Introdução:
Na sequência da publicação da Lei de Bases do Sistema
Educativo – Lei n.º 46/86 de 14 de Outubro – tem vindo a decorrer um
processo de Reforma do Sistema Educativo, à qual subjaz, uma nova
concepção da escola Portuguesa.
Neste contexto de mudança, vários projectos têm sido
concebidos, sendo desejável que, da sua articulação e complementaridade,
resulte um todo coerente e integrado, passível de implementação.
Em todo este ambiente inovador, uma das noções que têm
vindo a revestir-se de particular interesse é a de «Projecto Educativo
de Escola», a qual, apesar de não ter sido ainda devidamente explorada
teoricamente, começa já a banalizar-se no discurso educacional
português. Foi a constatação deste facto que nos incentivou a elaborar
um documento que, sem ser exaustivo, nem ambicioso, possa servir de
apoio a todos os que, por inerência de funções, precisem de mobilizar o
conceito, operacionalizando-o nas suas Escolas.
Dado que se trata de um conceito em evolução, começam já
a verificar-se algumas "nuances" entre as perspectivas defendidas
por diversos autores da actualidade. Iremos, no entanto, neste trabalho,
debruçar-nos exclusivamente sobre as coordenadas básicas, em que há
convergência de opiniões, deixando para um trabalho com maior amplitude,
a realizar oportunamente, uma análise mais profunda do conceito e dos
diversos processos de operacionalização. Procuraremos, numa primeira
fase, referenciar os documentos legais que, directa ou indirectamente,
têm contribuído para a análise/reflexão desta problemática e a situam no
nosso contexto educativo.
Numa segunda fase, e partindo da fundamentação teórica
das pedagogias de projecto, tentaremos clarificar o conceito de
«Projecto Educativo de Escola», tantas vezes utilizado ambiguamente.
Finalmente, enumeraremos um conjunto de sugestões que,
embora não sejam normas rígidas, nem sirvam de "receita", podem ser
tidas em conta na elaboração/implementação de Projectos Educativos dos
estabelecimentos de Ensino Pré-escolar, 1.º, 2.º e 3.º Ciclos do Ensino
Básico e Ensino Secundário.
1.
Começaremos por enumerar os textos legais que veiculam a
introdução da temática "Projectos Educativos" nas Escolas Portuguesas.
– a Lei n.º 46/86 (LBSE), que, embora nunca refira
claramente a noção de projecto educativo, estabelece o quadro de
princípios em que deve assentar a sua implementação.
– O Decreto Lei n.º 43/89, de 3 de Fevereiro, que,
estabelecendo o regime jurídico de Autonomia das escolas do 2.º e 3.º
ciclos do Ensino Básico e do Ensino Secundário, introduz um novo
conceito de autonomia. Refere, pois, no seu preâmbulo: «A autonomia das
Escolas concretiza-se na elaboração de um projecto educativo próprio
constituído e executado de forma participada, dentro dos princípios da
responsabilização dos vários intervenientes na vida escolar e da
adequação às características e recursos da Escola e às solicitações e
apoios da comunidade em que se insere.» Além disso, no seu artigo 2.º,
define como autonomia da Escola «a sua capacidade de elaboração e
realização de um projecto educativo próprio, em benefício dos alunos e
com a participação de todos os intervenientes no processo educativo».
– O Despacho 8/SERE/89, de 8 de Fevereiro, que se assume
como regulamento provisório dos Conselhos Pedagógicos, enquanto estes
não dispuserem de um "regulamento adequado à função que devem
desempenhar numa Escola com mais autonomia e responsabilidade". A
terminologia "Projecto Educativo" é utilizada ao longo do normativo,
quando são referidas as atribuições do Conselho Pedagógico (3.11), do
Conselho de Grupo/Disciplina (19.1) e do Conselho Consultivo (53.1).
– O Decreto-Lei n.º 286/89, de 29 de Agosto, que consagra
a Área Escola e as Actividades de Complemento Curricular, como os
espaços vocacionados para a concretização de um projecto educativo
próprio de cada escola, através de uma gestão verdadeiramente autónoma e
participada.
– O Projecto de Decreto-lei relativo à Direcção e Gestão
dos Estabelecimentos do Ensino Básico e Secundário, que refere
claramente a terminologia "Projecto Educativo", quando aborda:
/
4 /
– as competências do Conselho de Escola (art.º 8.º - d),
– as competências do Secretário-geral ( art.º 17.º- b),
– as competências do Conselho Pedagógico (art.º 32 -b).
E para terminarmos esta breve descrição histórica, vamos
referir os primeiros documentos verdadeiramente inovadores, com inúmeras
virtualidades e que, embora não tenham passado de propostas, funcionaram
como pontos de referências e bases de trabalho para projectos
posteriores – "Os Documentos Preparatórios (I e II)" e posteriormente a
"Proposta Global de Reforma" da CRSE.
Neles é referida insistentemente, e em vários contextos,
a terminologia "Projecto Educativo", como um dos pontos fulcrais na
concepção de escola defendida pelos seus autores.
2.
No âmbito do trabalho que nos propomos desenvolver,
parece-nos fundamental começar por clarificar conceitos como os de:
ideário educativo, projecto educativo, regulamento interno e plano anual
da escola, para evitar a ambiguidade da sua utilização.
2.1.
IDEÁRIO EDUCATIVO
Ideário: "Documento sócio-filosófico elaborado pelo
titular, que, com carácter permanente, expressa, a nível teórico, os
princípios ideológicos que definem a identidade de um centro". (Rodriguez,
1985; 431)
Este conceito, que faz do ideário a carta de identidade
de um centro que queira manter um estilo educativo peculiar, tem uma
aplicação reduzida no contexto educativo português.
É nos textos oficiais que deverá ser encontrado o
"ideário educativo", nomeadamente na Constituição da República
Portuguesa e de forma mais concreta na Lei de Bases do Sistema
Educativo. Aí estão consignados um conjunto de princípios que definem o
modelo de homem que se pretende formar, funcionando como referencial
para a organização de todo o sistema educativo.
2.2.
PROJECTO EDUCATIVO
Projecto Educativo: "Documento pedagógico, elaborado por
toda a comunidade, que, com carácter temporal, expressa de forma
realista e concreta a acção educativa, tendo em vista a coerência da
acção e organização académica do centro". (Rodriguez, 1985; 432)
O projecto Educativo não tem o carácter permanente e
estável do ideário; distingue-se deste claramente pelo seu carácter
eminentemente pedagógico e educativo, pelo seu aspecto concreto e
realista, pela sua transitoriedade e temporalidade e pelos elementos
humanos que mobiliza a comunidade educativa.
2.3.
REGULAMENTO INTERNO
Regulamento Interno: "Documento
jurídico-administrativo-laboral, elaborado pela comunidade, que, com
carácter estável e normativo, contém as regras ou preceitos referentes à
estrutura orgânica, pedagógica, administrativa e económica, que regulam
a organização Interna do centro". (Rodriguez, 1985; 434)
O regulamento interno define o funcionamento
administrativo e laboral de qualquer instituição. Como compilação da
legislação vigente e ao regulamentar as relações pessoais, a actividade
interna da instituição e a acção da comunidade, deve gozar de uma certa
estabilidade e continuidade. Embora não assumindo o carácter permanente
do ideário, deve garantir a coerência e a ordem, formalizando "o que se
deve fazer" e "o que não é permitido", dentro do estabelecimento de
ensino.
E para nos situarmos mais rapidamente no que atrás ficou
dito, apresentamos um quadro síntese, onde estão sistematizadas as
diferenças mais relevantes dos documentos em análise.
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2.4.
PLANO ANUAL DA ESCOLA
O Plano de Escola corresponde a nível instrumental à
noção de projecto educativo que apresentámos anteriormente. No entanto,
as concepções educativas, pedagógicas e organizacionais que lhes
subjazem são efectivamente diferentes. A noção de plano de actividades
estava em relação mais estreita com uma Escola concebida num quadro de
administração mais centralizada, ao passo que a noção de projecto
educativo está associada a uma Escola gerida de forma participada e
autónoma, concebida como uma comunidade educativa (Formosinho, João;
1989).
No actual contexto, o projecto educativo surge como um
conjunto de intenções concretizáveis com que toda a comunidade educativa
se deve identificar, representando o Plano anual da Escola, a sua
descrição e sistematização. Assim, como Instrumento de planificação das
actividades escolares para um ano lectivo, o Plano anual da Escola deve
ser devidamente estruturado e adaptado à consecução dos objectivos
fixados.
3.
Elaboração / Desenvolvimento de um Projecto Educativo
3.1.
Temos vindo a dar realce a uma concepção de projecto
educativo como "Documento pedagógico, dinâmico e vivo, concebido por
toda a comunidade educativa que, de forma explícita e concreta define o
percurso a seguir, com fases devidamente sequenciadas e articuladas, de
modo a garantir a unidade e coerência da acção educativa.
Tratando-se de um documento que confere a cada
estabelecimento de ensino uma identidade e personalidade próprias e que
tem em vista a eficácia educativa, a sua elaboração e posterior
implementação pressupõem um conhecimento prévio da realidade no que diz
respeito a:
– equipa directiva com o seu estilo próprio de liderança;
– professores com suas competências genéricas e
específicas;
– alunos com as suas características, aspirações,
interesses e necessidades;
– exigências e potencialidades do meio;
– recursos físicos, materiais e humanos disponíveis;
– contexto sociocultural em que a escola está inserida;
– circunstâncias em que vai decorrer a sua implementação.
3.2.
Ao situar-se entre o ideário educativo – o que a Escola
deve ser – e as programações concretas do dia a dia escolar – o que a
Escola faz – o Projecto Educativo definirá o que a Escola pretende.
Nesta perspectiva e como instrumento orientador e
facilitador da gestão escolar, deverá inevitavelmente dar resposta às
seguintes questões:
1.º – Quem somos? – Identificação
2.º – Onde estamos? – contexto global em que a escola se
Insere
3.º – O que queremos? – expressão da vontade através dos
objectivos gerais
4.º – Como o conseguiremos?
– de onde partimos?
– que limitações enfrentamos?
– de que meios dispomos?
Passaremos agora a identificar, embora de forma genérica
e esquemática os três momentos que devem caracterizar o desenvolvimento
de qualquer projecto educativo: concepção, execução e avaliação.
CONCEPÇÃO
1. Criação da "Equipa do Projecto"
2. Mentalização dos elementos da equipa para a
necessidade e conveniência da elaboração de um projecto educativo.
3. Sensibilização e mobilização de todos os
intervenientes no processo.
4. Elaboração do Projecto Educativo:
– Tomada de contacto inicial entre os responsáveis, tendo
em vista a definição de estratégias de actuação, no que diz respeito:
– a si próprios, estabelecendo um calendário de trabalho
e identificando pontos que carecem de reflexão.
– à comunidade:
– diagnosticando as suas carências e potencialidades
– identificando a escola
– propondo os objectivos gerais a atingir
– definindo a estrutura organizacional.
5. Redacção – nunca perdendo de vista o seu carácter
eminentemente prático e operativo.
6. Divulgação junto de toda a comunidade educativa.
EXECUÇÃO
– Realização prática do projecto, sequenciada em fases,
concretizada através do Plano Anual da Escola e da programação das
actividades da aula.
AVALIAÇÃO
– Contínua (do processo e do produto) e final (global do
projecto), como base para projectos futuros e para
reformulações/actualizações do existente.
E, para finalizarmos esta breve abordagem, apresentaremos
um quadro síntese, que esquematizando a sequência defendida por Albalat,
tenta ordenar as diferentes fases do processo, de modo a que resulte
operativo e conduza a eficácia da Escola.
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6 /
Não nos debruçaremos neste momento sobre as temáticas
"Plano Anual de Escola" e "Programações anuais das actividades da aula",
não só por se tratar de áreas que já são do domínio da maioria dos
docentes das escolas, como porque pensamos aflorá-las, embora de uma
forma breve, aquando da exploração presencial do presente documento.
REFLEXÃO FINAL
O desenvolvimento de projectos educativos de escola, pelo
seu carácter participativo e de interacção permanente, deverá ter como
suporte, um modelo de organização aberto, flexível e não burocrático (Erasmi
e Lima, 1985; 63), de modo a permitir a real participação e
corresponsabilização de todos os Implicados no processo – comunidade
educativa.
É de referir, no entanto, que mudanças estruturais e
organizacionais, por si só, são insuficientes. Para que projectos
inovadores deixem de ser "inovações por decreto", e passem a ser
verdadeiras inovações educacionais, é necessário que a sua concepção e
implementação sejam mediadas pelo período de tempo necessário à
mentalização, adaptação e formação de todos os Intervenientes.
Não temos dúvidas que as práticas escolares baseadas no
desenvolvimento de projectos educativos próprios de cada estabelecimento
de ensino, colocam a escola perante um novo desafio, em termos de
investigação – acção e investigação educacional; no entanto, só um
projecto educativo exequível, com que todos se identifiquem, permitirá o
verdadeiro empenhamento e compromisso de todas as partes na sua execução
/ implementação e implicará que sejam accionados, aos mais diversos
níveis, os mecanismos conducentes ao verdadeiro sucesso educativo.
Bibliografia referida
Albalat, V.B., (1980), projecto educativo,
Ed. Escuela Española, S.A. Erasmie, T e Lima, L.
(1989), Investigação e Projectos de Desenvolvimento em Educação:
Uma Introdução, Braga, U. Minho, Unidade de Educação de Adultos
Formosinho, João (1989 a), A Direcção das escolas
Portuguesas – Da democracia representativa centralizada à democracia
participativa descentralizada. Comunicação ao Congresso: "A
educação, o socialismo democrático e a Europa" Dep. de Educação e
Formação do Partido Socialista, 1989 (policopiado) Formosinho, João
(1989 b). De Serviço de Estado a Comunidade Educativa – Uma nova
concepção para a escola Portuguesa, U. Minho, Braga, Junho
(policopiado)
Pires, E. Lemos (1987). Lei de Bases do sistema
educativo: apresentação e comentários, Porto, Ed. ASA Rodriguez, M.
Lopez (1985). "EI ideario educativo" in Saenz, Oscar (dir),
Organizacion escolar. Madrid, Ed Anaya.
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