Manuel Arcêncio da Silva
Breve Análise de um Ciclo Completo do
Curso Tecnológico de Comunicação |
1. Objectivos do presente trabalho
Pretende-se analisar alguns dados recolhidos por
inquérito às duas turmas do Curso Tecnológico de Comunicação do 12.º
ano, no fim do ano lectivo de 1995/96. Estas duas turmas constituem o
fim de um ciclo de três anos de um novo esquema de ensino proposto pelos
actuais modelos de curricula do Ensino Secundário, denominados
Cursos Secundários Predominantemente Orientados para a Vida Activa (CSPOVA).
2. Os Cursos Tecnológicos
Os vários Cursos Tecnológicos vieram tentar colmatar uma
falha que se fazia sentir no panorama do ensino secundário: a preparação
de pessoas para ingressar na vida activa no fim do ensino secundário.
Para alguns, seria o ressuscitar dos antigos cursos industriais e
comerciais.
Em virtude da apetência dos alunos para estes cursos,
provada pela procura verificada, as escolas viram-se na necessidade de
efectuar uma seriação dos candidatos que todos os anos tentam a
matrícula. Assim, podemos afirmar sem receio que os alunos matriculados
em cada início de ciclo serão os melhores dos pretendentes desse ano. É
importante sublinhar este facto. Mais tarde voltaremos a este assunto.
Os curricula dos Cursos Tecnológicos têm uma forte
componente prática e tecnológica. Todos os cursos exigem a
experimentação das teorias expendidas em várias disciplinas ao longo do
curso, indo ao ponto de oferecer uma disciplina onde se aplicam, de
forma interdisciplinar, os conhecimentos adquiridos ao longo do ano (i.
é, Trabalhos de Aplicação, no caso do Curso Tecnológico de Comunicação).
O objectivo destes Cursos Tecnológicos é, já o dissemos,
formar jovens com capacidades e competências para dar início a uma
carreira técnica na vida activa. A oferta de um estágio profissional no
fim do curso sublinha esta componente de inserção na Vida Activa de
forma gradual – prevê-se um estágio não remunerado de três a seis meses
em empresas que desejem aceitar os jovens diplomados.
No caso do Curso Tecnológico de Comunicação, o objectivo
é o de preparar jovens com capacidades e competências para ingressar em
empresas de comunicação, sejam elas jornais, rádios, televisões,
agências de publicidade, mercado multimédia. É difícil estabelecer uma
fronteira profissional para estes jovens, cujas aspirações ultrapassam
os limites do possível e entram no campo da realização de sonhos antigos
de cada um.
A tarefa do sistema de ensino é orientar os alunos ao
longo de três anos de formação académica contínua, com três vertentes
bem distintas: a formação geral, equiparada a todos os cursos
secundários, compreendendo o ensino da língua materna, da filosofia e de
uma língua estrangeira (Francês ou Inglês); a formação específica
que versa o estudo de uma outra língua estrangeira (Francês, Inglês ou
Alemão), Geografia e, no 12.º ano, Psicologia; a formação
técnica-vocacional, que oferece o estudo da Comunicação e Difusão,
Tecnologias Informáticas, Métodos Quantitativos e Trabalhos de
Aplicação.
Este curriculum de três anos permite, na nossa óptica,
uma formação minimamente adequada a quem deseja ingressar numa profissão
relacionada com a comunicação social, ou que deseja perceber se tem
vocação para uma formação académica de grau superior nessa área do saber
humano. Em qualquer dos casos, será uma formação inicial que necessitará
de uma continuação em termos mais práticos e já com trabalho de campo
bem delimitado, pois este ensino, por força das limitações de tempo,
espaço, material, e formação dos docentes, não permite toda a
experimentação que seria desejável: as
/
18 / escolas não têm estúdios de som para a
produção de fonogramas, nem estúdios de vídeo para a produção de
videogramas e, mesmo que os tivessem, os docentes implicados não teriam
a formação necessária para o correcto manuseamento desses materiais.
Por aqui já podemos encontrar os dois grandes pecados
capitais destes cursos: falta de recursos materiais e falta de
recursos humanos.
Em relação aos recursos materiais, o Ministério, ao longo
destes últimos três anos, tem, timidamente, tentado prover ao
apetrechamento das escolas com cursos tecnológicos, só que os materiais
chegam tarde para poderem ser integrados em programações sérias, e
chegam em quantidades insuficientes para as necessidades reais, bem como
as escolas não dispõem de espaços físicos que possam ser afectados
definitivamente a esses materiais. Assim, mesmo que as escolas
recebessem equipamento para formar um estúdio de som, faltaria uma sala
adequada a esse fim e que pudesse ser transformado num estúdio e que
pudesse ser desafectada do serviço de "aula normal".
Em relação à formação dos recursos humanos – os
professores – jamais se fez fosse o que fosse em termos sistemáticos e
sérios. As "Semanas dos Media" são realizações parcelares e que visam a
animação da escola e nunca a formação de professores. A formação
contínua (FOCO) também ainda não ofereceu qualquer curso neste campo.
À boa maneira portuguesa, faz-se o que se pode com o que
se tem...
3. A motivação dos alunos e… dos professores
Como se sublinhou no ponto 2, os alunos matriculados em
cada início de ciclo serão os melhores dos pretendentes desse ano. Assim
sendo, a sua motivação deveria ser alta em relação ao curso, pois
ninguém foi obrigado a matricular-se neste esquema curricular e todos os
alunos seleccionados colocaram este curso em primeiro lugar na sua lista
de preferências de matricula.
Tendo sido criado como uma forma de preparar futuros
profissionais, com uma meta colocada a três anos de distância, cedo se
constata que poucos são os alunos que estão sintonizados com o
pensamento do Ministério, pois todos desejam prosseguir estudos após o
ensino secundário – primeira falha do sistema. Conclui-se que os alunos
estão mal informados em relação aos objectivos do curso, pois alguns
trazem a ideia de que a frequência deste curso lhes dará prioridade na
entrada para certos cursos médios ou superiores.
Sabendo-se que os alunos admitidos são os melhores dos
candidatos, a motivação dos professores também é grande, pois espera-se
trabalhar com alunos "apaixonados" pela arte de comunicar, quer pela
escrita, quer pela fala, quer pela dramatização. Porém, cedo se
compreende que poucos são os "apaixonados" e menos ainda os que sabem
ler e escrever de forma inteligível. Cedo se compreende que os
"melhores" estão ali, porque nos outros cursos havia física e
matemática...
4. Algumas conclusões
Da experiência de três anos de trabalho com alunos deste
Curso, podemos facilmente apontar alguns erros que importa corrigir:
a) Motivação dos alunos – a forma como se tem
seleccionado os alunos será a forma mais fácil, mas a mais errada de
todas, pois a ficha curricular diz pouco do aluno e dos seus interesses
pessoais. Importava entrevistar os candidatos aos Cursos Tecnológicos,
por forma a perceber a motivação do aluno e a testar as suas capacidades
para acompanhar o curriculum proposto.
b) Motivação dos professores – dever-se-iam
oferecer aos docentes reciclagens frequentes – o FOCO não tem respondido
a esta lacuna, limitando-se a espargir créditos –, tendo em vista a
docência de cursos tecnológicos, com as suas vertentes de experimentação
e verificação, bem como dando aos professores novas e renovadas
competências nas áreas tecnológicas.
d) Recursos Materiais – as escolas necessitam de
uma renovação urgente do seu parque tecnológico. Os equipamentos
deveriam ser adquiridos
/ 19 / pelas
escolas, com supervisão das Direcções Regionais e do Tribunal de Contas,
havendo provisão de verbas em orçamento que pudessem satisfazer a
aquisição, actualização e manutenção futura desses equipamentos. As
escolas recebem equipamento quando já não podem programar a sua
utilização e muitas vezes esse equipamento já está tecnologicamente
ultrapassado, sem que se possa devolver ou actualizar. Este facto é
claro quando se trata de equipamento informático: os concursos são
abertos em Setembro, as adjudicações são efectuadas em Novembro e as
entregas em Janeiro... de equipamento de Maio... oito meses passaram
sobre esse equipamento... mais que o suficiente para o tornar mais que
obsoleto, quer no preço, quer na qualidade. Aqui, o Ministério pouparia
alguns milhões de contos em cada ano lectivo, se realmente entregasse às
escolas essa tarefa.
A rede escolar deveria ser repensada de forma a oferecer
às comunidades em que se inserem as diversas escolas um leque de opções
que permitisse que os alunos não necessitassem de deslocações longínquas
para frequentar os cursos desejados, permitindo que a distribuição dos
alunos pelas escolas ajudasse a "normalizar" as escolas em termos de
população discente.
e) Curriculum – seria necessário repensar as
várias rubricas de cada disciplina, tendo em consideração a
especificidade de cada Curso Tecnológico, de forma a integrar nessas
disciplinas os gostos dos alunos. Por exemplo, que sentido fará a um
aluno do Curso Tecnológico de Informática estudar as questões
relacionadas com o "Generation Gap" em Inglês, quando o que ele quer é
ter acesso a informações técnicas? Assim, o Inglês poderia lançar mão a
vários recursos – mais que o Francês –, e motivar profundamente os
alunos dessa área: milhentas revistas sobre informática com artigos
muito bons; a Internet como recurso educativo e de pesquisa
bibliográfica, etc.
f) Estágio Profissional – deveria ser integrado no
curso e não aparecer como um apêndice optativo. Este estágio deveria ter
uma forte componente reflexiva sobre as práticas profissionais dos
estagiários, servindo-se de um Seminário como método de corporizar essa
reflexão. Este estágio final deveria ser a coroa de dois pré-estágios
anteriores e que absorvessem os alunos "durante algum tempo das férias
do Verão do 10.º e do 11.º ano. Serviriam para mostrar aos alunos um
pouco da realidade que os espera no mercado de trabalho, ao mesmo tempo
que os motivaria para continuar o seu trabalho académico ou, noutros
casos, poderiam ajudar os indecisos a optar por outro curso, logo no
10.º ano.
5. O Inquérito
No fim do 12.º ano do Curso Tecnológico de Comunicação,
aplicámos um inquérito à totalidade dos alunos das duas turmas, que
tinham feito um percurso de três anos de formação. As respostas estão
expressas em termos gráficos.
Não faremos qualquer análise dos resultados deste
inquérito, pois apenas se pretendeu coligir opiniões dos implicados que
ajudassem a uma reflexão pessoal sobre o trabalho realizado ao longo
desses três anos. Não foi um inquérito estudado e depurado para servir
como instrumento cientificamente válido, pelo que quaisquer conclusões
que se possam retirar enfermam de falta de qualidade e validação. Assim,
estas respostas, quantificadas em alguns gráficos, apenas podem servir
como espelho de um trabalho realizado com alunos específicos ao longo de
três anos. Fecham um ciclo de reflexão pessoal e abrem portas a várias
questões que foram sendo apontadas nas linhas acima transcritas.
Esperamos que possam ajudar outros a reflectir nesta questão da formação
de técnicos intermédios para a sociedade portuguesa, com as portas
abertas à Europa.
Numa próxima oportunidade, voltaremos a este tema,
apresentando a análise da evolução de uma das turmas ao longo do curso,
as suas classificações e o grau de sucesso conseguido pelos alunos, bem
como o que aconteceu a esses alunos, se ingressaram no ensino superior,
ou se estão no mercado de trabalho.
(Seguem-se, nas páginas seguintes, as questões e os
gráficos ilustrativos das respostas)
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