A
humanidade não é constituída, como tantos podem julgar e exigir, por
indivíduos de iguais capacidades, porquanto, espiritualmente, ou até
materialmente, há sempre diferença rigorosa de raça para raça, de povo
para povo, do indivíduo para o seu semelhante. Na ânsia da sua perfeição
o ser humano vai, cada vez mais, distanciando-se entre si, formando os
da vanguarda uma élite poderosa que guia e subjuga, materialmente ou por
subtis fios espirituais, a massa geral. Os que caminham em frente seguem
contudo rumos diferentes. A uns norteia-lhes os esforços essa
insatisfação intelectual que produz o filósofo e o sábio; a outros, a
cultura viril do corpo e dos seus jogos e ritmos mais sugestivos. A Arte
em suas manifestações esplendorosas e irresistíveis absorve muitos, e a
Aventura e a Curiosidade encaminham, perigosamente, tantos outros para
as sendas dessa Glória doirada e longínqua que abrasa os desejos do
homem. Mas uma pequena minoria, a mais selecta talvez, e a mais modesta
com certeza, destaca-se, contudo, nessa guarda-avançada. Distingue-a um
móbil sublime, de belos desígnios e constituem-na todos os que
sacrificando-se só pensam no bem-fazer. São os santos, são os apóstolos,
são os mártires.
Nas sociedades
modernas não existem já essas lendárias figuras de ascetas, de perfil
esguio e de imundos corpos, que povoam as tebaidas e se isolavam nos
ermos. Mas restam todavia os apóstolos. A palavra que eles pregam,
iluminadas pelo bem-comum, se bem que de ideologia diferente do
misticismo medievo e agora bem possuída de realidades terrenas, não
deixa contudo de os erguer no conceito da Humanidade, e de os tornar tão
grandes como os grandes luminares de outrora. E por essa mesma palavra
eles vão sofrendo. Criam a aura da santidade que só os prosélitos
distinguem. Muitas vezes tornam-se até mártires. Então, em seu redor,
imolam-se em sangueiras estupendas e com carácter tipicamente
científico, os outros mártires que as suas palavras e os seus exemplos
fazem medrar.
É pela palavra quente
e sugestionável desses, que se criam os núcleos abnegação e altruísmo.
Formam-se na consciência conceitos novos e necessidades de bem-fazer. A
vida passa a ter aspectos filantrópicos e de sacrifício. Dissolve-se o
grosseiro materialismo que empanava iniciativas generosas. E uma obra
superior, de vontade e de desinteresse, vai melhorando a Humanidade,
curando-a em seus males ou remediando-a em seus desastres.
O bombeiro é bem a
representação moderna do herói antigo. Não produz carnificinas ou
ostensivamente ergue troféus de inimigos humanos. Apenas combate um
grande adversário — o fogo. A peleja é renhida e carece de valores.
Valor e abnegação. E tão intensa esta é que o leva, às vezes, a morrer
em socorro do semelhante ou mesmo, o que é mais para admirar, em simples
interesse alheio. E de todo esse sacrifício, e de todo esse esforço, ele
não espera recompensas ou galardões. Bastam-lhe apenas as da consciência
do bem cumprido. Por isso, em tudo o bombeiro é um herói. |