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Em 16
de Maio de 1987, pouco antes de uma homenagem que a Escola prestava
ao antigo Reitor José Pereira Tavares, no programa Dedo no Ar (da
Rádio Independente de Aveiro), José António Moreira lia um texto de
José Alberto Lopes (ao tempo Delegado de História) sobre José
Pereira Tavares e a homenagem. Aqui fica a lembrança. A propósito.
(A.M.) |
O que é vivo vira morto. E, depois de morto, arvoram o
seu espantalho nas ruas e nos corredores das instituições, desfilam com
cartazes pelas paredes das cidades de gente inerte e aproveitam
ciosamente os rituais e momentos comemorativos para verberarem o seu
nome e obra e adularem o seu retrato.
José Pereira Tavares, antigo professor e reitor do Liceu
de Aveiro, vai ter este ano a sua memória reavivada para os mais velhos
e a criar nos mais novos, em exposição e palestra naquela sua escola: a
Escola Secundária José Estêvão, como hoje é designada.
Em 1925, os professores do então Liceu Vasco da Gama de
Aveiro sentiram a anemia e a apatia do movimento associativo dos
professores do ensino secundário. Aperceberam-se da falta de identidade
de uma massa de funcionários professores que assim se subalternizava a
outros e os riscava do mapa das audiências e folhas oficiais. Foi José
Pereira Tavares, de parceria com Álvaro Sampaio, quem através da revista
“Labor” gritaram por uma associação de classe dos professores, por maior
democraticidade e transparência nas organizações associativas e
sindicais de que deram o exemplo quando do seu alerta escrito fizeram
distribuir por todos os liceus circulares e só em função da resposta
falaram. O grito de alerta, o apelo à luta que a “Labor” fez foi ouvido:
muitos liceus do país responderam.
Aveiro foi, pela mão destes professores, o centro do
movimento docente a nível nacional; foi até agora a primeira vez que tal
aconteceu, e oxalá que não seja a última! Foi o centro dinamizador das
lutas dos professores no mesmo ano em que se impunha a ditadura. Foi em
Aveiro que se editou a “Labor”, que fez voz alta e firme das
reivindicações dos professores, que por força foram aceites pelo
Ministro da Educação da Ditadura Mendes dos Remédios; foi em Aveiro,
nesses tempos nada fáceis a democratas de meia tigela ou democratas a
sério, que se fez o 1.º Congresso Pedagógico dos professores liceais e
se pediu a eleição dos reitores.
Levante-se José Pereira Tavares e os professores do Liceu
de Aveiro de 1926/27 para falar contra a burocratização das associações
de professores, a falta de espontaneidade e espírito colectivo nas
realizações dos professores, a falta de inovação pedagógica e rigor
científico e um ensino massificado mas sem eficácia; sim, levantem-se
eles todos em exposição ou palestra porque experiência abonada não lhes
falta. Já em regime de ditadura é José Pereira Tavares e os professores
do Liceu de Aveiro que pela “Labor” reagem violentamente contra as
medidas do Ministro Alfredo de Magalhães em 1927, em especial contra as
inspecções de carácter autoritário e arbitrário.
Defendeu a selectividade e elitismo do ensino secundário
em nome da formação da elite dirigente do Estado democrático e não em
nome de umas tantas teorias psico-pedagógicas de carácter positivista
que já nessa época se alardeavam no segundo Congresso Pedagógico de
Viseu, que hoje têm réplica no pedagogismo livresco. Mas foi também na
“Labor”, no seu número 22, que se acusa de ensino para ricos o ensino
liceal de então.
Foi esta “Labor” que, depois de tanto labor pela promoção
e formação dos professores, foi esquecida e preterida na proposta de uma
congressista do que seria o último Congresso Pedagógico em Coimbra, no
mês de Maio de 1931; neste mesmo Maio em que estamos. A “Labor” era
esquecida e propunha-se uma revista patrocinada oficialmente – sinal dos
tempos: os professores como pequena ou média burguesia insegura na
tormenta social e política da República acolheu-se no regaço do estado e
adormeceu um sono lento e profundo, aqui e além com sobressaltos
conjunturais, e de que ainda hoje alguns mal abriram os olhos e onde
outros querem mergulhar de novo.
José Pereira Tavares e Álvaro Sampaio, directores da
“Labor”, aperceberam-se do esmorecimento e coacção e suspenderam a
publicação. Os ventos sopravam fortes de contrário e os caminhantes do
ensino abrigaram-se nas tarefas gestionárias ou científicas nas suas
escolas. Hoje pensar em José Pereira Tavares é reflectir na situação
socioprofissional dos professores, na apatia que reina entre os mesmos,
na gestão democrática de que o homenageado da próxima semana, na Escola
Secundária José Estêvão, foi um acérrimo e esclarecido defensor. Ver a
exposição iconográfica e bibliográfica é pensar sobre o hoje das escolas
e da educação com o argumento do ontem. O morto está vivo – viva o
morto.
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José Alberto Lopes,
Professor do Quadro de Nomeação Definitiva do 10.º A
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