No Aliás n.º 5 foi publicado um artigo, "História de Galileo em Poesia e
Disparates", que pelo facto de este jornal não ser lido por muitos
alunos (e se calhar também não por muitos professores) não levantou
tanta polémica como se poderia esperar. Nem sabemos se deveremos ficar
satisfeitos com o facto, pois que o objectivo que nos guia(va) é(era)
precisamente o de fazer despertar consciências para o facto de a Escola
continuar divorciada da vida real e compartimentada em si mesma sem que
a interdisciplinaridade ou pluridisciplinaridade consigam ser realidades
concretas.
Quando numa aula de Física do 9.º ano se discute a
diferença entre corpos luminosos e corpos iluminados e se descobre que
não poucos alunos desconhecem que a Lua não tem luz própria, sendo pelo
contrário iluminada pelo Sol, não deixa de nos parecer espantoso e
absurdo que tal possa acontecer no final do Séc. XX numa escola oficial
(e não referimos especialmente as escolas portuguesas, pois que noutros
países poderá acontecer o mesmo fenómeno).
Na verdade, tanto quanto sabemos, o estudo da astronomia
não está incluído em nenhuma disciplina dos Ensino Básico e Secundário,
mas por outro lado não deixa de ser uma realidade que quase todas as
semanas é difundido na TV um documentário em que tais assuntos são
abordados. O problema talvez resida na superficialidade com que a
informação veiculada pelos mass-media, especialmente a televisão – e não
estamos a falar em publicações escritas, pois que poucos são os alunos
que lêem outros jornais para além dos desportivos ou femininos (do tipo
da Maria) – é tratada pelo público em geral (e o jovem em particular)
como já no artigo sobre Galileo havíamos referido. Como há pouco tempo
foi referido da RTP por um jovem: "Marcelo Caetano foi um dos cabecilhas
do 25 de Abril" e etc.
Neste final de século todos julgamos saber muito, mas na
verdade cada vez sabemos menos, pois que a velocidade com que a
informação nos chega não deixa tempo para reflectirmos sobre a mesma.
(Nos últimos 3 anos é impressionante a quantidade de informação sobre
política internacional, devido às transformações no Leste Europeu.
Se estivermos mais de três dias sem informação, ao quarto
dia é provável que descubramos que deixou de existir um país e outros
dois se formaram sem que consigamos perceber como foi possível acontecer
tal.)
Dissemos que o referido artigo sobre Galileo não tinha
levantado muita polémica. Na verdade, passados alguns meses (sobre
alguns assuntos a informação demora a circular nos corredores da nossa
Escola), os alunos, cujos conhecimentos sobre a vida e obra de Galileo
haviam sido postos em causa, efectuaram o seu protesto sem que o
incidente em causa tivesse consequências de maior, tendo
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o grau de relacionamento entre professor(es) e alunos.
Chegados ao estudo da Química, eis-nos defronte do
problema de como apresentar aos alunos o modelo atómico quântico. Por
opção própria, decidimos aventurarmo-nos na abordagem da Física Quântica
no seu todo e não unicamente na sua perspectiva de modelo atómico. Uma
questão difícil. A demonstrá-lo estará o facto de que talvez muitos
colegas (professores de outras áreas) que se encontram a ler o presente
artigo nem sabem o que significa esta história de "quântico". Assim, não
foi sem um certo receio de insucesso generalizado que nos aventurámos a
abordar o assunto numa perspectiva histórica e filosófica na mesma turma
em que a unidade temática da Física relacionada como "movimento
uniformemente acelerado" (a tal relacionada com a vida e obra de Galileo)
havia gerado tanta polémica, pelo simples facto de ter sido abordada
desse mesmo modo (pouco usual no Ensino das Ciências). (É claro que
continuarão a existir sempre alunos avessos às abordagens de índole
filosófica dos assuntos científicos. Como resposta à última questão do
teste sobre Mecânica Quântica um aluno respondeu: "Na minha [opinião]
incerto e indeterminado vai dar ao mesmo. Isto de os filósofos
discutirem tudo e mais alguma coisa dá muito trabalho!")
As
implicações filosóficas da Mecânica Quântica não são de menor
importância, facto este que pode muito bem ser ilustrado pela afirmação
de Feynman transcrita no início do presente artigo. Contudo, elas são
tão profundas e problemáticas que levaram o próprio Schrödinger (um dos
cientistas responsáveis pelo estabelecimento matemático da mesma) a
afirmar um dia que "não a apreciava e lamentava ter tido
responsabilidades no seu nascimento". O próprio Einstein, (cujos estudos
também contribuíram de algum modo para o aparecimento da referida
teoria) que partilhava do mesmo cepticismo de Schrödinger, afirmou
inclusivamente (a propósito da acausalidade e aleatoriedade inerentes a
esta teoria física) que "Deus não joga aos dados", afirmação esta que
demonstra bem o alcance filosófico (e mesmo teológico) da teoria física
que veio revolucionar no início deste século – conjuntamente com a
Relatividade einsteiniana – toda a Física, quase relegando as
teorias de Galileo e Newton para as prateleiras da História da Ciência).
Contudo, precisamente pelo facto de a Mecânica Quântica
ter já mais de 60 anos e continuar porém ainda ignorada pela população
em geral (embora o mesmo não se passe em relação às igualmente
problemáticas Teorias da Relatividade estabelecidas por Einstein) e da
população escolar em particular (ironicamente ignorante em relação às
referidas teorias relativistas), julgámos assim que seria importante
aproveitar esta oportunidade curricular, já atrás assinalada, para
abordar a referida teoria física e respectivas consequências
filosóficas.
Os resultados escolares não poderiam ter sido melhores,
tendo em consideração as dificuldades já referidas, pelo que não é sem
um grande prazer que aqui aproveitamos a oportunidade para de novo
(leia-se o Aliás n.º 5) transcrever respostas a um teste efectuado sobre
este assunto. Servirá este facto para "matar três coelhos de uma só
cajadada":
Em primeiro lugar recolocam-se os alunos em questão no
devido e respeitoso lugar (após o "vergonhoso" vexame motivado pelo
estudo sobre a física de Galileo), podendo-se mesmo afirmar que "afinal
os alunos são mas é deste século e não da época renascentista";
Em segundo lugar tenta-se deste modo demonstrar que a
abordagem da Física Quântica no Ensino Secundário (nomeadamente no 10.º
ano) não é tão impossível como poderia parecer à primeira vista
(salvaguardando-se contudo o facto de eventualmente esta actividade
poder ter originado Concepções Alternativas que outros terão de tentar
"desmontar" no futuro – embora continuemos a considerar positivo o saldo
final);
Finalmente, em terceiro e último lugar, aproveita-se para
dar a conhecer a referida Física Quântica aos que ainda a desconhecem
("Formação Contínua"...).
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Assinalando-se ainda que nas respostas adiante
transcritas os parêntesis rectos se referem a pequenas correcções em
relação ao texto original dos alunos (uma vez que nem sempre o seu
português é o mais correcto), passamos a apresentá-las sem mais
comentários.
Será que Feynman, como sempre, estava a brincar?
Paulo Moreira
Questões e respostas:
4 – A partir de 1923 o conceito de átomo alterou-se
significativamente, tendo-se reformulado a Teoria de Bohr.
a) Por que motivo se pode chamar Mecânica Ondulatória à
Mecânica Quântica actualmente aceite?
– "Porque esta mecânica baseia-se num conceito ou teoria
formulada por De Broglie em 1923 em que ele via associado à matéria e
aos corpúsculos um comportamento ondulatório. Daí deriva o nome de
Mecânica Ondulatória."
– "É Mecânica Ondulatória, porque toda a matéria tem
associada a si uma onda (nomeadamente o electrão), onda esta que se
designa por onda de probabilidade. No caso do electrão ela vai permitir
determinar a zona de probabilidade onde podemos encontrar o electrão,
[assim como] os valores da velocidade e da energia desse electrão, mas
estes valores não são precisos [determinados], são prováveis
(probabilidades)."
b) Que cientistas contribuíram para que se pudesse falar
em "ondas" a propósito do estudo das partículas atómicas?
– "O principal cientista foi Louis De Broglie, e outro
cientista foi Schrödinger (que descobriu uma equação para estudar o
comportamento ondulatório)."
c) Por que não é evidente na nossa experiência do
dia-a-dia a natureza ondulatória da matéria?
– "Porque o comprimento da onda associado a
partículas macroscópicas é completamente irrelevante, mas de facto ele
existe."
– "A natureza ondulatória da matéria não é evidente no
nosso dia-a-dia porque o comprimento de onda (l) é tão pequeno que este
não é detectado.
l=h/p l= comprimento de onda
p=m.v (quantidade de movimento)
h = constante de Planck
O l [comprimento de onda] é muito pequeno porque h
(=6,63.10-34 J.s, constante de Planck) tem um valor pequeníssimo e ainda
é dividido por um valor significativo [elevado] (a massa e a velocidade
de objectos macroscópicos [têm um valor elevado] em relação à constante
[h]),
5 – Das afirmações seguintes (acerca da Mecânica Quântica
actualmente aceite) indica as Verdadeiras e as Falsas, justificando.
A – A Mecânica Quântica é determinista.
– "Falsa, A Mecânica Quântica baseia-se em princípios de
incertezas e indeterminações, logo é indeterminista."
– "F [falsa] - A Mecânica Quântica não é determinada
[determinista] porque nem tudo é explicado através de causas e efeitos,
é uma mecânica cheia de probabilidades e incertezas.”
B – A Mecânica Quântica descreve o comportamento dos
electrões nos átomos através de "distribuições de probabilidades".
– "Verdadeira -- A Mecânica Quântica opõe-se ao conceito
de órbita apresentado por Niels Bohr, pois este defendia que o electrão
descrevia uma trajectória bem definida (órbita). A Mecânica Quântica não
pensa assim. Nesta Mecânica pode-se determinar o local [região] de maior
probabilidade de existência [presença] de um e" [electrão], mas não se
pode determinar o instante em que o e" [electrão] passa por lá,
[surgindo assim] o conceito de orbital (local de maior probabilidade de
existência de um electrão)."
C – A Mecânica Quântica não consegue explicar os
fenómenos mecânicos que a Mecânica Clássica Newtoniana explica.
– "Falsa – A Mecânica Quântica consegue explicar os fenómenos mecânicos
que a [Mecânica] Clássica Newtoniana explica. Pois se é uma teoria que
surgiu depois da Clássica evidentemente que terá de explicar os novos
fenómenos mas também terá de explicar os antigos. No entanto ela, para
fazer as explicações [dos fenómenos] Clássicos, usa métodos muito
complicados que podem ser simplificados usando a Mecânica Clássica."
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– "Falsa - Contudo a Mecânica Quântica, que é uma
mecânica de incerteza, não se aplica usualmente a corpos macroscópicos,
pois para estes há um elevado grau de certeza (acerca das suas posições,
etc.)."
6 – O matemático francês Laplace (1749-1827), cujas
formulações matemáticas muito contribuíram para o desenvolvimento da
Física (nomeadamente para a Teoria Electromagnética de Maxwell) afirmou
um dia que:
"Um indivíduo inteligente que num determinado momento
conheça todas as forças actuantes na natureza, bem como a posição de
todas as coisas constituintes do mundo, abarcará na mesma fórmula os
movimentos dos maiores corpos do universo e dos mais pequenos átomos;
nada será incerto para ele, e o futuro, tal como o passado, ser-lhe-á
apresentado."
a) À luz da Mecânica Quântica, nomeadamente do Princípio
de Incerteza / Indeterminação de Heisenberg, comenta a afirmação de
Laplace anteriormente apresentada.
– “À luz da Mecânica Quântica a afirmação de Laplace é
impossível, uma vez que ele diz que nada será incerto, o que contradiz o
Princípio de Incerteza/Indeterminação de Heisenberg que diz que numa
mesma experiência não se conseguem obter resultados precisos acerca da
posição e da quantidade de movimento de electrões."
– "Na Mecânica Quântica defende-se que não é possível
medir nada num exacto momento, porque ao medir vai-se alterar o estado
da partícula; (...) no texto dizia[-se que] quem soubesse medir algo num
determinado momento conseguiria saber qual o seu próximo comportamento."
– "Laplace, obviamente, viveu muito antes da formulação
dos princípios de base da Mecânica Quântica. Viveu num período em que o
determinismo científico imperava na época. O conhecimento absoluto a que
Laplace se refere era uma esperança legítima, já que os conhecimentos da
altura sobre a constituição da matéria não a tornavam impossível. À luz
da Mecânica Quântica essa esperança é deitada por terra diante do valor
de incerteza e de "falta de nitidez" que temos acerca das
características de constituintes da matéria como o electrão,
nomeadamente do Princípio de Heisenberg já referido em alíneas
anteriores.
Saliente-se no entanto que o "fervor unificador" dos
cientistas continua vivo, embora no sentido de unificar as quatro forças
ou interacções fundamentais do Universo (gravidade, electromagnetismo,
forças nucleares forte e fraca) numa só teoria, já tendo sido dados
passos nessa direcção (unificação do electromagnetismo e força fraca)."
b) O Princípio de Heisenberg formaliza matematicamente
uma impossibilidade prática/laboratorial até hoje nunca ultrapassada
(por exemplo, a de não se conseguir com uma mesma experiência obter
resultados precisos acerca da posição e da quantidade de movimento de
electrões). Quais as duas perspectivas filosóficas diferentes que se
podem adoptar acerca dessa impossibilidade prática?
– "Existiram 2 interpretações físicas para o Princípio de
Incerteza/Indeterminação de Heisenberg:
– Os valores das grandezas físicas são bem definidos,
[mas] os homens é que não conseguem medi-los;
– A própria Natureza é indefinida, é indeterminada."
– "Face a esta impossibilidade prática podem-se ter duas
atitudes: uma atitude de Incerteza, defendida por Planck, Einstein e
Schrödinger (ver alínea anterior) e outra de Indeterminação. Esta última
diz-me que as coisas só podem ser como eu as vejo. Se [os valores das
grandezas que caracterizam o comportamento do e- [electrão] são incertas
é porque então elas são mesmo incertas, pois é assim que eu as vejo."
– "O Princípio de Heisenberg coloca duas perspectivas
filosóficas sobre a impossibilidade prática de se obterem resultados
absolutos sobre a posição e quantidade de movimento dos electrões.
A 1.ª perspectiva diz-nos que na Natureza tudo é bem
definido ("Deus não joga aos dados"... A. Einstein) mas o Homem não tem
capacidades para avaliar e medir essa indeterminação e absolutidade [sic],
logo ficando na incerteza.
A segunda perspectiva coloca o Homem numa posição mais
cómoda em que a Natureza assume o papel de Universo indeterminado por si
só. Assim, o Homem nunca poderá atingir a determinação absoluta do real
e terá de viver sempre com a indeterminação de algo que quer conhecer
como absoluto." ■
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