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        Segundo Natal passado em Angola – 1963 
        
        A 24 de Dezembro de 1963, estava a nossa Companhia de 
        serviço ao “Cinturão Verde”, zona de protecção da cidade de Luanda, com 
        arame farpado desde o aeroporto até aos “Muceques”. A missão de que 
        estávamos incumbidos era controlar as entradas e saídas da cidade. 
        
        Tínhamos jantado isolados. Teria de haver cuidados 
        redobrados, já que a noite seria propícia à entrada do IN. 
        
        Os cigarros, únicos companheiros com quem 
        conversávamos no silêncio da noite, eram consumidos rapidamente entre as 
        mãos ou dentro do capacete para não podermos ser localizados. Cigarro 
        atrás de cigarro, foram consumidos os três maços que tinha levado para 
        esse dia. “E agora? São 23H00. É dia de ceia. Está tudo fechado. Como 
        vou passar o resto da noite?” Bem, chamei o condutor do jipe, o Tavira, 
        que apareceu meio ensonado:  
        
        – Diga, meu Furriel.  
        
        – Vamos aos “Muceques”. Preciso de cigarros e pode 
        ser que por lá esteja ainda alguma tasca aberta. 
        
        Fomos andando, devagar, vendo o estado do arame 
        farpado. Tudo em ordem, menos a tal tasca que poderia estar aberta. 
        Parámos. O silêncio parecia total, até que da loja do cabo-verdiano 
        saíram dois pretos cambaleando de bêbados. Aproximámo-nos e os pretos 
        fugiram conforme podiam, desaparecendo na escuridão. Entrei na loja e 
        pedi dois maços de cigarros. Paguei e fiquei encostado ao balcão, 
        aconselhando o homem a fechar a loja para evitar problemas como aquele a 
        que tinha assistido e ir consoar com a família. 
        
        – Não tenho cá família – disse-me ele. Está na minha 
        terra, em Cabo Verde. 
        
        – Então o que faz aqui sozinho a estas horas? 
        
        – Estou a ouvir esta música. E aumentou o volume do 
        rádio para eu ouvir também… 
        
        A Rádio Ecclésia transmitia músicas de Natal. A que 
        comecei a ouvir foi “Noite Santa, Noite Serena”, cantada pelo conjunto 
        coral “Os Pequenos Cantores de Viena”. 
        
        Automaticamente a minha mente mudou-se para a Gafanha 
        – os meus filhos, a minha mulher, os meus pais, enfim, a minha família … 
        A ceia de Natal na casa do forno. Estavam tão longe, e ali tão perto na 
        minha memória! 
        
        Abandonei a loja, acenando com a mão ao cabo-verdiano 
        sem o olhar para não ser traído pelas lágrimas que me corriam pela face 
        abaixo. 
        
        Chegado à viatura fiz um gesto ao condutor para que 
        seguisse. 
        
        – O meu Furriel está bem? – Perguntou o Tavira.  
        
        – Segue… 
        
        Ordenei com um sinal feito ao condutor. 
        
        Quando um homem chora tem com certeza uma razão muito 
        forte para o fazer! 
  
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