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        Luanda – Cidade grande 
        
        A viagem foi feita em sentido inverso pela mesma 
        estrada que havíamos trilhado quando fomos para o “Norte”. Havia mais 
        sanzalas habitadas, via-se mais gente.  
        
        Finalmente, o Grafanil! O retorno demorou cerca de 
        dois dias. Quando chegámos, ocupámos as instalações que nos tinham sido 
        destinadas. Fiquei de sargento-de-dia à nossa Companhia, pelo que não 
        pude dar uma escapadela à cidade, distante uns 6Km. 
        
        Os que estavam livres lá foram dar asas à sua 
        imaginação. Nessa noite só pude ver ao longe as luzes da “Cidade 
        Grande”. 
        
        Agora tínhamos de estar disponíveis, prontos a ser 
        chamados a qualquer hora para onde fosse necessário. Normalmente os 
        problemas surgiam nos Dembos, segundo informações colhidas junto de 
        outras unidades que nós fomos substituir no Grafanil. 
        
        A noite passou sem nada de anormal. No dia seguinte, 
        depois do jantar, lá fui até à cidade ver a civilização, passear e beber 
        umas “Cucas”. O transporte foi feito numa viatura militar. 
        
        Visitei a casa da família do Sr. Nero, onde fui bem 
        acolhido e convidado a pernoitar quando quisesse. Sobre os tempos 
        passados no “Norte”, nem uma palavra. Apenas quiseram saber como estava 
        o físico e a cabeça! 
        
        No Grafanil o serviço era o de um quartel qualquer. 
        Serviço à Companhia, Serviço ao Batalhão e, mais esporadicamente, 
        serviço ao Cinturão Verde (zona de protecção da cidade de Luanda). 
        Estávamos descansados. Parecia um tempo para passar tempo. À noite íamos 
        até Luanda dar umas voltas, conversar com outras pessoas e houve até 
        alguns companheiros que resolveram alugar quarto na cidade, onde 
        dormiam, regressando na manhã seguinte ao Grafanil. 
        
        Nas esplanadas à noite sempre cheias, ia-se 
        conversando com um ou com outro. Em Luanda, nunca ouvi falar de guerra, 
        o que me parecia um pouco estranho. Os “civis”, em Luanda, pareciam 
        desconhecer que mais a “Norte” militares portugueses lutavam e morriam 
        para que a cidade vivesse em paz. No entanto, quando éramos apresentados 
        a alguma família com residência em Luanda logo éramos convidados a 
        almoçar em sua casa. 
        
        Tendo como base o Grafanil, o nosso Batalhão é 
        chamado a diversas operações cabendo à nossa Companhia, em Outubro de 
        1963, a missão de reforço ao Batalhão que se encontrava na zona de Vista 
        Alegre, para uma operação mais alargada, para onde nos deslocámos 
        auto-transportados, e onde efectuámos várias operações. 
         
        Acto macabro! 
         
        Passámos pelas Fazendas Tentativa, Beira Baixa, virámos à direita em 
        direcção à Vista Alegra, passámos pelo Ùcua onde havia um enorme penedo 
        sobre a estrada e mais adiante a Pedra Verde, à esquerda.  
        
        Chegámos à noitinha. Cada qual comeu da sua ração de 
        combate e preparávamo-nos para tentar descansar, quando recebemos ordens 
        do Comando da Companhia para nos prepararmos para uma operação que teria 
        início às 5 horas da madrugada! E nós que vínhamos todos “rotos” da 
        viagem… 
        
        Recebemos mais cartucheiras, levando-as cheias de 
        munições. Desconhecíamos o terreno e o que iríamos encontrar. Podia 
        faltar ração de combate, e até água, mas munições é que não. Nem 
        sabíamos se, caso fosse necessário, poderíamos ser reabastecidos! 
        
        Passeando na semi-escuridão, tentei falar com alguém 
        “lá do sítio” para colher informações. Aproximei-me de um sentinela e 
        meti conversa: 
        
        – Então, como é isto por aqui? 
        
        – Nada bom – diz-me ele. 
        
        – Então porquê? 
        
        – Porquê? Ainda ontem numa operação que ainda está em 
        curso, foi abatido pelos “Turras” um nosso Sargento. Como era forte e 
        pesado, e a operação tinha que prosseguir, resolveu-se esconder o corpo 
        no meio do capim; no regresso seria transportado para o acampamento, 
        onde lhe seria dada sepultura condigna. Ao regressar, passaram pelo 
        local onde tinham escondido o corpo. Ao aproximar-se ouviram ruídos e 
        cautelosamente foram prosseguindo, quando reparam num espectáculo 
        macabro: meia dúzia de pretos deleitavam-se a comer parte do corpo do 
        Sargento. Imediatamente foram cercados e amarrados. Ao serem inquiridos 
        sobre aquele acto, tiveram a ousadia de dizer que a carne de branco era 
        muito boa, especialmente a dos músculos dos braços, que “é adocicada”… 
        Foi feita uma padiola com ramos, que transportou os restos mortais do 
        Sargento para o acampamento. 
        
        – Ó pá – digo eu à sentinela – tu estás a tentar 
        meter-me medo com a tua história. Olha que eu já venho da fronteira 
        “Norte”. Além disso o canibalismo já acabou! 
        
        – Mas isto que lhe contei é verdade, como nós 
        estarmos aqui os dois a conversar. 
        
        Fiquei a matutar… Nisto chega a Sargento de ronda. 
        Perguntei-lhe se tudo isto tinha sido verdade e ele confirmou! 
         
        – Bem – digo eu para a sentinela – vou ver se me estendo um bocado que 
        venho cansado da viagem e amanhã tenho de me levantar cedo. 
        
        – Cuidado – diz-me a sentinela – anda uma companhia 
        nossa no mato e quando assim é o nosso Comandante de Batalhão não quer 
        ninguém a dormir, quer que toda a gente fique a rezar. 
        
        Esta é demais, pensei eu! 
        
        – Até amanhã – disse, despedindo-me do sentinela. 
         
         
        Em busca do IN 
         
        Levantámo-nos de madrugada, preparando-nos para a operação. Havia um 
        local ainda desconhecido para onde teríamos de seguir a pé. Ao formar 
        para recebermos ordens, reparámos que durante toda a noite tinha 
        cacimbado, e que o cacimbo continuava. As árvores, o capim, toda a 
        natureza estava ensopada em água. A chuva cai e como é pesada escorre 
        pelas árvores. O cacimbo, uma espécie de nevoeiro forte, cai na 
        vegetação e não escorre, parece ficar colado às folhas. Felizmente que 
        alguns militares tinham trazido o “poncho”, que logo vestiram. Procurei 
        o meu no bolso das calças do fato de combate – um bolso que vai quase da 
        cintura até ao joelho – um verdadeiro armazém, e lá o encontrei. Vesti-o 
        enfiando-o pela cabeça. Esta operação sempre me fez lembrar o enfiar da 
        “opa” nas festas da Nossa Senhora da Nazaré, quando íamos nas 
        procissões.  
        
        Houve ordem de marcha. A companhia seguia em fila 
        indiana, cento e tal homens, uns a trás dos outros. Esta fila parecia 
        não ter fim. À frente ia o Alferes Miranda e um guia, conhecedor da 
        zona, que nos foi fornecido pelo Batalhão. Caminhámos horas a fio, 
        parando uns momentos para descansar. O sol começou a romper, sinal de 
        que vinha aí calor. Entretanto ouviu-se uma voz roufenha vinda do rádio. 
        O operador entregou o microfone ao Alferes que recebeu ordens e deu o 
        “OK terminado”. Chamou os seus Sargentos e deu instruções: 
        
        – Às onze horas toda a companhia roda à direita e 
        segue em linha recta. Vamos atravessar a fazenda de café. Cuidado, não 
        quero pessoal atrasado. Pode ser necessário fazer fogo e alguém que 
        venha atrasado pode atingir os que vão à frente. Muito cuidado. A 
        fazenda tem muitas árvores e o IN pode surgir de repente junto de nós. 
        
        Era uma frente enorme. Seguíamos vagarosamente 
        olhando para um e outro lado, sem esquecer o cimo das árvores, onde 
        poderia haver algum sentinela inimigo, que nos deixaria passar, fazendo 
        depois qualquer sinal para os seus companheiros que eventualmente nos 
        fariam uma emboscada mais adiante. 
        
        Íamos progredindo e parando, conforme as ordens 
        recebidas. Assim podíamos observar o terreno, os cafeeiros, sempre 
        plantados à sombra de árvores de grande porte. As árvores do café 
        estavam enterradas numa cova quadrada com cerca de quarenta centímetros 
        de lado, e uma profundidade de aproximadamente dez centímetros. 
        
        Fiquei a saber, mais tarde, que este sistema de 
        plantar os cafeeiros foi uma ideia dos portugueses! Quando chovia, e 
        porque os terrenos eram inclinados, a água da chuva em vez de escorrer 
        toda para os baixios, ficava nas covas fazendo assim a sua rega. 
        
        Seguimos viagem. O tempo aquecia. Passava muito do 
        meio-dia, quando senti fome. Puxei da ração de combate da qual tirei uma 
        bolacha que fui mastigando ao compasso da nossa progressão no terreno.  
        
        – Assim, nem à noite acabaremos esta porcaria – 
        diz-me o Pombal. 
        
        Era coisa que não me agradava nada passar a noite 
        naquele sítio, sem conhecermos o terreno nem linhas de recuo, caso fosse 
        necessário. A ordem era avançar e nós avançávamos! 
        
        No silêncio daquela progressão ouviu-se no rádio a 
        transmissão de uma qualquer ordem. Os chefes de secção foram chamados, 
        pelo passa-palavra, aos comandantes de pelotão, para receberem 
        instruções. 
        
        Foi-nos informado que deveríamos voltar e seguir em 
        fila indiana, com o sol pelas costas. Qualquer coisa se havia passado, 
        mas o quê?! 
        
        Só à noite chegámos ao quartel. Era tropa por todo o 
        lado. Era a nossa e mais duas Companhias do Batalhão que se encontrava 
        na Vista Alegre. Este tão grande ajuntamento de tropas deixou-me 
        preocupado. No mato não estávamos habituados a ver tanto pessoal junto. 
        E com o meu sentido “positivo” da situação não deixei de pensar o que 
        seriam duas ou três morteiradas a caírem naquela aglomeração de tropas.  
        
        Deixei estes pensamentos e procurei saber junto do 
        Comandante do Pelotão, que entretanto chegara da reunião com os 
        restantes oficiais, os resultados da operação: 
        
        – Então meu Alferes? 
        
        – Nada mau – diz-me ele. Foi apanhado um cobrador da 
        UPA, com pasta e tudo, na qual trazia uma relação do pessoal e dos 
        valores que iria cobrar. Agora o resto é com a tropa que cá está 
        instalada. 
        
        – Sim – concordei – é muito melhor do que termos 
        eliminado meia dúzia deles. 
        
        Mais uma noite a dormir onde calhava. Normalmente nas 
        viaturas, arma ao colo, não fosse haver algum problema! A bolacha da 
        ração de combate já não sabia a nada. Abri uma lata de sardinha de 
        conserva com molho de tomate (era sardinha macho). 
        
        O cansaço era cada vez maior, a fome também. Fui à 
        cozinha desenrascar um bocado de pão e despejei todo o conteúdo da lata 
        no pão, que amoleceu com o molho. Comi, lambi os lábios, limpei a boca à 
        manga do casaco do fato de combate e adormeci. 
         
        Passado algum tempo ouvi ruídos. Era um pelotão que acabava de 
        regressar. Afinal não fomos os últimos, pensei. E voltei a cair na 
        modorra em que me encontrava. 
         
        Matando a fome  
         
        A madrugada arrefeceu o tempo. Aconchegado com o “poncho” sobre os 
        ombros, ia passando pelas brasas, esperando a alvorada, que parecia 
        tardar. 
        
        De manhã, bem cedo, já se ouvia, para os lados da 
        cozinha, o ruído dos panelões do café. Ali já se trabalhava. Não seria 
        má ideia uma pinga de café, e dirigi-me para a cozinha, onde já 
        encontrei o Bernardino (o cabo Aveiro), que tinha tido a mesma ideia que 
        eu. 
        
        – Então, meu Furriel, como passou a noite? 
        
        – Encostado no Unimog. E tu? 
        
        – A mesma coisa – foi a resposta. 
        
        Alertado por o Aveiro me ter chamado pelo “posto”, o 
        cabo cozinheiro veio perguntar-nos se precisávamos de alguma coisa – 
        pergunta desnecessária dada a hora e o local onde nos encontrávamos! 
        
        – É pá – diz-lhe o Aveiro – o que agora ia bem era 
        uma caneca de café e uma bucha de pão com manteiga! 
        
        O Aveiro não foi peco no pedir mas foi atendido. E lá 
        veio uma caneca de café e um pedaço de pão quente com manteiga para cada 
        um. Foi como se estivesse no antigo Café do “Briol” a tomar um galão e a 
        comer um pastel. 
        
        Agradecemos ao cozinheiro e, ao retirarmo-nos, ainda 
        lhe perguntei: 
        
        – De que terra és? 
        
        – Alantejaaano – foi a resposta. 
        
        E mais não disse. Nem era necessário! 
         
        Nesse dia ficámos pela Vista Alegre. Havia pelotões ainda em operações 
        no mato que poderiam necessitar de reforço. Passámos o tempo a 
        descansar. Recordo-me de, ao dar uma volta pela zona – por perto, que 
        não convinha ir longe – ter reparado numa eira de cimento, cheia de grão 
        de café a secar. Logo a ideia deu uma volta e lembrou as eiras da 
        Gafanha cheias de milho. Os auxiliares andavam com ancinhos a remexer o 
        café para que todos os grãos recebessem o mesmo calor e secassem ao 
        mesmo tempo. 
        
        Não resisti e pedi autorização ao encarregado da 
        fazenda para me deitar um pouco sobre aqueles grãos. Fui autorizado a 
        fazê-lo e estendi-me de costas sobre o café. Que cheiro agradável! Mas 
        os grãos eram duros e passado um pouco já me doíam as costas. 
        Levantei-me e fui ver as danças que os habitantes da sanzala faziam 
        rodeados pela tropa. 
        
          
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        Dançando para os “tropa” em Vista Alegre  | 
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        O Soba 
         
        A seguir a esta festa fui dar uma volta pela sanzala, entretive-me a 
        conversar com o Soba, a quem pedi para tirar uma fotografia a seu lado, 
        coisa a que prontamente acedeu, ajeitando o chapéu de palha – uma 
        verdadeira obra de arte – e tomando uma posição de pose. Feita a 
        fotografia, agradeci-lhe e continuei a passear pela sanzala. 
        
          
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        Não estávamos habituados ao contacto com este 
        pessoal, que nasceu e continua a viver no mato. Não era desagradável de 
        todo, talvez porque sentiam que a tropa lhes dava protecção. Parecia até 
        que alguns dos maiorais desejavam o contacto com os tropas, procurando, 
        talvez por instinto o pessoal “graduado” da companhia, apesar de em zona 
        de guerra não usarmos as divisas ou galões, como já expliquei. Penso que 
        o facto de eu usar óculos era uma boa pista para eles. 
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        Com o Soba de Vista Alegre  | 
           
         
        
        Mas ali, não havia distinção de postos, com excepção 
        do Comandante de Companhia, a quem obrigatoriamente tínhamos de chamar, 
        ao dirigirmo-nos à sua pessoa “Meu Capitão!”, o que tornava quem de 
        perto estava, a olharem-no com desconfiança. A tropa era assim e nada 
        havia a fazer! 
        
        Passaríamos mais uma noite naquele sítio e na manhã 
        seguinte receberíamos ordens que podiam ir de termos de partir para 
        outra operação ou regressar ao Grafanil.  
        
        Havia que comer uma vez mais da ração do combate. 
        Nessa tarde não consegui arranjar pão. Outros provavelmente se teriam 
        antecipado e quando fui em busca da bucha, já não havia. 
        
        Lá foi mais uma refeição com a intragável bolacha da 
        ração de combate. 
         
        Perigos dos sítios mais quentes! 
         
        Passámos mais uma noite na Vista Alegre. Alguns soldados ao saberem que 
        havia ainda um pelotão em operações, desenrascaram-se, foram à caserna e 
        conseguiram arranjar cama onde se estenderam um bocado! Eu, não querendo 
        ficar outra noite ao relento, procurei abrigo debaixo de um alpendre que 
        havia por ali. Sentei-me, costas contra a parede, arma entre as pernas, 
        com o “poncho” vestido. Estava quase a adormecer… 
        
        – É pá! – Ouvi alguém a dizer-me. 
        
        – ÃÂH! 
        
        – Toma cuidado! Esse sítio é o mais quente e por isso 
        as cobras costumam aproveitá-lo para passar a noite. 
        
        – Pôrra! – Disse eu, levantando-me de um salto. 
        
        E fui para a viatura estender-me no banco de trás. A 
        “cama” era dura mas o cansaço venceu e só acordei já era madrugada.  
         
        Seguindo mais uma vez para rumo incerto 
         
        Nova ordem para esse dia: “O nosso pelotão irá para determinado local, 
        já indicado ao Alferes, fazer uma emboscada!” 
        
        – Mas porquê o nosso pelotão? – Perguntei ao Alferes! 
        
        – Ordens do Comandante de Companhia – foi a resposta! 
        
        – Ó pá, não se pode ser bom – disse eu em voz alta de 
        modo a ser ouvido, o que provocou o sorriso amarelo de alguns soldados, 
        nada convencidos do que eu acabava de dizer. Quando era necessário 
        avançar, o terceiro pelotão era sempre o primeiro a alinhar.  
        
        Lá fomos para o local indicado, emboscando-nos o 
        melhor possível. Uns deitaram-se sobre o capim, raro naquela zona. Os 
        chefes de secção encostados a árvores de onde poderiam descortinarem 
        mais longe uma possível progressão do IN, embora estando mais expostos. 
        Estávamos a matar o tempo, mas era necessário. Outros militares andariam 
        a caminhar por outros sítios, tentando que o IN ao descobrir a sua 
        posição, fosse cair na emboscada montada pelo nosso pelotão. 
        
        Conhecedores como eram do terreno, sumir-se-iam na 
        mata. Passava do meio-dia, já tínhamos "almoçado" da ração de combate – 
        uma lata de sardinha de conserva que tornava a bolacha da ração menos 
        intragável, um gole de água do cantil, guardada a lata vazia da sardinha 
        no bornal, esperávamos ali já há muito tempo. 
        
        Finalmente terminou a operação, ordem de voltar ao 
        acampamento dada pelo passa-palavra. Uma vez mais, nada tinha 
        acontecido! 
        
        Já o restante pessoal da nossa Companhia se 
        encontrava também de regresso. O sol estava no seu ocaso, escondendo-se 
        para além da densa mata por onde teríamos de passar ao voltar a Luanda, 
        o que não seria nada agradável, atendendo à hora. Finalmente veio a 
        ordem: a Companhia pernoitaria no local e no dia seguinte, depois do 
        "pequeno-almoço", iniciaria o regresso ao Grafanil. 
        
        Assim fizemos, e à noitinha passámos por Luanda em 
        direcção ao Grafanil, onde chegámos já noite fechada.  
        
        Jantei do que havia, ração de combate. Depois de um 
        banho refrescante até soube bem. 
        
        Procurámos boleia para Luanda. Alguns conseguiram-na. 
        Eu fui um deles. Era grande o desejo de sentir a cidade! Afinal Luanda 
        era a mesma: pessoal a passear, as esplanadas cheias, canecas de cerveja 
        vazias.  
        
        Fui até à marginal cheirar o sabor da maresia. 
        Sentado num banco ia espraiando a vista pela Avenida em semicírculo, que 
        ia desde a ponte que dá para a ilha até ao porto de Luanda. Mais ou 
        menos a meio, no último andar de um prédio de muitos andares havia um 
        novo letreiro luminoso “ L’Etoille Bar”. 
        
        “Mais um sítio onde gastar uns angolares”, pensei. 
        Qualquer dia vou até lá. Combina-se com a malta e vamos beber um whisky. 
        Olho para o relógio. Eram horas de regressar. A viatura estaria à nossa 
        espera na Mutamba. Amanhã será outro dia. Um dia diferente dos 
        anteriores, esperamos. E assim foi. 
        
        Serviço à Companhia, serviço ao Batalhão, conforme a 
        escala. Era como se estivéssemos em qualquer Unidade no Continente. Quem 
        não estava de serviço ia à noite até Luanda e depois regressava ao 
        Grafanil próximo da hora do recolher. Ficava muito tempo da noite para 
        desfrutar mas não podíamos perder esse tempo! E vai de pensar em 
        resolver o problema... Juntaram-se alguns Sargentos e resolvemos alugar 
        um quarto na cidade. Toca de comprar um jornal e procurar nos anúncios 
        onde alojar meia dúzia de pessoas, porque assim ficava mais barato. 
        Encontrámos um que nos pareceu apropriado. Ficava na Rua dos 
        Caminhos-de-ferro. Procurámos pela tal rua. Ninguém sabia! Socorremo-nos 
        de uma Esquadra da PSP, que ficava ali para os lados da Mutamba.  
        
        – É onde fica a Messe do Oficiais da Força Aérea! 
        Sabem onde é? Pelo número de porta, deve ser em frente à Messe.  
        
        Para lá nos dirigimos. Vimos o quarto e combinámos o 
        aluguer. Era numa casa de rés-do-chão, tipo colonial, com uma varanda 
        lateral, que o telhado avançado cobria. As camas eram de madeira – um 
        colchão de arame com quatro pés e uma tábua que segurava o travesseiro – 
        bem melhores do que as da tropa. 
        
        O quarto estava livre e na noite seguinte poderíamos 
        ocupá-lo. Assim ficou acordado. E assim o cumprimos. Por vezes 
        jantávamos no Grafanil, poupando uns angolares, que afinal eram gastos 
        na cidade em cervejas e marisco. 
  
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