Escola Secundária José Estêvão, n.º 6, Jan.-Maio de 1992

   

Em 16 de Maio de 1987, pouco antes de uma homenagem que a Escola prestava ao antigo Reitor José Pereira Tavares, no programa Dedo no Ar (da Rádio Independente de Aveiro), José António Moreira lia um texto de José Alberto Lopes (ao tempo Delegado de História) sobre José Pereira Tavares e a homenagem. Aqui fica a lembrança. A propósito. (A.M.)

O que é vivo vira morto. E, depois de morto, arvoram o seu espantalho nas ruas e nos corredores das instituições, desfilam com cartazes pelas paredes das cidades de gente inerte e aproveitam ciosamente os rituais e momentos comemorativos para verberarem o seu nome e obra e adularem o seu retrato.

José Pereira Tavares, antigo professor e reitor do Liceu de Aveiro, vai ter este ano a sua memória reavivada para os mais velhos e a criar nos mais novos, em exposição e palestra naquela sua escola: a Escola Secundária José Estêvão, como hoje é designada.

Em 1925, os professores do então Liceu Vasco da Gama de Aveiro sentiram a anemia e a apatia do movimento associativo dos professores do ensino secundário. Aperceberam-se da falta de identidade de uma massa de funcionários professores que assim se subalternizava a outros e os riscava do mapa das audiências e folhas oficiais. Foi José Pereira Tavares, de parceria com Álvaro Sampaio, quem através da revista “Labor” gritaram por uma associação de classe dos professores, por maior democraticidade e transparência nas organizações associativas e sindicais de que deram o exemplo quando do seu alerta escrito fizeram distribuir por todos os liceus circulares e só em função da resposta falaram. O grito de alerta, o apelo à luta que a “Labor” fez foi ouvido: muitos liceus do país responderam.

Aveiro foi, pela mão destes professores, o centro do movimento docente a nível nacional; foi até agora a primeira vez que tal aconteceu, e oxalá que não seja a última! Foi o centro dinamizador das lutas dos professores no mesmo ano em que se impunha a ditadura. Foi em Aveiro que se editou a “Labor”, que fez voz alta e firme das reivindicações dos professores, que por força foram aceites pelo Ministro da Educação da Ditadura Mendes dos Remédios; foi em Aveiro, nesses tempos nada fáceis a democratas de meia tigela ou democratas a sério, que se fez o 1.º Congresso Pedagógico dos professores liceais e se pediu a eleição dos reitores.

Levante-se José Pereira Tavares e os professores do Liceu de Aveiro de 1926/27 para falar contra a burocratização das associações de professores, a falta de espontaneidade e espírito colectivo nas realizações dos professores, a falta de inovação pedagógica e rigor científico e um ensino massificado mas sem eficácia; sim, levantem-se eles todos em exposição ou palestra porque experiência abonada não lhes falta. Já em regime de ditadura é José Pereira Tavares e os professores do Liceu de Aveiro que pela “Labor” reagem violentamente contra as medidas do Ministro Alfredo de Magalhães em 1927, em especial contra as inspecções de carácter autoritário e arbitrário.

Defendeu a selectividade e elitismo do ensino secundário em nome da formação da elite dirigente do Estado democrático e não em nome de umas tantas teorias psico-pedagógicas de carácter positivista que já nessa época se alardeavam no segundo Congresso Pedagógico de Viseu, que hoje têm réplica no pedagogismo livresco. Mas foi também na “Labor”, no seu número 22, que se acusa de ensino para ricos o ensino liceal de então.

Foi esta “Labor” que, depois de tanto labor pela promoção e formação dos professores, foi esquecida e preterida na proposta de uma congressista do que seria o último Congresso Pedagógico em Coimbra, no mês de Maio de 1931; neste mesmo Maio em que estamos. A “Labor” era esquecida e propunha-se uma revista patrocinada oficialmente – sinal dos tempos: os professores como pequena ou média burguesia insegura na tormenta social e política da República acolheu-se no regaço do estado e adormeceu um sono lento e profundo, aqui e além com sobressaltos conjunturais, e de que ainda hoje alguns mal abriram os olhos e onde outros querem mergulhar de novo.

José Pereira Tavares e Álvaro Sampaio, directores da “Labor”, aperceberam-se do esmorecimento e coacção e suspenderam a publicação. Os ventos sopravam fortes de contrário e os caminhantes do ensino abrigaram-se nas tarefas gestionárias ou científicas nas suas escolas. Hoje pensar em José Pereira Tavares é reflectir na situação socioprofissional dos professores, na apatia que reina entre os mesmos, na gestão democrática de que o homenageado da próxima semana, na Escola Secundária José Estêvão, foi um acérrimo e esclarecido defensor. Ver a exposição iconográfica e bibliográfica é pensar sobre o hoje das escolas e da educação com o argumento do ontem. O morto está vivo – viva o morto.

José Alberto Lopes,

Professor do Quadro de Nomeação Definitiva do 10.º A
 

Aliás, Escola Secundária José Estêvão

 

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