Está no Evangelho
PADRE M. CAETANO FIDALGO
EU não me enganarei se disser que a alma dos
bombeiros está no Evangelho. O Evangelho é o cântico de todos os
heroísmos e de todas as audácias. Nele se guardam, para a memória e a
devoção dos séculos, o santo arrojo da Verónica, com o seu linho branco
de piedade, e as lágrimas doloridas de Maria Madalena, esse pobre
farrapito humano que não pediu licença a ninguém para beijar os pés de
Jesus e sobre eles estender a toalha dos seus cabelos.
É certo que o Evangelho não fala de
corporações, nem de ambulâncias, nem de machados, nem de agulhetas, nem
de cabelos ao vento. Também não alude ao toque de qualquer sereia quando
o fogo, erguido da terra, devorou de pronto as cidades de Sodoma e
Gomorra.
O nome das coisas, porém, pouco importa. O
que importa é a sua alma. É ao ritmo dos nervos e do sangue que se
escalam as montanhas. Só por acaso, não se tocam as estrelas. Tem que
vir de dentro a força para que se não parta a asa dos nossos sonhos. O
amor, se não é virtude, há-de acabar ali perto, ao primeiro amuo ou à
mais leve contrariedade.
Ora a vida dos homens que hoje aqui se
louvam é uma legenda heróica de grandezas. Podem alguns nem sequer o
suspeitar, mas neles existe uma alma a que eu chamo cristã.
Espanta-se a gente diante da força que os
leva na corrida?! E admira-se do ímpeto que os não deixa parar de medo,
que até os faz sorrir dele?! E comove-se quando o seu coração ainda
palpita por cima de todas as ruínas?!
Espante-se e admire-se e comova-se a gente
com a virtude que lhes põe nos olhos esta luz, e nos lábios esta febre,
e no peito esta alma... − esta alma que está no Evangelho.
É Jesus Cristo quem o diz: − Tem a sua
recompensa um copo de água fresca que se dá de beber a quem é pequenino
e pobre, mas vai sedento pelo caminho.
Quando o fogo queima as casas ou as searas,
o bombeiro-soldado desejaria que à roda de cada pedra nascesse uma
fonte. Desejaria até realizar o milagre de trazer ali as ondas todas do
oceano largo e profundo. Mas, porque não é de suas mãos esta força, como
era da vara de Moisés, ele sofre − e chora.
Lágrimas benditas que apagam incêndios!
1 de Janeiro de 1957
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