Escola Secundária José Estêvão, n.º 3, Abr. - Jun. de 1991

Em Fevereiro deste ano fui "convidado" a realizar, frente a um gravador, uma curta descrição da minha actividade como "orientador de escola" na "prática pedagógica" da Licenciatura em Ensino de Biologia e Geologia.

Levo à forma escrita o que então relatei:

O mote, quase à guisa de desafio, encontrava-se enovelado numa única questão: "Os supervisores ensinam a pensar?"

Por momentos reflecti; deixei o pensamento vogar do presente ao passado; apelei à já semi-debilitada resistência de alguns órgãos... e de modo quase imperceptível, mas convicto, as palavras começaram a fluir:

Vou discriminar três etapas primordiais naquele meu papel de "orientador".

Um deles será o momento de planificação; outro, o da execução e finalmente, a reflexão realizada nos institucionalizados "seminários".

Ao longo desta função de interveniente na "supervisão da prática pedagógica" surgiram adaptações a novas "Teorias de Aprendizagem"; "Epistemologias"; "Psicologias Educacionais";...

Interessa a perspectiva do meu presente?! Ou uma certa cronologia com o passado?!

"Interessa-me neste momento o presente. Portanto, aquilo a que chegaste. No entanto, talvez mais tarde possamos abordar essa cronologia, porque isso pode ter interesse."

Repara que no nosso grupo disciplinar (11.º Grupo B), em meados da década de 1970 fomos abanados por uma perspectiva diferente de ensino-aprendizagem. Até ali, as nossas disciplinas eram meramente factuais, baseadas na transmissão do "conhecimento construído" e da experiência do professor. A suprema importância (...ou mesmo exclusiva!) era atribuída aos oficiais temas programáticos (dissecados factualmente ao pormenor), esperando-se que os alunos os reproduzissem o mais fielmente possível, em provas alternadamente orais e escritas. A partir desta data (e aqui uma homenagem ao "grupo de Trabalho para o ensino da Biologia" e aos "Serviços de Educação da Fundação Calouste Gulbenkian" conhecemos a estrutura curricular do BSCS, seus fundamentos psico-pedagógicos e epistemológicos. Depois, ou quase em simultâneo, veio o ESCP; Nuffield; etc. Mas deixemos esse passado já distante. Longe vai a década de 70!

As teorias de aprendizagem evoluíram e como tal, modificaram-se as planificações. Evoluiu todo o meu mundo profissional e o presente, posso dizer, está muito distante do passado de há meia dúzia de anos e muito mais de uma década... ou mesmo treze anos.

"Queres tentar então e para já o presente, que é mais urgente?"

Sim, sim... Há uma coisa que eu gostaria de começar por referir. Estabeleci na minha linha de "orientação" três momentos em que designei por "pré-estágio", "formativo" e "sumativo". O período pré-estágio, que não tem qualquer cobertura oficial, é realizado em regime de voluntariado. São aqueles quinze ou vinte dias que antecedem a abertura das aulas. Dedico-o, parcialmente, à visão integrada de cada um dos ciclos de estudo do actual ensino secundário. Procuro que os estagiários, após leitura dos programas oficiais, obtenham uma inferência fundamental: "O ensino-aprendizagem é uma actividade que carece sempre de prévia planificação". O que realizo?! A planificação longo prazo, mas essa planificação sempre integrada no respectivo ciclo de estudos. Concretizando, "planificação para o ciclo unificado" e "planificação para o ciclo complementar". Antecedendo a consecução daquela planificação, seleccionamos a teoria de aprendizagem que lhe servirá de alicerce. Eu digo alicerce, reafirmando no entanto o que já te referi em anterior conversa: Nós, professores de ensino não superior, tal como cita Bigge, M. in "Learning Theories for Teachers", embora haja teorias de aprendizagens "teoricamente" incompatíveis, conseguimos na prática a sua parcial compatibilização.

Nessa planificação haverá aprendizagem por descoberta e, necessariamente, aquilo que me parece ser indispensável no actual cenário: "Um ensino-aprendizagem conceptualizante e que essa conceptualização seja significativa, com o conhecimento construído pelos alunos.

Assim, neste ano lectivo seleccionámos como alicerce para a planificação longo prazo do ensino complementar a teoria de Ausubel, enquanto para o ciclo unificado a Teoria de Gagné (recontextualizada).

Há aqui portanto duas perspectivas. (Eu não sei se estou a responder àquilo...)

"– Interessa".

Tenho verificado que ao adoptar esta perspectiva de planificação conceptualizante, os formandos carecem duma visão integrada dos temas programáticos e não só! São produtos duma escola fragmentada. Não têm pontes de ligação entre as diversas áreas, sendo nítida a separação entre ciências da educação e ciências da especialidade. Depois dentro de cada uma destas ciências... / 15 /

A preocupação é que nesta planificação, a que chamarei geral, os formandos obtenham uma visão global dos programas. Compreendem-se as suas dificuldades (experiência de ensino nula; idade; excessivo número de funções; etc.) e por isso poderia dizer que a planificação de ano não pode ser um produto deles. É o meu produto... embora com a sua colaboração.

Mas no fim do ano, já terminado o estágio oficial e novamente em regime de voluntariado, vamos utilizar novamente aquela planificação longo prazo, para a articular com outro ano do mesmo ciclo de estudos. Por exemplo, este ano estamos a leccionar o 11.º ano e em Julho será efectuada aquela planificação longo prazo para delinear o 12.º ano.

O regime de voluntariado tem-se conseguido em anos lectivos anteriores e também para outras tarefas não contempladas no serviço de estágio (exames orais; estrutura das provas escritas, correcção e "burocracia" associada; etc.). Os jovens são magnânimos e embora a nossa classe esteja (ou seja) desprestigiada, a sua voluntariedade só é comparável à dos "soldados da paz".

(Mas... desculpa esta minha divagação... e voltemos à planificação)

Aquela planificação longo prazo é um plano em que são definidos os grandes "esquemas conceptuais" e perspectivadas as diferentes "unidades de ensino (U.E.)" .

As Ciências Naturais (para não meter foice em seara alheia), e creio não ser deficiente leitura minha, devem ser apresentadas numa visão sistémica, pelo que os diferentes "blocos de estudo" do ano lectivo (ou U.E.) têm que apresentar-se interligadas por pontes unificadoras.

Ocorre-me agora outro pormenor, mas que julgo de primordial importância. Os professores estagiários, que repetidamente referem o "currículo em espiral", poucas ou nenhumas vezes se lembram de o aplicar. No entanto, toda a nossa planificação é forçada a ter essa perspectiva do currículo em espiral, para que o tema seja revisitado, em complexidade crescente, nas diferentes unidades de ensino. Isto pode dizer-se que levanta problemas com a maioria dos livros de texto, e até em documentos oficiais e muitas das suas sugestões didácticas. Abordam um tema e esgotam-no até à exaustão! Nós, pelo contrário, usando esse tema abordamo-lo de acordo com o interesse na U.E. Em seguida vamos revisitá-lo noutra Unidade, transportando-o a um nível maior de maior complexidade,  e assim sucessivamente.

Torna-se gratificante ouvir que Ciências apelidadas de "ocultas" são reconhecidas absolutamente indispensáveis no dia-a-dia.

Este "período de pré-estágio", que se lamenta ser tão curto e sem carácter oficial, serve para debates como, por exemplo, "Uma viagem desde as Escolas Behaviouristas até ao Construtivismo Humano". É a oportunidade para abordar instrumentos conceptualizantes que serão utilizados durante o ano lectivo: "mapas conceptuais" e "Diagramas em V de Gowin".

Planificamos basicamente de acordo com uma teoria de aprendizagem. Há teorias que partem de menor para um maior grau de inclusão, como a Teoria de Gagné, que adoptámos no 7.º ano unificado deste ano lectivo. Ausubel, que parte do geral para graus de inclusão sucessivamente menores, foi adoptado no 11.º ano deste estágio. Houve uma certa "directividade" da minha parte, pois interessava-me colocá-los em duas situações didácticas distintas. Pareceu-me mais adequado para o nível etário do 7.º ano de escolaridade, caminhar por degraus de inclusão sucessivamente crescentes, pois sendo a minha disciplina (Ciências da Natureza) essencialmente de observação, achei que deveria começar privilegiando observações simples, que não exigissem linguagem simbólica muito complicada na sua descrição.

Terminada aquela planificação longo prazo, apresentei, como é natural, a proposta de abordagem da "planificação a médio prazo". Planificações longo prazo e médio prazo são os fulcros da minha atenção. Já lá vai o tempo da ênfase no "curto prazo". O plano de aula é uma emanação natural do médio prazo, já estruturado a prever estratégias de ensino. O feedback que vamos realizando diariamente determinará o surgir de reformulações e estratégias alternativas.

A "formação inicial", que espero proporcionar aos professores estagiários, procura ser um elo de ligação natural entre a "formação de base" dos estagiários e tal facto tem constituído uma benéfica catálise na minha formação contínua. Também aquela formação terá de ser consentânea com o quotidiano do formando/alunos, pelo que rejeito veementemente actividades para "estágio contemplar ou exibir". A "formação inicial" deverá (ou deveria) ser o primeiro degrau da "formação contínua". E aqui gostaria de me pronunciar no que entendo ser os degraus dessa "formação" e seu "modus faciendi". Noutra oportunidade, talvez abordemos o tema "formação contínua de professores". Relatei, em síntese, o que se passou na fase inicial de planificação... e ocorrem-me algumas perguntas: Pode ser iniciado o ano lectivo dos estagiários, sem aquela actividade de "pré-estágio"? E em que mês deverá ser realizada?

Sucedem-lhe, como já referi, os períodos formativo e sumativo. O “período formativo" é ainda fraccionado em dois sub-períodos: O primeiro sub-período, iniciado na segunda quinzena de Setembro que permitiu ao "orientador" mostrar as suas turmas, a conciliação entre a execução e o apregoado teoricamente durante o pré-estágio. É a fase dos actores (orientador e alunos) revelarem aos "espectadores" (estagiários) como as "deixas" dum / 16 / actor são suficientes para desenvolver uma peça pluri-participada (alunos-professor). Em Outubro e Novembro, embora continuando a execução das aulas proporciono aos estagiários situações de íntimo relacionamento com os alunos, aproveitando aulas de actividade laboratorial (em grupo de trabalho).

Mas toda a minha actividade se tornaria subjectiva se não estivesse criado desde o início, um "instrumento de formação" com objectivos de formação bem especificados e do qual pudesse irradiar a construção de uma grelha de observação. Uma grelha de observação é algo que os estagiários devem conhecer desde o início do seu ano de "formação inicial". Nunca me "atrevi" a proporcioná-la depois de ter começado o estágio... Eu discuto-a sempre no pré-estágio, alertando-os que poderá haver eventuais alterações se determinadas pela Universidade ou pela Direcção Geral. Mas como o Instrumento de Formação e consequentemente a Grelha de Observação são tão consensuais com os princípios pedagógico-didácticos, dificilmente seriam anulados na sua globalidade.

Diria que os estagiários estão quase prontos para começarem as suas observações nas aulas do orientador e após a sua análise, comentá-las em seminários previamente calendarizados.

Depois quereria referir-te como desenvolvo as observações e registos realizados durante a execução de aulas; localização na Grelha de Observação de comportamentos correspondentes ao perfil do professor; etc., mas fica para depois.

Analisemos agora os Seminários:

Estabelecem-se dois tipos de seminários. Os Ordinários que constam do horário oficial e os "extraordinários", realizado nas horas semanalmente consagradas ao Conselho de Grupo, quando não convocado. Este seminário extraordinário, voluntariamente aceite, é inicialmente dedicado à formação teórica da Direcção de Turma.

Os Seminários Ordinários são divididos em duas partes:

1 – Reflexão sobre os registos de observações recolhidos em aulas.

2 – Articulação entre as planificações médio e curto prazos.

A reflexão crítica (e realço que desde o início convencionámos que a crítica é sempre utilizada em sentido construtivo) é usada no "desmontar" da aula e procura de propostas alternativas. Tal clima desenvolve situações de empatia e por vezes prolongamos as "conversas" em locais exteriores à escola. Creio que está criado um clima propício para a planificação da U.E. nos seus diferentes aspectos... e a primeira fase desenvolvida corresponde à sua discussão na perspectiva das Ciências da Especialidade e só depois, as Ciências da Educação.

Em seguida procura-se a indispensável articulação entre aquelas ciências, a fim de se iniciar a planificação. (Gostaria de ver discutida a diferença entre Planificação e Programação. Para mim, primeiro planifica-se e só depois, com base nesses dados da planificação, é que se realiza uma concretização esquemática ou "programação").

Decorrido o período inicial do estágio (cerca de três meses) os professores estagiários começam a realizar intervenções Formativas nas turmas do orientador. Mas, simultaneamente, decorre, por disposição legal, o serviço de professor eventual dos estagiários. Para esse serviço eventual, a estratégia utilizada é totalmente diferente, embora tenha de decorrer em paralelo com as outras actividades. A aula do professor estagiário é assistida por mim e por um dos seus colegas. Os dois sentamo-nos em local o mais afastado possível, realizando registos das ocorrências verificadas na aula. Com base nesses registos e em posterior reunião com o estagiário "assistente", efectuamos interpretação dos registos, face à grelha de observação. Naturalmente que iniciamos com observações focadas e, progressivamente, vamos percorrendo todo o instrumento de formação, até atingir observações gerais. Desta forma podemos preparar-nos para um diálogo a realizar posteriormente com o "professor executante". Nesta reunião a três, dividimos o período correspondente à aula observada em três partes: terço inicial, médio e final. De uma forma objectiva discutimos a aula observada e eventualmente, fornecendo sugestões alternativas.

Assim progride a nossa participação no sentido de contribuir para o desenvolvimento do Perfil apontado pelo Instrumento de Formação.

...

Hoje vivo profundamente "marcado" por Kuhn. Reli K. Popper em 1983 e com surpresa verifiquei que aquele Popper que conhecia da década de 1950 não era o mesmo! Agora ao afirmar que "nos nossos dias todo o mundo sabe que o positivismo lógico está morto", ter-se-ia convertido num Kuhneano?

A Kuhn, por um lado, e Ausubel/Novak, por outro, devo o meu presente procedimento profissional: Aprendizagem Significativa Conceptualizante.

...

Elaboração de instrumentos de avaliação; integração do quotidiano na prática pedagógica; Mendelsshon ao "serviço" da Biologia; Ciências da Educação homenageando Bernstein; etc. – são temas para próximas conversas, se o achares oportuno... E entenderes que os supervisores podem ajudar a pensar.

Aliás, Escola Secundária José Estêvão

 

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