Outra opinião. Outra posição
Por
Arsélio Martins,
Presidente dos Conselhos Directivo e Pedagógico
Todos os anos, desde que se fala em
área-escola, que há professores e turmas que a contestam, assim como há
turmas e professores que a defendem. A contestação assume maior
amplitude e também maior arrogância no ensino secundário. Por um lado é
a arrogância típica da ignorância. A maior parte dos professores do
secundário consideram-se muito especializados e consideram que há muitas
pastilhas ou farrapos especializados, não têm qualquer vergonha em dar
uma de cientistas ignorantes do resto dos saberes e muito menos lhes
interessa o problema de saber se os alunos do secundário algum dia fazem
qualquer integração dos saberes. São cientistas de uma ciência bem
rasteira, mas são especialistas. Os alunos do secundário, especialmente
os melhores e mais activos e que querem prosseguir estudos, estão mais
preocupados com esta ou aquela nota, nesta ou naquela disciplina, que
lhes permita continuar os estudos. E, se num ano ou noutro ainda podem
fazer alguma coisa dos professores e propor quanto mais não seja uma
diversão integradora, quando as coisas apertam aceitam as regras do
jogo: pouco tempo para dar os farrapos especializados (a que chamam
programas disciplinares), pouco tempo para estudar (porque é preciso
aturar cada vez mais professores/explicadores a explicar os mesmos
farrapos especializados) e nenhum tempo para criações e demonstrações de
sabedoria global que nem tradução em nota directa têm.
Para os
que prosseguem estudos, a coisa não vai acabar mal. Os entendidos hão-de
considerar que se não sabem juntar hoje os 2 e 2 das diferentes
disciplinas, mais tarde o irão fazer com certeza, ajudados pela
montureira que entretanto os saberes serão. Um dia, a quantidade há-de
explodir numa qualidade nova – este é o hino dos que mandam para as
universidades a cidadania. Também se não ficarem cidadãos de corpo
inteiro, não há problema – ficarão cientistas, especialistas ignorantes,
quem sabe se até doutores ou reproduções destes professores.
O
problema sobrante é o dos cidadãos que não prosseguem estudos e que
devem possuir uma formação tão especializada quanto possível e tão
integrada quanto o necessário para que as coisas façam sentido, quando
se forem integrar no mundo real, esse mundo que – infelizmente – é tão
exterior à escola a ponto de esta o não reconhecer.
Mas o que
mais irrita nesta coisa da área-escola é que há muita gente que fala da
coisa, sem nunca sequer ter lido a respeito. Ou pior. Muitos dos que não
têm problemas em deixar de lado a área-escola consideram-se gente
respeitável, cumpridora das leis e que cora ao mais pequeno incidente
com cheiro de ilegalidade. E, no entanto, eles sabem que «A organização
curricular, comum a todos os cursos do ensino secundário regular
baseia-se na existência de três componentes de formação (geral,
específica e técnica, tecnológica ou artística), de área de natureza
interdisciplinar. de frequência obrigatória (Área-Escola) e de uma área
constituída por actividades não curriculares, de frequência facultativa
(Actividades de Complemento Curricular), ...».
Eu
compreendo os estudantes que querem discutir o tempo que perdem na
área-escola, porque esta lhes pode aparecer como coisa inteiramente
marginal e sem valia. Nada na lei estabelece que os saberes a integrar na
área escola têm de ser concorrentes com os das disciplinas, nem nada na
lei ou fora dela estabelece que algumas disciplinas (qualquer delas) não
podem assumir papel predominante e integrador dos diversos saberes, a
partir da sua própria organização curricular. Há disciplinas que
precisam porventura de mais tempo e podiam ir buscá-lo à área-escola. A
ser assim, eu também compreendo e aceito a posição dos professores
/
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área-escola que lhes abandonaram no colo. E que pedem ajuda ou querem
discutir. Não compreendo nem aceito as posições dos professores que,
armados da ignorância mais atrevida (incluindo a falsa ignorância da
lei) e entrincheirados nos limites das suas especialidades culinárias –
muitos saberes para poucos sabores – se penduram nos seus bicos de pés
para gritar a plenos pulmões que não podem perder o seu tempo com essas
brincadeiras… que o que estão a fazer é muito mais sério, blá, blá, blá,
... Muito menos compreendo os pais que, quando incitam os seus à área
escola, vigiam os filhos sem verem o valor da coisa e os valores que se
depositam ficam na sua formação e só estão à espera de ver valores
(números) acrescentados às notas das disciplinas mais envolvidas.
Comuniquei ao Conselho Pedagógico, na presença de todos os seus membros
(incluem-se alunos) que se há alunos e professores a declarar que não
fazem coisa alguma na área-escola, devem também assumir que o seu ensino
secundário não fica completo e que não é legítimo esperar que os
serviços da escola passem certificados do ensino secundário a esses
alunos. Merecem
louvor todos os que discutem em busca de um caminho. Esse caminho pode
até passar por exigir que a lei da organização curricular do ensino
secundário seja modificada. Com a mesma firmeza, se deve dizer que
merecem ser responsabilizados pelos seus actos os que não cumprem a lei.
O que se faz nas outras escolas ou o que se faz em Coimbra ou o que já
se fez não se constitui lei em vez da lei, nem constitui desculpa.
Sei que
vamos fazer esforços para que a área-escola seja útil para os estudantes
(quaisquer que sejam os seus destinos e percursos). Não há qualquer
necessidade de fazer da área-escola a complicação que faz perder tempo
ou que perde de vista os saberes disciplinares e os prejudica. Há
necessidade de estudar e aprender. Há necessidade de defender posições.
Estão em curso reflexões participadas sobre o ensino básico e vai
começar em Abril uma reflexão participada sobre o ensino secundário (em
6 de Maio o Departamento do Ensino Secundário promove um encontro sobre
o secundário, nesta escola). Haja coragem para defender todos os
diferentes pontos de vista. Siga-se o exemplo dos estudantes. ■
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