| 
         
         
        Homem do monóculo 
        
        O homem de que vos falo chama-se António Spínola. 
        Era, salvo o erro, Comandante do Sector em São Salvador, com o posto de 
        tenente-coronel. Pessoa reservada, parecia estar sempre com cara de mau. 
        Amigo dos seus soldados como poucos. Dava o exemplo seguindo sempre na 
        frente das colunas, quer fosse motorizadas ou apeadas! 
        
        Uma vez tive a sorte de me cruzar com ele. Ele soube 
        do acidente que tinha vitimado os nossos companheiros. Através das 
        comunicações que havia entre as Unidades, sabia que nesse dia iríamos 
        deslocar-nos a São Salvador. Esperava-nos à entrada da cidade, passeando 
        de um lado para o outro, farda amarela vestida, a boina preta de 
        cavalaria com as duas espadas cruzadas, o pingalim batendo na perneira 
        das calças, e o indispensável monóculo. Parecia nervoso. A minha viatura 
        era a primeira. Mandou-me parar. Parei e desci do Unimog, fazendo 
        continência, que ele ignorou.  
        
        – Qual é o teu posto? 
        
        – Sargento miliciano! 
        
        – Quem é o Comandante deste destacamento? 
        
        – O Alferes Miliciano Miranda. Vem na segunda 
        viatura.  
        
        Nesta altura já o Alferes se encaminhava para nós. 
        Fez continência e perguntou ao tenente-coronel se havia problema. 
        
        – Não há problema nenhum mas sei que a vossa 
        Companhia teve há dias uma chatice e queria dizer-vos que todos 
        lamentamos o sucedido. Tem de ter paciência e fazer como nós temos 
        feito. Só tendo as populações do nosso lado conseguirá vencer. Só a "psico" 
        nos ajudará. Não é com tiros que ganharemos esta guerra. Informem os 
        vossos soldados que devem respeitar os autóctones. 
        
        Soubemos, por informação dos próprios, que militares 
        da Unidade de Spínola tinham sido castigados por faltarem ao respeito 
        aos pretos, como eles diziam. 
        
        – E qual foi o castigo que ele vos deu? – Perguntei, 
        curioso. 
        
        – Nem imaginas! Logo que havia uma operação, e 
        durante uma série delas, eram chamados os “voluntários à força”. E lá 
        tínhamos de ir, mesmo que não fosse a vez do nosso pelotão. Era um 
        grande gozo para os que ficavam no acampamento. 
  
         |