Escola Secundária José Estêvão, n.º 26, Julho de 2000

Ano Mundial da Matemática Para Todos!

2000 foi considerado Ano Mundial da Matemática. Um grande número de iniciativas relacionadas com a Matemática e com a educação matemática em todo o mundo proporcionam uma grande visibilidade à Matemática, ao mesmo tempo que denunciam as fragilidades e as dificuldades por que passa o ensino da Matemática em todo o mundo.

Portugal é um país da Europa em que a Matemática é consensualmente considerada uma parte integrante da cultura integral dos cidadãos. É, por isso, definida uma formação básica em Matemática para ser apropriada por todos sem excepção. E são também escolhidos conceitos e competências matemáticas mais elaboradas necessárias a todos os cidadãos com formação secundária. E acontece que há dificuldades na aprendizagem que são espelhadas nas fracas prestações e classificações correspondentes. Por essa via de análise, há quem retire a conclusão de que no ensino básico e secundário se aprende muito pouca matemática. Há mesmo quem diga que a maioria dos cidadãos não realiza quaisquer apropriações de conhecimentos matemáticos. Mas não é assim.

Mesmo sem ter obtido aprovação no referencial do saber escolar, a maior parte dos cidadãos utiliza conhecimentos matemáticos, sem disso ter consciência. Esta matemática básica é património universal para os cidadãos europeus. Basta ler uma informação jornalística (ainda que desportiva) para perceber como a matemática é parte integrante da cultura geral ou que sem matemática não há alfabetização real a começar pela apropriação de um vocabulário com sentido para a comunicação. Estas apropriações básicas não dependem de qualquer "inclinação' e sobre elas não pode haver qualquer dúvida a respeito da sua utilidade para a vida da generalidade das pessoas que vivem de forma independente e devem intervir na vida social. Podem levantar-se dúvidas metodológicas e sobre o pormenor da matemática escolhida para ser a matemática básica, mas há consenso sobre grandes assuntos e sobre capacidades a pôr em acção ao longo da vida escolar. Seguramente que a matemática básica não se pode reduzir a saber alguma coisa de números e de operações elementares. Ela considera estudo das formas, para interpretar e representar a realidade usando modelos simples e descortinando padrões, estabelecendo decomposições e recomposições para, entre outras coisas, realizar comparações de comprimentos, áreas e volumes. Quem pode dispensar o uso da proporcionalidade, as percentagens, as medidas que substituem na descrição económica listas de dados recolhidos da realidade? Já no terceiro ciclo do ensino básico, é introduzido o conceito de variável e de função que, de diversos pontos de vista, é utilizada em muitas actividades humanas e que dá uma nova potência ao uso da matemática.

A Matemática de que falamos é uma parte absolutamente necessária à cultura de todos os cidadãos e não só para / 39 / aqueles que prosseguem estudos e vão ser utilizadores a um nível superior dos conhecimentos matemáticos. Deve promover-se a sua aprendizagem por todos os meios, sendo que a maior parte deles deve ser induzido pela própria essência da Matemática: referenciando sistematicamente as fontes do saber matemático – número, forma, movimento, acaso, etc. –; dando predomínio às ideias que são seu objecto; resolvendo problemas que são o seu (pro)motor; apresentando situações realistas que dão potência e coerência à matemática e servem de prova à utilidade do seu estudo. Além de tudo, é preciso criar situações de aprendizagem em que seja visível e palpável a beleza da matemática e apreciável o lugar do espírito que a matemática ocupa e é. Esta matemática pode e deve ser acessível a todos e só, em pequena medida, é ensinada com o objectivo de formar matemáticos. São estes os caminhos para a elaboração de programas e não imagino sequer qualquer "facilidade', mas antes uma adequação ao tempo (ao nível das tecnologias, por exemplo) e às novas realidades contemporâneas das gerações em formação.

Temos muitos problemas com a Matemática, como temos problemas com a cultura geral dos portugueses. Não sabemos se o problema da matemática escolar é resolúvel. Mas não devemos deixar de procurar. em cada momento, qual é a matemática que conta e como podemos passar esse património para as futuras gerações. Não assumimos as frases feitas do desamor em relação à Matemática que se ensina. E não aceitamos o senso comum a respeito da matemática que tem servido para desculpabilizar o abandono de cada um e o insucesso geral. Muitas dessas ideias vivem do desconhecimento ou da recusa do conhecimento. Temos de insistir como insistimos com a sopa de que não gostávamos antes de a ter provado. A Matemática é saborosa para quem a prova. A Matemática é bela e provoca paixões em todos quantos dela se aproximam. A Matemática é compatível com a timi-dez; aprender Matemática exige esforço e trabalho persistente. Mas não é assim com tudo?

Nenhum preconceito nos vai expulsar do paraíso que a Matemática é. Esta é a ideia de futuro Matemática para todos que importa reter para o que quer que seja a matemática escolar. As receitas de que falam alguns curandeiros da Matemática (de facilidade, de inutilidade, de elitismo, etc.) não vão ser aviadas num país democrático da Europa.

Arsélio Martins
 

 

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pág. 38 e 39