Escrevo... Não escrevo? Hesitei; porque dizer banalidades é
chover no molhado. Dizer novidades, é difícil, para quem já
tanto escreveu no romance feito pelos sem farda, para que os
da farda tingida de tanta generosidade, de tanto sangue, de
tantas queimaduras!
Pobres
sempre os tereis; a Mim, nem sempre Me tereis... porque eu
vou para o Pai. Parafraseando o Mestre, diremos que pobres
sempre os haverá neste mundo carente de auxílio, mas
bombeiros que correm para o fogo com a mesma generosidade, a
mesma ânsia com que correm para beijar a irmã, a mãe, a
esposa, os filhos, nem sempre abundou para apagar chamas,
cicatrizar chagas de carne feitas, ou de espírito
atribulado.
Temos
registado mil e um factos no nosso calcorrear de também
servir, mil e um casos de abnegação dos homens que envergam
a farda do voluntariado. Estultícia seria registarmos os que
mais nos sensibilizaram, a agulheta que mais trabalhou.
Autênticos actos que enalteceriam qualquer santo que hoje
veneramos nos altares.
O
bombeiro perde a sua cabeça para se lembrar da do seu irmão.
Perde os seus haveres para salvar os de quem, porventura,
eram superiores aos seus. Perde o amor dos filhos, quantas
vezes, para defender os de quem, quiçá, nunca lho
agradecerá! Perde-se, enfim, a si mesmo, para encontrar o
outro. Perde-se muitas vezes pelas curvas, porque optou
pelas rectas para chegar mais depressa ao seu semelhante que
sofre.
O
Bombeiro é o homem que, ao fazer o seu compromisso, morre
para si, para que o seu irmão viva. Aqui reside toda a
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razão da sua existência bombeiral. E até mesmo quando
pratica exageros, porventura condenáveis pela sociedade que
não está imbuída do altruísmo do correr para o fogo, para as
labaredas, o bombeiro continua a ser herói da sua loucura.
Já o
escrevemos algumas vezes: há momentos na vida, já tive
alguns que me apetecia beijar as mãos negras do fumo,
encharcadas de lama, salpicadas de sangue, desses homens que
saindo do aconchego dos seus lares, quer seja noite cerrada,
ou noite luarenta, quer chova ou neve, não olham a perigos
para conseguirem os seus objectivos – salvar vidas e
haveres.
Mas não
me atrevo a terminar sem contar um dos casos que mais me
impressionam nesses soldados da Paz.
Eles, que
tudo dão, vêem-se ainda na obrigatoriedade de andar com o
saco às costas pedindo (oh, paradoxo!) para melhor poderem
servir aqueles a quem batem à porta. É dos actos bombeirais
que mais me impressiona, que mais me revolta, em tão nobre e
altruísta missão.
A culpa
não é do povo, porque o povo é generoso e dá, por vezes,
muito do que lhe fará falta, mas é, essencialmente, dos
poderes, dos poderes constituídos que há muito deviam ter
estruturas capazes de evitar que houvesse bombeiros de sacos
às costas. A sua arma não é a taleiga, mas a agulheta, o
machado...
Para vós,
homens de Aveiro, Soldados da Paz da Corporação desse grande
homem, que foi Guilherme Gomes Fernandes, vai o nosso
agradecimento; e permitam-me que, com toda a delicadeza, com
ternura, com amor reconhecido, vos beije as vossas mãos,
porventura calejadas, quiçá queimadas, pelos dois fogos que
um dia vos devoraram... Na vossa pessoa beijo, também, todos
os bombeiros do meu País, de todo o Mundo.
Aos que
já sucumbiram, paz à sua alma. |