Escola Secundária José Estêvão, n.º 6, Jan.-Maio de 1992

Presidente

José Pereira Tavares, Reitor do Liceu de Aveiro, representante de Sua Excelência o Sr. Ministro da Instrução.

Secretários:

Major Gomes Teixeira, Governador Civil do Distrito; Tenente-coronel Carlos Guimarães, representante do Comandante Militar; Dr. Eusébio Tamagnini, Director da Escola Normal Superior de Coimbra; Dr. Lourenço Peixinho, Presidente da Câmara de Aveiro; Capitão-tenente Rocha e Cunha, Capitão do Porto; Major Mário de Meneses, representante do Comandante do Regimento de Infantaria n.º 19.

São quinze horas. A ampla sala da biblioteca do Liceu de Aveiro, linda e vistosamente engalanada, está cheia de congressistas e convidados. A imprensa da capital está representada por “O Século”, “Diário de Notícias”, “A Voz” e “A Ideia Nacional”; a do Porto por “O Primeiro de Janeiro”; e a imprensa local por “O Povo de Aveiro”, “O Democrata” e “O Debate”.

O Secretário-Geral, após curtas palavras de saudação aos congressistas, lê o seguinte telegrama dirigido ao Sr. Reitor do Liceu de Aveiro:

«Não me é possível comparecer como tencionava à sessão inaugural do Congresso por ser indispensável a minha presença no Conselho de Ministros amanhã por motivo de crise governativa. (...) a) Alfredo Magalhães.

(...) [Grafia do original - texto de 1926]

Não pode ser! Os poderes constituídos, que queiram prestar ao país o maior dos serviços, têm a obrigação de lançar as bases para a criação dum escol intelectual superior, preparando com cuidado e diligência os dirigentes de amanhã; compete aos governos criar uma cultura portuguesa que sem vergonha possamos pôr ao lado da cultura alemã, da cultura francesa, da cultura italiana, que sobre quaisquer outras admiro. Arrepiar caminho é que é inaudível; penitenciarmo-nos dos erros passados é que é instante.

A instrução secundária não deve ser acessível a todos: deve ser somente para os que manifestem aptidões e competência. Em matéria de Ensino Secundário o que urge, portanto, é valorizá-lo e dignificá-lo. Desde a benemérita tentativa de organização de Ensino Secundário de 1895, que procurou criar o escol intelectual português, têm as reformas, geralmente, atendido aos interesses dos pais, que, evidentemente, nem sempre são os interesses de Portugal. Assim se explica, em grande parte, o extraordinário e assustador aumento da frequência de todos os liceus. Aumenta a frequência, porque diminuem as dificuldades do ensino. Já tivemos este vergonhoso espectáculo, verdadeira exautoração do professor, espantoso agente de desmoralização: a alunos reprovados em três disciplinas, em classes de passagem, permitir-se a matrícula no ano imediato!

Toda a reforma da Instrução Secundária deve tender para a dificultação do ensino, de forma que a frequência dos liceus venha a diminuir, em vez de aumentar.

(...)

Todos nós conhecemos professores de matemática decorada, revelando uma ignorância pasmosa, não só do método das sciências matemáticas, mas também da própria matéria que pretendiam transmitir aos alunos, a esses alunos que não eram considerados educandos!

As Sciências Naturais e as Sciências Físico-Químicas eram pretextos para fantásticos e inconcebíveis / 26 / exercícios de memória. O livro era tudo: a investigação, a experiência, a observação, características dessas disciplinas, eram coisa secundaríssima, que não lograva preocupar os mestres.

O ensino das línguas vivas, em geral, consistia na sêca retenção das regras gramaticais: ficava-se, quando muito, a traduzir, mas depois de inutilmente cansar a memória.

O ensino da literatura portuguesa cifrava-se no ennunciado do rol das obras de qualquer escritor ou época, dando-se curso a juízos críticos já formulados àcêrca de obras e escritores que os alunos só de nome conheciam, e não se desenvolvia no educando o espírito crítico nem o sentimento estético.

Hoje não: as Sciências Físico-Químicas são realmente sciências de experimentação; as Sciências Naturais são, na verdade, sciências de observação; a História e a Geografia tornaram-se atraentes, porque as ensinam, em regra, professores que sabem o que ensinam, a quem ensinam e como ensinam. Repito: não faltarão professores, devidamente apetrechados e orientados. O que falta é um Estatuto que satisfaça, nas suas disposições, às exigências do país.

Precisamos de fazer exame de consciência, de ver a que deplorável situação nos trouxe a simplificação ou, melhor, a facilitação dos estudos secundários, e de voltar atrás. Levantar-se-hão clamores. É fatal. Novamente teremos travada a luta dos defensores da cultura portuguesa e dos defensores, embora inconscientes, da incultura nacional; (...).■

 

Notas de Ermelinda Campos

 

N.R. Este texto foi escrito para ser lido na abertura do 1.º Congresso do Ensino Liceal. Note-se: passava-se isto em 1926. A data não é um dado inócuo. É neste contexto que devemos ler a prosa do Dr. José Tavares que, de outro modo, pareceria muito estranha a gente dos finais do século XX. O sistema estava em crise, as instituições democráticas ameaçavam ruir. Não terá sido por mera coincidência que, consciente do perigo, a classe docente concretizava, finalmente, um velho sonho: o seu 1.º Congresso, talvez numa tentativa derradeira de resistir à ameaça. José Pereira Tavares, mais do que representante de uma posição elitista poderá, talvez, ser entendido como o porta-voz daqueles que acreditavam que uma classe culta, prestigiada, seria a última barreira contra a derrocada.

Por outro lado, também não esqueçamos que a velha tradição republicana, em que se situa, é uma tradição burguesa, não populista, nada tendo a ver com os "sans culotte". É outra leitura possível.

Mas a releitura deste texto, hoje, faz ainda sentido. Não porque as instituições democráticas corram perigo. Mas a democracia vivida, conscientemente participada, é cada vez menos uma realidade. O alerta já foi dado, antes de nós, e por outros mais qualificados.

Quanto às elites intelectuais, continuam a ser necessárias, sempre o foram, ainda que tenhamos de colocar o problema em dimensão nova. Não estamos a pensar em minorias reduzidas, a quem estaria cometida a tarefa de pensar, por nós, o nosso destino. Mas entendemos que a cultura, com níveis de exigência superiores, deverá ser um direito de todos, ao alcance de maiorias progressivamente alargadas. Ou seja, há que estabelecer metas acima da tabela, todos correndo para ser campeões, recusando fazer parte do pelotão da cauda que se contenta com o chegar ao fim.

Este é um problema que ganha actualidade com a reforma curricular. Todos vão doravante poder ter um diploma. Óptimo! Mas que tipo de diploma? Não se estará a abrir a porta da facilidade aos pais e adolescentes que se contentam com o menos? Não seria mais digno de um país que quer estar no "pelotão da frente", criar as condições, buscar os caminhos para que o maior número se contente com o melhor? Um certo elitismo, se bem entendido, talvez não seja assim tão mau. ■

Maria Ermelinda Campos,

Professora do Quadro de Nomeação Definitiva do 10.º Grupo B


 

Aliás, Escola Secundária José Estêvão

 

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