Entre os dias 6 e 20 de Novembro de 1991 foi-me dada a
oportunidade rara de visitar o país do sol nascente, juntamente com mais
um colega português (também do grupo de História) e vários colegas de
todos os países da Europa, num total de 75 participantes.
Esta viagem foi patrocinada pela Japan Foundation e teve
como objectivo dar a conhecer aspectos da vida cultural e social do
Japão, assim como o seu sistema educativo. Estas viagens de intercâmbio
são realizadas, ao longo do ano, por grupos de todos os países do mundo
(não só da Europa), desde os diferentes países asiáticos até aos países
da América Latina, aos EUA, ao Canadá e à África.
Foi algo emocionada que subi a bordo do avião da JAL (Japan
Airlines) que nos transportou do aeroporto de Charles de Gaulle até
Narita, o aeroporto de Tóquio. Passado o primeiro momento de emoção, foi
curioso observar aquele enorme aparelho de dois andares apinhado de
passageiros japoneses que, diligente e ordenadamente se iam acomodando o
mais à vontade possível nos seus lugares, descalçando os sapatos que
substituíam por chinelos.
À chegada ao aeroporto de Narita fomos recebidos por
pessoas da Japan Foundation, conforme previsto, entre elas a guia que
haveria de nos acompanhar todos os dias da nossa estadia no Japão, a
simpática Momoko. Logo se notou uma admirável organização e eficiência
que nunca apresentou falhas.
Ao longo do percurso entre o aeroporto e o hotel (cerca
de 75 km) tivemos oportunidade de observar aquela megalópolis
impressionante, aquele labirinto de prédios e viadutos e gente
afadigando-se diligentemente nas ruas e nos milhentos escritórios
iluminados.
Na grande Tóquio, perto de 30 milhões de pessoas vivem
num raio de 50 km a partir do palácio imperial. Há vários centros em
Tóquio, cada um com o seu carácter específico: o centro de negócios de
Marunouchi, os centros de comércio de Ginza (zona chique), Shinjuku e
Ikebukuro, o bairro dos ministérios à volta de Kasumigasai e o centro de
distracções de Roppongi, entre outros. Apesar da dimensão enorme de
Tóquio, existe nesta cidade uma multidão de pequenas comunidades,
formando com os anos uma mistura harmoniosa de actividade febril e de
oásis de calma. De facto, sendo fraca a taxa de criminalidade no Japão e
o seu corpo policial eficaz, Tóquio torna-se uma cidade segura para os
visitantes.
Os três primeiros dias, em Tóquio, foram ocupados em
visitas a instituições, monumentos e numa ida ao teatro. Na Japan
Foundation foi-nos apresentado o programa das visitas, assistimos a uma
conferência sobre a educação no Japão e à projecção de um filme sobre as
actividades daquela organização. No Ministério da Educação, Ciência e
Cultura – Monshubo – tivemos outra conferência sobre educação.
É de assinalar o protocolo com que fomos recebidos. O
japonês é muito protocolar, muito formal. Houve oportunidade para
entrega de presentes por parte dos participantes, o que foi muito
apreciado pelas entidades japonesas. Tudo aliás já estava previsto, de
acordo com o programa, e este não podia falhar!
E, conforme o programa, fez-se a visita ao palácio
imperial, apesar da chuva torrencial que nos fustigou nesse dia. Aliás,
só visitamos os jardins, pois o palácio está escondido do visitante
comum. Apesar dos guarda-chuvas que nos cobriam, oferecidos pela
organização logo no primeiro dia, ficámos bastante molhados. A chuva
também estava prevista no programa!
Esta, porém, foi uma excepção ao tempo ameno que se fez
geralmente sentir. O Outono parece ser a melhor época para visitar o
Japão, não só pelo tempo agradável (temperaturas médias de 17º na zona
de Tóquio) e soalheiro, como pela beleza das paisagens dos campos, com o
matizado da sua vegetação e das suas florestas (67 % do território
japonês é coberto por árvores e apenas 13% é ocupado por terras
cultivadas, onde se destaca principalmente o arroz). O período das
chuvas, chamado Baiu, começa de meados de Maio a meados de Junho,
conforme as regiões, terminando em meados de Junho e Julho,
respectivamente.
De entre as outras actividades do programa em Tóquio é de
destacar o espectáculo de teatro tradicional japonês – Kabuki – a que
nos foi dado o privilégio de assistirmos: admirável do ponto de vista
artístico, mas demasiado longo (4 horas!) para a nossa impaciência
ocidental. Foi também espectáculo observar o prazer que se espelhava no
rosto dos espectadores japoneses, enquanto assistiam às diversas cenas.
No intervalo, que durou meia hora, abriram as caixinhas de Sushi e
outras "iguarias" japonesas, onde entra o peixe cru, e ali mesmo
jantaram. Algumas senhoras ostentavam os seus kimonos, o que ainda se vê
em espectáculos e recepções; de resto perdeu-se, na agitação frenética
da vida actual e no ritmo acelerado da ocidentalização, o colorido dos
trajos tradicionais, substituídos por fatos bastante uniformes e de
cores escuras. Ao observar as golfadas de japoneses com que nos cruzamos
nas ruas, ficou-me uma impressão de cinzento! Mas são afáveis,
principalmente as mulheres, e extremamente delicados, vergando-se
constantemente em vénias cerimoniosas.
O programa contemplava também uma romagem de paz e por
isso nos deslocámos expressamente a Hiroshima, de avião. Aí visitámos o
Museu Memorial da Paz, construído precisamente no local onde caiu a
bomba atómica lançada pelo "Enola Gay". O espólio e as imagens mostram
os efeitos da bomba, obrigam-nos a meditar na tragédia que se abateu
sobre o povo japonês no dia 6 de Agosto
/ 33 / de 1945. Da cidade de
Hiroshima – a Fénix renascida –, são essas as imagens que retenho na
memória (e o objectivo da visita era esse mesmo), além do calmo passeio
que fizemos junto ao monumento da paz, nos jardins do museu. Partimos
para Osaka, no comboio super-expresso.
De Osaka também pouco vimos da cidade, além das ruas
circundantes ao luxuoso hotel onde nos hospedaram. Ficou-me, no entanto,
a impressão de uma cidade muito mais calma e arquitectonicamente mais
organizada do que Tóquio. Ficámos em Osaka por não haver alojamento em
Quioto, que visitámos no dia seguinte.
Em Quioto, cidade muito rica do ponto de vista
monumental, dado que foi preservada em grande parte dos bombardeamentos
durante a guerra, os locais visitados foram de grande interesse
cultural. Os templos, os castelos, estão muito bem preservados e são de
uma beleza extraordinária. É notável a preocupação com a conservação e o
restauro do património histórico-cultural.
Tanto no avião como no comboio e nas visitas, sempre
imensa gente. O japonês viaja muito e encontram-se em todos os locais
turísticos muitos grupos de visitantes e muitos alunos em visita de
estudo.
Na viagem para Fukushima, pudemos apreciar, no percurso
entre Quito e Tóquio, o grande vulcão extinto, o Fujiyama, que se ergue
imponente, destacando-se, inconfundível, de entre os outros montes,
«piramidal com a sua cabeleira de neve» (usando a expressão de Wenceslau
de Moraes). Fukushima é a prefeitura que nos foi destinada para
visitarmos durante seis dias. Situa-se a cerca de 200 km a norte de
Tóquio, abrangendo uma área de perto de 14000 km2, onde vivem cerca de 2
milhões de pessoas. É uma região montanhosa, por isso mais fria que a
zona de Tóquio. Inclui várias localidades, entre elas a cidade de
Fukushima.
Aqui houve lugar para várias visitas a monumentos e
museus e a um local de artigos de laca, interessantes e dignos de
registo. Mas quero sobretudo destacar as visitas às escolas – uma escola
primária, uma escola secundária inferior e uma escola secundária
superior – assim como a estadia numa família japonesa, durante um dia e
uma noite, além da estadia numa estalagem tipicamente japonesa –
Matsushimakaku.
Foi aqui que pudemos observar a vida social e familiar
japonesa e apreciar, embora um pouco superficialmente, o sistema
educativo japonês. Recordo os rostos alegres das crianças primária de
Aizu-Wakamazu, o almoço que elas compartilharam connosco na sua sala de
aula e as melodias que nos cantaram. Recordo também o acolhimento algo
tímido dos alunos das escolas secundárias, a alegria súbita manifestada
perante as pequenas lembranças dos nossos países, que fomos
distribuindo, as perguntas que nos colocaram os mais velhos, a conversa
que se seguiu entre eles e nós.
Em Fukushima houve também lugar a formalismos e
cerimónias de recepção preenchidas com vários discursos, tanto por parte
das entidades japonesas, como por parte dos representantes do nosso
grupo. No penúltimo dia foi-nos oferecido um banquete pelo departamento
da educação da prefeitura, no qual participaram algumas das famílias que
nos iriam acolher no dia seguinte.
Foi uma oportunidade única a estadia na família. É apenas
quando se tem contacto com um povo de diferente cultura que se pode
realmente apreciar, não só as nossa diferenças, mas também as nossas
semelhanças.
OIs japoneses sofreram já um processo de ocidentalização
que os aproxima dos nossos hábitos e costumes, mas guardam ainda intacta
boa parte da sua cultura e mentalidade.
Na realidade foi-me dado participar na cerimónia do chá
(embora de uma forma aligeirada, a que presidiu a dona da casa, a
senhora Sumiko Funayama. O jantar que me foi oferecido era genuinamente
japonês, incluindo, além do já referido Sushi, outras especialidades
como a Tempura (que, segundo fui informada, é de origem portuguesa),
sempre acompanhadas de molhos diversos, do habitual chá verde e de saké
aquecido.
Faz parte da etiqueta tomar banho antes de deitar. O
banho japonês consta de um determinado ritual que nos foi dado a
conhecer antecipadamente e que pudemos apreciar nas relaxantes águas
quentes termais da estalagem.
A casa, onde não faltava a tecnologia japonesa, era
tradicional, com portas de correr e o chão recoberto de Tatami (esteira
debruada a fita de seda) que só é pisado com os pés descalços. As
traseiras eram enfeitadas com um bonito jardim. Para dar uma ideia da
importância do jardim e do seu aspecto, vou transcrever uma passagem de
Wenceslau de Moraes, em “Traços do Extremo Oriente", que julgo
ainda adaptada à actualidade: «O japonês adora o cenário campestre; não
podendo tê-lo sempre em frente dos olhos, em casa, na oficina, imaginou
um cenário reduzido (...) de rochedozinhos anões, que põe no jardim
(...); e adapta a estas miniaturas, com particular maestria, os seus
delicados arbustos. dando-lhes feitios graciosos (...), abraçando-os a
pedaços de granito, vestindo-os de musgos.»
Após seis dias na prefeitura regressámos a Tóquio, e foi
alegre o reencontro com os nossos colegas dos restantes grupos que se
tinham deslocado às prefeituras de Saitama e Wakayama. Cabe aliás aqui
dizer que o convívio entre os colegas foi excelente e enriquecedor.
No penúltimo dia houve a festa de despedida oferecida
pela Japan Foundation. Mais uma vez o rigor da organização e o
formalismo se fez notar, mas houve também lugar para descontracção e
alegria durante as quatro horas de duração da recepção (que acabou
rigorosamente às 22h 30m, conforme programado). Cada grupo apresentou um
"show" que fora ensaiado apressadamente. O último dia foi livre e
aproveitado da melhor maneira por cada um dos participantes. Para
despedida, não faltou um tremor de terra!
De regresso a Paris, a bordo do avião da JAL, superlotado
de cidadãos japoneses, recordo já com saudade a experiência vivida e as
amizades feitas.
Maria do Rosário Direito
________________________
*
Professora do Quadro de
Nomeação Definitiva do 10° B
|