Em Fevereiro deste ano fui "convidado" a realizar, frente
a um gravador, uma curta descrição da minha actividade como "orientador
de escola" na "prática pedagógica" da Licenciatura em Ensino de Biologia
e Geologia.
Levo à forma escrita o que então relatei:
O mote, quase à guisa de desafio, encontrava-se enovelado
numa única questão: "Os supervisores ensinam a pensar?"
Por momentos reflecti; deixei o pensamento vogar do
presente ao passado; apelei à já semi-debilitada resistência de alguns
órgãos... e de modo quase imperceptível, mas convicto, as palavras
começaram a fluir:
Vou discriminar três etapas primordiais naquele meu papel
de "orientador".
Um deles será o momento de planificação; outro, o da
execução e finalmente, a reflexão realizada nos institucionalizados
"seminários".
Ao longo desta função de interveniente na "supervisão da
prática pedagógica" surgiram adaptações a novas "Teorias de
Aprendizagem"; "Epistemologias"; "Psicologias Educacionais";...
Interessa a perspectiva do meu presente?! Ou uma certa
cronologia com o passado?!
"Interessa-me neste momento o presente. Portanto, aquilo
a que chegaste. No entanto, talvez mais tarde possamos abordar essa
cronologia, porque isso pode ter interesse."
Repara que no nosso grupo disciplinar (11.º Grupo B), em
meados da década de 1970 fomos abanados por uma perspectiva diferente de
ensino-aprendizagem. Até ali, as nossas disciplinas eram meramente
factuais, baseadas na transmissão do "conhecimento construído" e da
experiência do professor. A suprema importância (...ou mesmo exclusiva!)
era atribuída aos oficiais temas programáticos (dissecados factualmente
ao pormenor), esperando-se que os alunos os reproduzissem o mais
fielmente possível, em provas alternadamente orais e escritas. A partir
desta data (e aqui uma homenagem ao "grupo de Trabalho para o ensino da
Biologia" e aos "Serviços de Educação da Fundação Calouste Gulbenkian"
conhecemos a estrutura curricular do BSCS, seus fundamentos
psico-pedagógicos e epistemológicos. Depois, ou quase em simultâneo,
veio o ESCP; Nuffield; etc. Mas deixemos esse passado já distante. Longe
vai a década de 70!
As teorias de aprendizagem evoluíram e como tal,
modificaram-se as planificações. Evoluiu todo o meu mundo profissional e
o presente, posso dizer, está muito distante do passado de há meia dúzia
de anos e muito mais de uma década... ou mesmo treze anos.
"Queres tentar então e para já o presente, que é mais
urgente?"
Sim, sim... Há uma coisa que eu gostaria de começar por
referir. Estabeleci na minha linha de "orientação" três momentos em que
designei por "pré-estágio", "formativo" e "sumativo". O período
pré-estágio, que não tem qualquer cobertura oficial, é realizado em
regime de voluntariado. São aqueles quinze ou vinte dias que antecedem a
abertura das aulas. Dedico-o, parcialmente, à visão integrada de cada um
dos ciclos de estudo do actual ensino secundário. Procuro que os
estagiários, após leitura dos programas oficiais, obtenham uma
inferência fundamental: "O ensino-aprendizagem é uma actividade que
carece sempre de prévia planificação". O que realizo?! A planificação
longo prazo, mas essa planificação sempre integrada no respectivo ciclo
de estudos. Concretizando, "planificação para o ciclo unificado" e
"planificação para o ciclo complementar". Antecedendo a consecução
daquela planificação, seleccionamos a teoria de aprendizagem que lhe
servirá de alicerce. Eu digo alicerce, reafirmando no entanto o que já
te referi em anterior conversa: Nós, professores de ensino não superior,
tal como cita Bigge, M. in "Learning Theories for Teachers",
embora haja teorias de aprendizagens "teoricamente" incompatíveis,
conseguimos na prática a sua parcial compatibilização.
Nessa planificação haverá aprendizagem por descoberta e,
necessariamente, aquilo que me parece ser indispensável no actual
cenário: "Um ensino-aprendizagem conceptualizante e que essa
conceptualização seja significativa, com o conhecimento construído pelos
alunos.
Assim, neste ano lectivo seleccionámos como alicerce para
a planificação longo prazo do ensino complementar a teoria de Ausubel,
enquanto para o ciclo unificado a Teoria de Gagné (recontextualizada).
Há aqui portanto duas perspectivas. (Eu não sei se estou
a responder àquilo...)
"– Interessa".
Tenho verificado que ao adoptar esta perspectiva de
planificação conceptualizante, os formandos carecem duma visão integrada
dos temas programáticos e não só! São produtos duma escola fragmentada.
Não têm pontes de ligação entre as diversas áreas, sendo nítida a
separação entre ciências da educação e ciências da especialidade. Depois
dentro de cada uma destas ciências...
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A preocupação é que nesta planificação, a que chamarei
geral, os formandos obtenham uma visão global dos programas.
Compreendem-se as suas dificuldades (experiência de ensino nula; idade;
excessivo número de funções; etc.) e por isso poderia dizer que a
planificação de ano não pode ser um produto deles. É o meu produto...
embora com a sua colaboração.
Mas no fim do ano, já terminado o estágio oficial e
novamente em regime de voluntariado, vamos utilizar novamente aquela
planificação longo prazo, para a articular com outro ano do mesmo ciclo
de estudos. Por exemplo, este ano estamos a leccionar o 11.º ano e em
Julho será efectuada aquela planificação longo prazo para delinear o
12.º ano.
O regime de voluntariado tem-se conseguido em anos
lectivos anteriores e também para outras tarefas não contempladas no
serviço de estágio (exames orais; estrutura das provas escritas,
correcção e "burocracia" associada; etc.). Os jovens são magnânimos e
embora a nossa classe esteja (ou seja) desprestigiada, a sua
voluntariedade só é comparável à dos "soldados da paz".
(Mas... desculpa esta minha divagação... e voltemos à
planificação)
Aquela planificação longo prazo é um plano em que são
definidos os grandes "esquemas conceptuais" e perspectivadas as
diferentes "unidades de ensino (U.E.)" .
As Ciências Naturais (para não meter foice em seara
alheia), e creio não ser deficiente leitura minha, devem ser
apresentadas numa visão sistémica, pelo que os diferentes "blocos de
estudo" do ano lectivo (ou U.E.) têm que apresentar-se interligadas por
pontes unificadoras.
Ocorre-me agora outro pormenor, mas que julgo de
primordial importância. Os professores estagiários, que repetidamente
referem o "currículo em espiral", poucas ou nenhumas vezes se lembram de
o aplicar. No entanto, toda a nossa planificação é forçada a ter essa
perspectiva do currículo em espiral, para que o tema seja revisitado, em
complexidade crescente, nas diferentes unidades de ensino. Isto pode
dizer-se que levanta problemas com a maioria dos livros de texto, e até
em documentos oficiais e muitas das suas sugestões didácticas. Abordam
um tema e esgotam-no até à exaustão! Nós, pelo contrário, usando esse
tema abordamo-lo de acordo com o interesse na U.E. Em seguida vamos
revisitá-lo noutra Unidade, transportando-o a um nível maior de maior
complexidade, e assim sucessivamente.
Torna-se gratificante ouvir que Ciências apelidadas de
"ocultas" são reconhecidas absolutamente indispensáveis no dia-a-dia.
Este "período de pré-estágio", que se lamenta ser tão
curto e sem carácter oficial, serve para debates como, por exemplo, "Uma
viagem desde as Escolas Behaviouristas até ao Construtivismo Humano". É
a oportunidade para abordar instrumentos conceptualizantes que serão
utilizados durante o ano lectivo: "mapas conceptuais" e "Diagramas em V
de Gowin".
Planificamos basicamente de acordo com uma teoria de
aprendizagem. Há teorias que partem de menor para um maior grau de
inclusão, como a Teoria de Gagné, que adoptámos no 7.º ano unificado
deste ano lectivo. Ausubel, que parte do geral para graus de inclusão
sucessivamente menores, foi adoptado no 11.º ano deste estágio. Houve
uma certa "directividade" da minha parte, pois interessava-me colocá-los
em duas situações didácticas distintas. Pareceu-me mais adequado para o
nível etário do 7.º ano de escolaridade, caminhar por degraus de
inclusão sucessivamente crescentes, pois sendo a minha disciplina
(Ciências da Natureza) essencialmente de observação, achei que deveria
começar privilegiando observações simples, que não exigissem linguagem
simbólica muito complicada na sua descrição.
Terminada aquela planificação longo prazo, apresentei,
como é natural, a proposta de abordagem da "planificação a médio prazo".
Planificações longo prazo e médio prazo são os fulcros da minha atenção.
Já lá vai o tempo da ênfase no "curto prazo". O plano de aula é uma
emanação natural do médio prazo, já estruturado a prever estratégias de
ensino. O feedback que vamos realizando diariamente determinará o
surgir de reformulações e estratégias alternativas.
A "formação inicial", que espero proporcionar aos
professores estagiários, procura ser um elo de ligação natural entre a
"formação de base" dos estagiários e tal facto tem constituído uma
benéfica catálise na minha formação contínua. Também aquela formação
terá de ser consentânea com o quotidiano do formando/alunos, pelo que
rejeito veementemente actividades para "estágio contemplar ou exibir". A
"formação inicial" deverá (ou deveria) ser o primeiro degrau da
"formação contínua". E aqui gostaria de me pronunciar no que entendo ser
os degraus dessa "formação" e seu "modus faciendi". Noutra
oportunidade, talvez abordemos o tema "formação contínua de
professores". Relatei, em síntese, o que se passou na fase inicial de
planificação... e ocorrem-me algumas perguntas: Pode ser iniciado o ano
lectivo dos estagiários, sem aquela actividade de "pré-estágio"? E em
que mês deverá ser realizada?
Sucedem-lhe, como já referi, os períodos formativo e
sumativo. O “período formativo" é ainda fraccionado em dois sub-períodos:
O primeiro sub-período, iniciado na segunda quinzena de Setembro que
permitiu ao "orientador" mostrar as suas turmas, a conciliação entre a
execução e o apregoado teoricamente durante o pré-estágio. É a fase dos
actores (orientador e alunos) revelarem aos "espectadores" (estagiários)
como as "deixas" dum
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são suficientes para desenvolver uma peça pluri-participada (alunos-professor).
Em Outubro e Novembro, embora continuando a execução das aulas
proporciono aos estagiários situações de íntimo relacionamento com os
alunos, aproveitando aulas de actividade laboratorial (em grupo de
trabalho).
Mas toda a minha actividade se tornaria subjectiva se não
estivesse criado desde o início, um "instrumento de formação" com
objectivos de formação bem especificados e do qual pudesse irradiar a
construção de uma grelha de observação. Uma grelha de observação é algo
que os estagiários devem conhecer desde o início do seu ano de "formação
inicial". Nunca me "atrevi" a proporcioná-la depois de ter começado o
estágio... Eu discuto-a sempre no pré-estágio, alertando-os que poderá
haver eventuais alterações se determinadas pela Universidade ou pela
Direcção Geral. Mas como o Instrumento de Formação e consequentemente a
Grelha de Observação são tão consensuais com os princípios
pedagógico-didácticos, dificilmente seriam anulados na sua globalidade.
Diria que os estagiários estão quase prontos para
começarem as suas observações nas aulas do orientador e após a sua
análise, comentá-las em seminários previamente calendarizados.
Depois quereria referir-te como desenvolvo as observações
e registos realizados durante a execução de aulas; localização na Grelha
de Observação de comportamentos correspondentes ao perfil do professor;
etc., mas fica para depois.
Analisemos agora os Seminários:
Estabelecem-se dois tipos de seminários. Os Ordinários
que constam do horário oficial e os "extraordinários", realizado nas
horas semanalmente consagradas ao Conselho de Grupo, quando não
convocado. Este seminário extraordinário, voluntariamente aceite, é
inicialmente dedicado à formação teórica da Direcção de Turma.
Os Seminários Ordinários são divididos em duas partes:
1 – Reflexão sobre os registos de observações recolhidos
em aulas.
2 – Articulação entre as planificações médio e curto
prazos.
A reflexão crítica (e realço que desde o início
convencionámos que a crítica é sempre utilizada em sentido construtivo)
é usada no "desmontar" da aula e procura de propostas alternativas. Tal
clima desenvolve situações de empatia e por vezes prolongamos as
"conversas" em locais exteriores à escola. Creio que está criado um
clima propício para a planificação da U.E. nos seus diferentes
aspectos... e a primeira fase desenvolvida corresponde à sua discussão
na perspectiva das Ciências da Especialidade e só depois, as Ciências da
Educação.
Em seguida procura-se a indispensável articulação entre
aquelas ciências, a fim de se iniciar a planificação. (Gostaria de ver
discutida a diferença entre Planificação e Programação. Para mim,
primeiro planifica-se e só depois, com base nesses dados da
planificação, é que se realiza uma concretização esquemática ou
"programação").
Decorrido o período inicial do estágio (cerca de três
meses) os professores estagiários começam a realizar intervenções
Formativas nas turmas do orientador. Mas, simultaneamente, decorre, por
disposição legal, o serviço de professor eventual dos estagiários. Para
esse serviço eventual, a estratégia utilizada é totalmente diferente,
embora tenha de decorrer em paralelo com as outras actividades. A aula
do professor estagiário é assistida por mim e por um dos seus colegas.
Os dois sentamo-nos em local o mais afastado possível, realizando
registos das ocorrências verificadas na aula. Com base nesses registos e
em posterior reunião com o estagiário "assistente", efectuamos
interpretação dos registos, face à grelha de observação. Naturalmente
que iniciamos com observações focadas e, progressivamente, vamos
percorrendo todo o instrumento de formação, até atingir observações
gerais. Desta forma podemos preparar-nos para um diálogo a realizar
posteriormente com o "professor executante". Nesta reunião a três,
dividimos o período correspondente à aula observada em três partes:
terço inicial, médio e final. De uma forma objectiva discutimos a aula
observada e eventualmente, fornecendo sugestões alternativas.
Assim progride a nossa participação no sentido de
contribuir para o desenvolvimento do Perfil apontado pelo Instrumento de
Formação.
...
Hoje vivo profundamente "marcado" por Kuhn. Reli K.
Popper em 1983 e com surpresa verifiquei que aquele Popper que conhecia
da década de 1950 não era o mesmo! Agora ao afirmar que "nos nossos dias
todo o mundo sabe que o positivismo lógico está morto", ter-se-ia
convertido num Kuhneano?
A Kuhn, por um lado, e Ausubel/Novak, por outro, devo o
meu presente procedimento profissional: Aprendizagem Significativa
Conceptualizante.
...
Elaboração de instrumentos de avaliação; integração do
quotidiano na prática pedagógica; Mendelsshon ao "serviço" da Biologia;
Ciências da Educação homenageando Bernstein; etc. – são temas para
próximas conversas, se o achares oportuno... E entenderes que os
supervisores podem ajudar a pensar.
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