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        Dia de descanso 
        
        Hoje é dia de descanso do nosso pelotão. Levantei-me 
        com a alvorada, tomei o meu café e fui à mala da roupa ver o que por lá 
        havia. Deparei com um saco de plástico cheio de cuecas e camisetas 
        sujas, a pedirem lavagem há muito tempo. 
        
        Fechei a mala arrastando-a depois para baixo da cama, 
        pensando no que iria fazer. Exactamente: fazer a cama! Era o que deveria 
        fazer primeiro. 
        
        Pego no cobertor puxando-o para a frente, para ficar 
        direitinho! Estava áspero. Olho para as mãos. Estavam cheias de pó, as 
        unhas cheias de terra. Era sinal de que já há muito tempo que precisava 
        de ser lavado. Não podia esperar mais, tinha de ser hoje. Tirei-o da 
        cama, enrolei-o e meti-o dentro de uma celha, um barril cortado ao meio. 
        Quando os homens foram à água fui com eles. 
        
        Chegados à bica, enchi em primeiro lugar a celha e, 
        enquanto os homens procediam ao abastecimento, fui tentando lavar o 
        cobertor. Esfrega daqui, vira para ali uma ensaboadela com sabão azul, 
        mais uma molhadela, mas a porcaria era tanta que cada vez que mudava de 
        água saia sempre suja. Um soldado que estava de vigia junto à água, 
        olhava-me com ar de gozo!  
        
        – É meu Furriel, se me pagar uma cervejinha 
        fresquinha quando chegarmos ao acampamento eu acabo de lhe lavar o 
        cobertor. 
        
        Olhei-o com desconforto. Devia ter estado a gozar 
        comigo ao ver o meu esforço de lavadeira e a minha falta de jeito para 
        tal serviço. Não me dei por vencido e continuei. Mas… porra para uma 
        cerveja!  
        
        – Toma lá o cobertor e acaba de o lavar, que eu 
        pago-te a cerveja. 
        
        O soldado pega na celha e no cobertor e dá-me a arma: 
        
        – Faça o meu Furriel a segurança, que eu lavo-lhe o 
        cobertor; quando chegarmos ao acampamento ainda lho ponho a secar, antes 
        de irmos beber a cerveja! 
        
        Aquele soldado tinha jeito. Deu as mesmas voltas que 
        eu tinha dado e passado um bocado deu a serviço por terminado. Quando 
        regressámos ao acampamento, o rapaz pôs o cobertor a secar no fio e eu 
        fui à Cantina pagar o trabalho feito.
        
          
        
        Ao regressar à caserna passei pelo estendal, apalpei 
        o cobertor. Embora molhado, parecia mais macio! Parece que o serviço 
        mereceu bem as duas cervejas. Sim duas, porque eu também bebi uma, não 
        fosse o soldado ficar triste por estar a beber sozinho… 
        
        Chegado à caserna, sentei-me na cama. Quando olho 
        para o lado, lá estava o saco com as cuecas e as camisetas para serem 
        lavadas. Que chatice. “Hoje é dia de lavagem”, pensei. Tem de ser! Vamos 
        a isto. 
        
        Pego na roupa suja e dirijo-me para a celha, cheio de 
        coragem, tendo nesse dia lavado toda a roupa que estava a pedir lavagem. 
         
        O tempo tinha aquecido, o vento soprava com força, tendo assim ajudado a 
        secar o meu cobertor. À tardinha fui buscá-lo e então fiz a cama. 
        Sentei-me nela, e não resisti a estender-me ao comprido, gozando o 
        prazer daquele cobertor macio. Até tive o cuidado de descalçar as botas, 
        para o não sujar! 
         
        Tempestade  
         
        A tarde caía. Eram horas do “jantar”. Lá fomos à comida, que mastigámos 
        com apreensão. O vento tinha subido de intensidade e já soprava com 
        violência. Alguns olhavam para a cobertura da caserna.  
        
        – Se o vento como está pega “nisto”, vai tudo pelo 
        ar! – Ouvia-se dizer. 
        
        O telhado batia com força! Parecia querer levantar 
        voou. Nisto ouve-se um berro do Lino:  
        
        – Cada um dependura-se no seu barrote, se não ficamos 
        sem telhado. 
        
        Assim fizemos, aguentando pendurados, ouvindo o 
        rugido do vento. Passado um bocado o vento começou a amainar. 
        
        Então ouviu-se a ordem do Lino:  
        
        – Podemos largar, que já não deve haver azar! 
        
        Assim fizemos. Deixamo-nos cair para o chão, 
        ajeitámos a fralda da camisa que, dada a posição em que tínhamos estado, 
        estava toda destrilhada.  
         
        Espectáculo nunca visto... 
         
        O vento acalmou e só uma ligeira brisa soprava agora. O Furriel 
        Silveira, que estava de serviço (era um “maçarico” que viera substituir 
        um colega ferido em combate) saiu da caserna para ir fazer a ronda. Era 
        aborrecido fazer a ronda com aquele terreno todo enlameado. Passado um 
        pouco aparece-me à porta da caserna:  
        
        – É pá, anda ver o espectáculo! 
        
        Curiosidade minha – Saí. 
        
        Dei com o Silveira de cabeça no ar a olhar para a 
        lua! As nuvens tinham desaparecido com o vento. O céu estava límpido. O 
        ar tinha sido lavado pela chuva; só se viam uns castelos de nuvens 
        brancas muito ao longe, sobre a Serra da Canda. Sobre nós as estrelas 
        brilhavam, ofuscadas pelo brilho daquele luar belo, lindo! 
        
        O Silveira nunca tinha visto tal espectáculo. Só 
        conhecia as noites sem luar, que são escuras como breu. “Como é 
        possível…”, dizia ele extasiado! 
        
        Estivemos um bocado a olhar para o infinito, sem 
        dizer palavra. Com a chuva a noite tinha esfriado.  
        – Vou até lá dentro – diz o Silveira. 
        
        E entrou na caserna. 
        
        Fiquei mais um pouco a desfrutar daquela maravilha 
        que a natureza me oferecia e fui até ao posto de observação, para ver 
        como era lá de cima! 
        
        Subi, sentei-me e acendi um cigarro, ficando a olhar 
        ao longe a paisagem já minha conhecida mas que ao luar não parecia tão 
        crua. 
        
        O tempo fresco fez-me lembrar o luar de Janeiro na 
        minha terra. Também era brilhante mas não como este. A minha terra… a 
        minha Gafanha… 
        
        E pensei: O que andamos nós aqui a fazer? Porque 
        fizeram os terroristas tantos mortos, porque mataram mulheres e 
        crianças. Essas pessoas não lhes fizeram mal com certeza. A nossa missão 
        é evitar que actos destes se repitam. Por isso neste lugar procuramos 
        evitar a sua passagem do Congo para o interior de Angola. É difícil; nem 
        sempre se consegue! 
        
        E pensei na minha terra, na minha família, nos 
        colegas da escola. Porque pensa a cabeça quando o corpo está descansado? 
        Até a dormir a cabeça não pára. Rara é a noite em que ela não sonha com 
        coisas extravagantes, como o estarmos a beijar os nossos filhos, 
        estarmos a ser cumprimentados pelo nosso vizinho Sarabando: 
        
        – Então vizinho – dizia-me ele – como era aquilo por 
        lá?! 
        
        Como se eu já tivesse regressado! 
        
        E eu ali no Posto de Observação, pensando, olhando o 
        luar daquela noite linda. Mas não era o da minha terra... 
  
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