Presidente
José Pereira Tavares, Reitor do Liceu de Aveiro,
representante de Sua Excelência o Sr. Ministro da Instrução.
Secretários:
Major Gomes Teixeira, Governador Civil do Distrito;
Tenente-coronel Carlos Guimarães, representante do Comandante Militar;
Dr. Eusébio Tamagnini, Director da Escola Normal Superior de Coimbra;
Dr. Lourenço Peixinho, Presidente da Câmara de Aveiro; Capitão-tenente
Rocha e Cunha, Capitão do Porto; Major Mário de Meneses, representante
do Comandante do Regimento de Infantaria n.º 19.
São quinze horas. A ampla sala da biblioteca do Liceu de
Aveiro, linda e vistosamente engalanada, está cheia de congressistas e
convidados. A imprensa da capital está representada por “O Século”,
“Diário de Notícias”, “A Voz” e “A Ideia Nacional”; a do Porto por “O
Primeiro de Janeiro”; e a imprensa local por “O Povo de Aveiro”, “O
Democrata” e “O Debate”.
O Secretário-Geral, após curtas palavras de saudação aos
congressistas, lê o seguinte telegrama dirigido ao Sr. Reitor do Liceu
de Aveiro:
«Não me é possível comparecer como tencionava à sessão
inaugural do Congresso por ser indispensável a minha presença no
Conselho de Ministros amanhã por motivo de crise governativa. (...) a)
Alfredo Magalhães.
(...) [Grafia do original - texto
de 1926]
Não pode ser! Os poderes constituídos, que queiram
prestar ao país o maior dos serviços, têm a obrigação de lançar as bases
para a criação dum escol intelectual superior, preparando com cuidado e
diligência os dirigentes de amanhã; compete aos governos criar uma
cultura portuguesa que sem vergonha possamos pôr ao lado da cultura
alemã, da cultura francesa, da cultura italiana, que sobre quaisquer
outras admiro. Arrepiar caminho é que é inaudível; penitenciarmo-nos dos
erros passados é que é instante.
A instrução secundária não deve ser acessível a todos:
deve ser somente para os que manifestem aptidões e competência. Em
matéria de Ensino Secundário o que urge, portanto, é valorizá-lo e
dignificá-lo. Desde a benemérita tentativa de organização de Ensino
Secundário de 1895, que procurou criar o escol intelectual português,
têm as reformas, geralmente, atendido aos interesses dos pais, que,
evidentemente, nem sempre são os interesses de Portugal. Assim se
explica, em grande parte, o extraordinário e assustador aumento da
frequência de todos os liceus. Aumenta a frequência, porque diminuem as
dificuldades do ensino. Já tivemos este vergonhoso espectáculo,
verdadeira exautoração do professor, espantoso agente de desmoralização:
a alunos reprovados em três disciplinas, em classes de passagem,
permitir-se a matrícula no ano imediato!
Toda a reforma da Instrução Secundária deve tender para a
dificultação do ensino, de forma que a frequência dos liceus venha a
diminuir, em vez de aumentar.
(...)
Todos nós conhecemos professores de matemática decorada,
revelando uma ignorância pasmosa, não só do método das sciências
matemáticas, mas também da própria matéria que pretendiam transmitir aos
alunos, a esses alunos que não eram considerados educandos!
As Sciências Naturais e as Sciências Físico-Químicas eram
pretextos para fantásticos e inconcebíveis
/
26 / exercícios de memória. O livro era
tudo: a investigação, a experiência, a observação, características
dessas disciplinas, eram coisa secundaríssima, que não lograva preocupar
os mestres.
O ensino das línguas vivas, em geral, consistia na sêca
retenção das regras gramaticais: ficava-se, quando muito, a traduzir,
mas depois de inutilmente cansar a memória.
O ensino da literatura portuguesa cifrava-se no
ennunciado do rol das obras de qualquer escritor ou época, dando-se
curso a juízos críticos já formulados àcêrca de obras e escritores que
os alunos só de nome conheciam, e não se desenvolvia no educando o
espírito crítico nem o sentimento estético.
Hoje não: as Sciências Físico-Químicas são realmente
sciências de experimentação; as Sciências Naturais são, na verdade,
sciências de observação; a História e a Geografia tornaram-se atraentes,
porque as ensinam, em regra, professores que sabem o que ensinam, a quem
ensinam e como ensinam. Repito: não faltarão professores, devidamente
apetrechados e orientados. O que falta é um Estatuto que satisfaça, nas
suas disposições, às exigências do país.
Precisamos de fazer exame de consciência, de ver a que
deplorável situação nos trouxe a simplificação ou, melhor, a facilitação
dos estudos secundários, e de voltar atrás. Levantar-se-hão clamores. É
fatal. Novamente teremos travada a luta dos defensores da cultura
portuguesa e dos defensores, embora inconscientes, da incultura
nacional; (...).■
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Notas de Ermelinda Campos |
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N.R. Este texto foi escrito para ser lido na abertura do
1.º Congresso do Ensino Liceal. Note-se: passava-se isto em 1926. A data
não é um dado inócuo. É neste contexto que devemos ler a prosa do Dr.
José Tavares que, de outro modo, pareceria muito estranha a gente dos
finais do século XX. O sistema estava em crise, as instituições
democráticas ameaçavam ruir. Não terá sido por mera coincidência que,
consciente do perigo, a classe docente concretizava, finalmente, um
velho sonho: o seu 1.º Congresso, talvez numa tentativa derradeira de
resistir à ameaça. José Pereira Tavares, mais do que representante de
uma posição elitista poderá, talvez, ser entendido como o porta-voz
daqueles que acreditavam que uma classe culta, prestigiada, seria a
última barreira contra a derrocada.
Por outro lado, também não esqueçamos que a velha
tradição republicana, em que se situa, é uma tradição burguesa, não
populista, nada tendo a ver com os "sans culotte". É outra leitura
possível.
Mas a releitura deste texto, hoje, faz ainda sentido. Não
porque as instituições democráticas corram perigo. Mas a democracia
vivida, conscientemente participada, é cada vez menos uma realidade. O
alerta já foi dado, antes de nós, e por outros mais qualificados.
Quanto às elites intelectuais, continuam a ser
necessárias, sempre o foram, ainda que tenhamos de colocar o problema em
dimensão nova. Não estamos a pensar em minorias reduzidas, a quem
estaria cometida a tarefa de pensar, por nós, o nosso destino. Mas
entendemos que a cultura, com níveis de exigência superiores, deverá ser
um direito de todos, ao alcance de maiorias progressivamente alargadas.
Ou seja, há que estabelecer metas acima da tabela, todos correndo para
ser campeões, recusando fazer parte do pelotão da cauda que se contenta
com o chegar ao fim.
Este é um problema que ganha actualidade com a reforma
curricular. Todos vão doravante poder ter um diploma. Óptimo! Mas que
tipo de diploma? Não se estará a abrir a porta da facilidade aos pais e
adolescentes que se contentam com o menos? Não seria mais digno de um
país que quer estar no "pelotão da frente", criar as condições, buscar
os caminhos para que o maior número se contente com o melhor? Um certo
elitismo, se bem entendido, talvez não seja assim tão mau. ■
Maria Ermelinda Campos,
Professora do Quadro de Nomeação Definitiva do 10.º Grupo
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