávena de 
        Chá e Amor do Finalista, respectivamente de Júlio Dantas, 
        José Carlos Santos e Nunes de Matos. 
        
        
          
        
        
        Cremos que a institucionalização do teatro nas escolas 
        não foi para além da sua prática mais ou menos assídua como actividade 
        extra-curricular, complementar. Vivendo um pouco à margem da 
        normatividade instituída, afinal, reconhecia-se-lhe valor como 
        dinamizadora dos saberes tradicionais. No fundo, sem grandes diferenças, 
        este panorama persistiu até à inserção da disciplina de "Oficina de 
        Expressão Dramática" nos currículos contemporâneos. 
        
        
        
        Começámos com uma história do tempo em que ainda não éramos nascidos... 
        Sabemos que connosco trabalham colegas que poderão dar o seu precioso 
        testemunho sobre o teatro na nossa escola, porque dele tiveram notícia, 
        ou como alunos ou como docentes. Aqui fica, pois, o desafio. 
        ■ 
        
        
        Aveiro, Abril de 1996 
        
        
        Maria Alice L. de Pinho e Silva 
         
        
        
         Se se interessa pela actividade da LABOR e pretende 
        reforçar o grupo de professores que se juntaram para continuar a luta em 
        defesa da dignificação do exercício do magistério docente, da identidade 
        e da cultura pedagógica e profissional dos professores, fotocopie a 
        ficha seguinte e envie-a, depois de preenchida, para 
        
        
        Labor, Associação Cultural de Professores 
        
        
        Escola Secundária de José Estêvão 
        
        
        Avenida 25 de Abril 
        
        
        3810 AVEIRO 
        
        
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