Em Maio de 1993, uma mulher foi espancada em Djakarta, a
capital da Indonésia, por 12 agentes da polícia quando a prenderam por
suspeita de organizar jogo clandestino na sua casa. Um porta-voz da
polícia afirmou que os agentes "agiram emocionalmente e esbofetearam" a
mulher, e que o caso fora resolvido no local. Duas semanas depois, a
mulher continuava a ser tratada no hospital, de uma hemorragia cerebral.
Em Dezembro de 1994, uma activista estudantil foi libertada da prisão;
fora condenada a um ano de cadeia por participar numa manifestação
pacífica durante a qual apelou ao Presidente da Indonésia, Suharto, para
assumir a responsabilidade pelas violações de Direitos Humanos cometidas
por elementos das forças de segurança, durante os anos que esteve no
poder.
As mulheres na Indonésia e em Timor-Leste "desaparecem" e
são executadas extra-judicialmente, torturadas, detidas arbitrariamente,
condenadas em julgamentos injustos, condenadas à morte e presas por
expressarem pacificamente a sua oposição ao governo. Muitas mulheres na
Indonésia e em Timor-Leste receberam ameaças, foram feridas pelas forças
de segurança e violadas quando estavam detidas. As mulheres activistas
políticas que tentam promover os direitos humanos e laborais, as
activistas religiosas, as que se opõem aos projectos de desenvolvimento,
ou as que alegadamente apoiam movimentos separatistas, correm todas
graves riscos.
A maioria das mulheres indonésias e leste-timorenses
cujos Direitos Humanos são violados, vive em comunidades pobres e
isoladas e, frequentemente são operárias. Têm acesso limitado a
advogados independentes ou a grupos de Direitos Humanos. Isto significa,
frequentemente, que são mais vulneráveis às violações de Direitos
Humanos e, quando os seus direitos são violados, normalmente não
participam esses abusos nem requerem actuação judicial.
As mulheres participam em menor número abusos como a
tortura, incluindo violação ou abuso sexual, porque frequentemente se
sentem envergonhadas. Antigas prisioneiras que participaram em actos de
tortura e violação ainda choram quando, quase 30 anos depois, recordam
as humilhações sofridas, recusando identificar-se publicamente. As
mulheres leste-timorenses que foram violadas, consideram ter perdido a
sua "pureza". Não é portanto de surpreender que uma mulher
leste-timorense quando é violada, por agentes governamentais ou não, só
o confesse a padres ou freiras, num acto de expiação dos seus "pecados".
Nas últimas décadas, houve uma melhoria em certos
aspectos da vida das mulheres na Indonésia e em Timor-Leste. A taxa de
alfabetização aumentou como resultado do seu maior acesso à educação.
Apesar das constantes preocupações com a alta taxa de morte durante o
parto, o nível de saúde das mulheres aumentou. Teoricamente, as mulheres
indonésias gozam de igualdade perante a lei. Contudo, apesar de terem
beneficiado de qualquer forma do crescimento económico indonésio,
continuam a ser, na sua maioria, empregadas em tarefas com menores
exigências técnicas e de pior remuneração. Têm uma baixa taxa de
participação na política indonésia e estão sub-representadas nos altos
níveis dos aparelhos judicial e administrativo. Às mulheres que tentam
alterar esta situação e avançar para outras matérias, como a da
violência contra as mulheres, deparam-se inúmeros obstáculos, incluindo
violações dos Direitos Humanos.
Nos últimos anos, a Indonésia tem assumido um papel
importante nas conferências internacionais, incluindo as que tratam dos
direitos humanos e das mulheres. Em 1994, o Governo Indonésio organizou
a 21.ª Conferência Ministerial Pacífico-Asiática sobre a Mulher e o
Desenvolvimento, uma das reuniões preparatórias que conduziram à
Conferência das Nações Unidas, realizada em Pequim, em Setembro de 1995.
No discurso que efectuou perante aos delegados à Conferência, a Ministra
Indonésia para a Situação da Mulher, Mien Sughandi, afirmou:
«As mulheres não pretendem formular um inventário de
direitos, mas preferem exercer e gozar os inalienáveis direitos humanos
tal como reconhecidos pela comunidade internacional.»
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A Declaração de Djakarta, adoptada pela reunião
preparatória, reconhecia que os direitos humanos das mulheres são «parte
inalienável, integral e indivisa dos Direitos Humanos Universais».
Significativamente, a Declaração afirma que é crucial a implementação
das «regras da Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de
Descriminação contra as Mulheres (Convenção sobre as Mulheres), de
outros relevantes instrumentos internacionais de Direitos Humanos e
Resoluções das Nações Unidas». A Indonésia ratificou a Convenção sobre
as mulheres, o que confere à Indonésia uma responsabilidade acrescida na
protecção e promoção dos direitos das mulheres indonésias e
leste-timorenses. Em teoria, a Indonésia também reconheceu que os
direitos das Mulheres constituem Direitos Humanos inalienáveis. Contudo
este compromisso não é assumido na prática.»
Assim se introduz o relatório da Amnistia Internacional
sobre a situação das Mulheres e Direitos Humanos na Indonésia e em Timor
Leste. O relatório prossegue descrevendo inúmeras situações graves de
violações dos direitos humanos de mulheres na Indonésia e em
Timor-Leste: Prisões por motivos políticos (prisioneiras de consciência,
detenção arbitrária e actos de hostilidade por motivos políticos,
violações dos direitos humanos contra mulheres activistas sindicais);
Tortura e Maus-Tratos (contexto anterior, tortura de mulheres sob
detenção, maus-tratos de mulheres detidas como suspeitas prostitutas,
Timor-Leste, maus-tratos no contexto do planeamento familiar); Execuções
Extra-Judiciais, "Desaparecimentos" e Pena de Morte; a Herança das
Violações de Direitos Humanos (impunidade, impunidade em Timor-Leste, as
mulheres de Aceh: o sofrimento continua, a herança de 1965 – a história
das mulheres). Analisando o contexto Indonésio e o historial no campo
dos Direitos Humanos nos territórios controlados pelo regime indonésio,
o relatório traça um retrato fiel – e por isso, horrendo – da situação
das mulheres e dos Direitos Humanos na Indonésia e em Timor-Leste.
Descreve casos concretos, desde a prisão e a ameaça constante a
estudantes que participaram em manifestações pacíficas apelando ao
respeito pelos Direitos Humanos, como o caso de Yeni Rosa Damayanti,
presa durante um ano, até à detenção arbitrária e sem acusação formada,
por motivos políticos, como foi o caso de Armandina Gusmão dos Santos,
irmã de Xanana Gusmão, que foi detida por mais de seis semanas sem
acusação formada. E Yuliana Magal e Yosepha Alomang, detidas durante um
mês devido às relações dos seus familiares com um dirigente do
"Movimento de Libertação da Papua". É o caso-símbolo dos riscos que
correm as mulheres trabalhadoras de Marsinah, activista sindical
violada, torturada e assassinada, provavelmente por membros das forças
de segurança (provavelmente, uma vez que o julgamento do caso ainda
decorre de forma vergonhosa – incluindo tortura de testemunhas e
violação dos seus direitos básicos). A única "culpa" de Marsinah foi
ter-se envolvido numa greve numa fábrica de relógios e, mais uma vez
citando o relatório:
«O assassinato de Marsinah é já
um exemplo da utilização errada e doentia da autoridade... Agora, as
investigações sobre a sua morte estão a ser conduzidas na perspectiva de
abuso da autoridade, o que é ainda mais doentio.»
Os casos sucedem-se: raparigas suspeitas de delito comum
violadas por cadetes de polícia numa esquadra em Semarang; detenções
arbitrárias, espancamento, tortura com choques eléctricos, humilhação e
ameaça de violação a uma mulher camponesa cujo único crime era
manifestar-se pacificamente contra a expropriação de terras; maus tratos
e assédio sexual a mulheres detidas ilegalmente acusadas de
prostituição. Ao longo do relatório são também referidas as ténues
tentativas de imposição de justiça nestas situações de violações dos
direitos humanos, mas em grande parte dos casos a impunidade parece ser
a palavra de ordem. São focados diversos casos de violações e assédio
sexual em Timor-Leste e a maneira com são encarados pelas vítimas, por
um lado e pelas autoridades por outro. Inês (nome fictício) foi detida
após o massacre de Santa Cruz, onde foi atingida por cinco balas.
Durante a sua detenção num hospital militar foi assediada e violentada
por soldados que lhe mexeram no corpo e a ameaçaram. Após esta
experiência traumática afirmou:
«Se os homens forem magoados, podem recuperar e
esquecer o que aconteceu. Quanto às mulheres, se forem violadas ou
torturadas, jamais esquecerão. A sua vida estará destruída para sempre.»
Do outro lado, Andreas Sugianto, Comandante da Polícia de
Timor-Leste, nega relatos de violações pelos soldados: «Não há
hipótese de que isso aconteça aqui... Parece que alguém quer criar a
impressão de que esta região é pior do que a Bósnia. Isso é falso.»
Também são referidas situações gravíssimas de violações
dos direitos humanos no contexto da política de planeamento familiar.
Nas palavras de um investigador australiano:
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«…mesmo programas sociais bem concebidos e intencionados
são desenvolvidos a nível das aldeias pelos militares ou por
funcionários estatais treinados em procedimentos militares. Para além
disso, tomam a forma de ordens em vez da de pedidos ou de ofertas.»
Outros investigadores relatam:
«...Quase todas as reclusas eram maltratadas pela polícia
ou pelo exército. Por exemplo, os maridos que se recusavam a permitir
que as suas mulheres usassem contraceptivos eram levados para o quartel
militar local e "aconselhados" pelo chefe dos militares.»
«Outro incidente ocorreu em 1988 quando as mulheres (de
uma aldeia) foram levadas para uma sala fechada, onde
militares armados lhes apontavam armas. As mulheres entraram em pânico e
tentaram fugir através das janelas de vidro fechadas...»
«Durante o nosso trabalho de campo em 1990, a polícia e o
exército, acompanhados por encarregados pelo planeamento familiar, foram
de casa em casa e levaram os homens e as mulheres da aldeia para um
lugar onde lhes inseriram dois dispositivos intra-uterinos. Às que
continuavam a recusar, fizeram-no sob ameaça de armas.»
A Amnistia Internacional não toma posições sobre qualquer
política de planeamento familiar ou outra, mas preocupa-se com a forma
como o governo indonésio aplica métodos coercivos que constituem
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Alerta-se também para o facto de continuarem a existir
"desaparecimentos, execuções extra-judiciais e condenações à morte na
Indonésia e em Timor-Leste e entre as vítimas se encontrarem mulheres.
"Entre os cerca de 270 mortos no massacre de Santa Cruz em Timor-Leste,
em 1991, estarão de 10 a 45 mulheres. Há também mulheres entre os cerca
de 2000 que se estima terem sido mortos durante as operações de
contra-insurreição em Aceh, de 1989 a 1993, e também entre os mortos no
rescaldo imediato da alegada tentativa de golpe de estado pelo Partido
Comunista Indonésio (PKI), em 1965." Também no corredor da morte,
aguardam a execução algumas mulheres, por vezes condenadas em
circunstâncias pouco claras.
Por fim faz-se um historial das violações dos direitos
humanos na Indonésia desde 1965 e um diagnóstico da situação de
impunidade para os violadores dos Direitos Humanos na Indonésia e em
Timor-Leste. O Governo Indonésio ainda só revelou o paradeiro de alguns
dos mortos ou "desaparecidos" durante o massacre de Santa Cruz, deixando
as famílias das cerca de 270 pessoas mortas e 200 "desaparecidas" numa
espera cruel. Após o esmagamento da insurreição em Aceh (a norte da ilha
de Sumatra) que se saldou na morte em execuções públicas ou secretas de
cerca de 2000 pessoas, incluindo mulheres e crianças e na tortura,
sujeição a maus-tratos, detenções pouco claras e julgamentos injustos de
tantos outros, nenhum elemento das forças de segurança foi
responsabilizado pelas violações de Direitos Humanos que ocorreram
durante as operações militares, segundo sabe a Amnistia Internacional.
Em relação às cicatrizes deixadas pelas operações contra o PKI em 1965
alguns testemunhos são demasiado significativos "Se respondesse
correctamente era torturada. Se respondesse que não conhecia aqueles
nomes e que não sabia onde viviam, batiam-me da mesma maneira. Eu estava
verdadeiramente espantada. Concluí que eram muito vingativos em relação
ao PKI. Após ter sido novamente interrogada, permaneci calada, ou se me
apetecesse, tentava responder em poucas palavras... Já não sentia a
tortura deles, era como Se o meu corpo fosse já invulnerável.”
Outra mulher detida e torturada em 1966, assim como a sua
mãe e a sua filha de oito anos, sofre actualmente de perdas de memória e
apresenta cicatrizes na cabeça por lhe terem arrancado o cabelo durante
os interrogatórios. Ela é, infelizmente, uma entre muitas e muitos. Para
os defender a Amnistia Internacional recomenda:
«Promoção dos Direitos Humanos
das Mulheres
1. Ratificar e implementar os tratados internacionais
para a protecção dos Direitos Humanos, incluindo o Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos
Económicos Sociais e Culturais; ratificar de imediato a Convenção contra
a Tortura e Outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, que o
Governo Indonésio assinou em 1985;
2. Garantir que todos os membros das forças armadas
recebem formação nas normas internacionais e nacionais de protecção dos
Direitos Humanos, especialmente no que respeita às mulheres; garantir
que todos os agentes da lei são treinados para utilizar a força apenas
em estrita concordância com os padrões internacionais, como os
Princípios Básicos das Nações Unidas para o Uso da Força e de Armas de
Fogo por Agentes da Lei;
3. Fornecer recursos suficientes à Komnas HAM (Comissão
Nacional dos Direitos Humanos) que lhe permitam exercer de forma
satisfatória o seu mandato de formação dos membros das forças de
segurança em Direitos Humanos;
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4.Implementar o estabelecido na Convenção para a
Eliminação de Todas as Formas de Descriminação contra as Mulheres.
Tortura e Maus-Tratos. Incluindo Violação e Abusos
Sexuais. Por Agentes Governamentais
1. Informar imediatamente os familiares de qualquer
detenção e mantê-los sempre a par do paradeiro do detido ou do
prisioneiro. Todos os detidos devem ter acesso aos familiares e a
aconselhamento jurídico da sua própria escolha imediatamente após a sua
detenção e com regularidade;
2. Garantir a eficácia dos processos judiciais que
possibilitem aos advogados e aos familiares localizar os prisioneiros e
obter a libertação de qualquer pessoa que tenha sido arbitrariamente
detida;
3. Garantir que guardas femininas estão presentes durante
o interrogatório de detidas, a fim de reduzir o risco de violação e
abuso sexual;
4. Registar a duração de qualquer interrogatório, o
intervalo entre interrogatórios e a identidade dos agentes responsáveis
pela condução do interrogatório e de outras pessoas presentes;
5. Manter as detidas e as prisioneiras separadas dos
detidos e dos prisioneiros;
6. Dar a todos os detidos e prisioneiros a oportunidade
de acesso a um médico imediatamente após a detenção e regularmente, após
esse período. Também devem ter o direito de serem examinados por um
médico de sua livre escolha;
7. Fornecer todos os cuidados pré e pós-natais e
tratamento às mulheres sob custódia e aos seus filhos;
8. Garantir que normas proibindo medidas coercivas, que
constituem tratamento cruel, desumano ou degradante, são incorporadas no
programa de planeamento familiar.
Detenção e Prisão
1. Garantir que as activistas, incluindo as activistas
sindicais, não correm riscos de detenção arbitrária ou de prisão devido
às suas actividades não-violentas, e que lhes são integralmente
aplicáveis todos os direitos definidos pela Declaração Universal dos
Direitos Humanos e pelo Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos.
2. Acabar com a prática de detenção e de abusos contra
mulheres devidos às ligações das suas famílias.
Investigação e Compensação
1. Iniciar investigações rápidas, completas e imparciais
sobre todos os relatos de tortura e maus-tratos. Qualquer agente do
governo ou das autoridades judiciais, policiais e de segurança que seja
responsável pos esses actos, ou por os encorajar ou apoiar, deve
comparecer perante a justiça;
2. Iniciar investigações imediatas e imparciais sobre
todos os relatos de execuções extra-judiciais e de "desaparecimentos" de
mulheres, incluindo a realização de investigações forenses;
3. Criar no âmbito do Komnas Ham um departamento para
tratar especificamente de alegações de violações contra as mulheres,
tendo em conta as necessidades particulares das mulheres que foram
violadas e torturadas por elementos das forças de segurança.
Disponibilizar ao Komnas HAM recursos e apoio logístico suficientes que
lhe permitam cumprir integralmente a sua função;
4. Demonstrar na prática o compromisso de agir em todos
os casos de violações de direitos humanos apresentados pelo Komnas HAM,
incluindo tortura;
5. Disponibilizar uma rápida e adequada compensação aos
familiares das vítimas dos "desaparecidos" e dos executados
extra-judicialmente, incluindo a compensação financeira;
6. Disponibilizar uma rápida e adequada compensação e os
apropriados cuidados médicos às vítimas de tortura, violação e abuso
sexual praticados sob custódia das autoridades;
7. Garantir livre acesso a todas as áreas da Indonésia e
de TImor Leste de monitores nacionais e estrangeiros de Direitos Humanos
e de jornalistas".
Neste
sentido, de que estas recomendações sejam levadas…
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