DIA 7 DE JULHO DE 1990 ‑ SÁBADO
SAÍDA DO
CORAL POLIFÓNICO DE AVEIRO A BEJA
Às 8 horas da manhã estava já quase todo o pessoal do
Grupo Coral Polifónico em frente ao Centro Oita para embarcar numa
camioneta da Rodoviária do Caima, rumo a Beja. E digo quase todo, porque
a camioneta só de lá deverá ter saído cerca das 8 e quinze. Às 8 e 25,
mais coisa menos coisa, estava a passar em frente aos Bombeiros, na Rua
de Ílhavo, actual Mário Sacramento, para receber novos passageiros,
entre os quais a minha própria pessoa. Recebeu ainda outros elementos do
coral em Ílhavo e em Calvão. Aqui, entrou o Jorge, o elemento mais novo
do grupo, juntamente com os pais.
A viagem efectuou‑se pela Figueira da Foz, Leiria
e
Vila Franca de Xira.
Em Leiria efectuámos uma breve paragem. Uns aproveitaram
para tomar uma bica e espantarem deste modo a sonolência matinal; outros
tomaram o pequeno‑almoço. O sítio foi bem escolhido, pois havia um café
e uma excelente pastelaria, por onde o pessoal se repartiu.
Depois de atravesssarmos o Tejo, nas rectas a seguir a
Leiria, tivemos o percalço habitual nas nossas saídas em direcção ao
Sul. Quando tudo decorria normalmente e todo o pessoal ia descontraído,
uns dormitando, outros pensando em "mudar a água às azeitonas" e outros
ainda começando já a pensar onde se deveria parar para almoçar, rebenta
uma bomba, que pôs todo o pessoal em alvoroço. A bomba, que outra coisa
não parecia, foi um pneu de trás, que rebentou com tal violência que
espatifou a jante e a parte lateral da camioneta.
Foi feita uma paragem obrigatória para mudança do pneu.
Enquanto o condutor procedia à mudança, depois de ter parado a camioneta
em local fora da estrada, graças à acção de um coralista com mais
iniciativa, que providenciou para encontrar local mais propício e menos
perigoso para efectuar a reparação, já que o trânsito àquela hora era
intenso, o grupo aproveitou para efectuar a reparação aos estômagos. E,
para variar, atacámos uma vez mais o habitual frango de churrasco, já
tornado vítima costumada dos nossos apetites.
Desta vez, a dolorosa foi acrescida de mais 200 escudos,
para pagar o "recuerdo" oferecido pelo coral ao seu digníssimo maestro.
Com toda a pompa e circunstância, foi entregue a Mestre Sarrico uma
magnífica carteira em cabedal, digna de um maestro, onde não falta
sequer o competente receptáculo para guardar o instrumento do dito, isto
é, o diapasão com que afina as cordas vocais dos coralistas. Duzentos da
carteira mais duzentos e tal dos desventurados frangos, cifrou‑se tudo
na módica quantia de 500 marrecos, peço desculpa, 500 escudos.
Reparados estômagos e camioneta, prosseguimos viagem. Já
agora aproveito para fazer referência às condições meteorológicas que se
verificaram neste dia: manhã clara, céu azul e sem nuvens. Sol brilhante
e temperatura não demasiado elevada, dado que corria ainda uma ligeira
aragem.
Eram dezasseis horas e vinte e cinco minutos, mais
minuto, menos minuto, quando entrámos na pequena mas encantadora cidade
de Beja. O calor era bastante, mas ainda um tanto distanciado dos
quarenta graus. Segundo os habitantes contactados, mais precisamente
elementos do grupo coral "O Coro do Carmo de Beja", a temperatura não
era das mais elevadas. Atendendo aos elementos que visitavam a cidade,
tiveram o cuidado de pedir a S. Pedro ou ao santo que rege a
meteorologia local que providenciasse para esse dia uma temperatura mais
compatível com as gentes de Aveiro, habituadas a temperaturas mais
baixas e acompanhadas das "simpáticas" nortadas de vento forte e fresco.
Dadas as boas vindas a todo pessoal, efectuou‑se a
distribuição dos coralistas aveirenses pelas casas dos nossos
anfitriões. Infelizmente o nosso maestro Sarrico, que já andava com o
diapasão a vibrar na carteira, lembrou‑se de efectuar os costumados
gargarejos para aquecimento das vozes... E lá tivemos de tomar como
aperitivo para o jantar um pequeno ensaio para o espectáculo da noite.
Foi efectuado numa das salas ao lado da igreja. Felizmente, o nosso
digníssimo maestro, ou porque atendeu ao cansaço da viagem, ou porque os
nossos anfitriões não lhe deram tempo para mais, não nos obrigou a
demasiado esforço após várias horas de estrada. Terminado, ao fim de
pouco tempo, o primeiro ensaio em Beja, cada um foi para casa do
respectivo anfitrião, onde lhe foi proporcionado um reconfortante duche.
No meu caso pessoal, fui parar, juntamente com o colega
Jaime, a casa de uma colega de grupo, professora numa das escolas
Secundárias de Beja. Há que referir a maneira magnífica com que fomos
recebidos por esta colega de profissão e de actividade artística. Quando
nos convidou a ir a sua casa recuperar da viagem com um reconfortante
duche, disse‑lhe que isso era impossível, uma vez que tínhamos as nossas
malas no autocarro e, como tal, nos faltavam os indispensáveis objectos
de "toilette". Respondeu‑nos que isso não era problema, pois tinha
providenciado para que, em sua casa, nada nos faltasse. De facto, uma
vez no nosso quarto, um quarto com duas camas, no primeiro andar, bem
decorado, com sobriedade mas com muito bom gosto, encontrámos numa mesa
ao canto do quarto: duas esponjas, cada uma de tamanho diferente, duas
escovas de dentes, pasta dentífrica, fio dental, gel para duche, champu
para o cabelo, lâminas para a barba, "after‑shaves" de óptima qualidade,
águas de "toilette", sabonetes, em suma, tudo quanto era necessário
para os dois coralistas que tiveram a sorte de ali ficar.
Já agora, registe‑se o nome da simpática anfitriã que me
recebeu: Maria Luísa Marques da Costa Nunes Ribeiro. Apesar de só aqui
ficar este registo, a verdade é que todos os elementos do Coro do Carmo
de Beja mereciam ter os seus nomes aqui inscritos. Todos eles foram de
uma atenção e simpatia inexcedíveis. Seguramente, cada um de nós,
coralistas aveirenses, guardará para sempre na memória, como uma
daquelas boas lembranças que nos ajudam a consolar dos maus momentos, a
digressão e acolhimento recebido em Beja. Aqui fica registado o
agradecimento de todos nós. E voltemos ao assunto que estávamos a
tratar.
Depois do chuveiro, esperava‑nos um delicioso e
refrescante sumo de maracujá, que tomámos numa salinha confortável e
fresca do rés do chão.
O jantar decorreu no refeitório do Seminário de Beja,
onde nos foi proporcionada uma excelente refeição. O resto do tempo
livre até à hora do espectáculo foi ocupado pelo grupo para dar uma
pequena volta pela cidade, que praticamente se resumiu ao percurso entre
o Seminário e a Igreja do Carmo.
Antes da actuação e até mesmo antes de nos vestirmos,
mestre Sarrico sacou o diapasão do novo receptáculo
─
uma secção da carteira que parecia criada especialmente para esse fim.
Efectuámos uns gargarejos, desculpem, uns vocalizes para aquecimento das
vozes e demos uma pequena passagem por algumas das peças do reportório.
Vejamos o programa do espectáculo.
Num primeiro e curto espaço de tempo, actuou o Coro do
Carmo, que interpretou Coral da Cantata 147 de J. S. Bach (1685‑1750),
Milhões de Barcos de M. Fonseca e A. Cartageno e Psallite de V.
Miserachs.
No segundo e principal momento, foi a vez de nós
actuarmos, com um programa repartido por duas partes:
1ª Parte
* Ciclo do NATAL
En Belen Tocan a Fuego
Verbum Caro
Dadme Albricias
Veni, Veni, Emmanuel
* Ciclo da PAIXÃO
Velum Templi
Popule Meus
Stabat Mater
2ª Parte
* Ciclo do TEMPLO COMUM
Gloria Patri
Jesu Rex Admirabilis
O Bone Jesu
S'Nami Bog
* Ciclo da RELIGIOSIDADE POPULAR
Senhora Santa Cat'rina
S. João Adormeceu
A Senhora d'Aires
Embora não me compita a mim efectuar a apreciação,
parece‑me que o Coral Polifónico de Aveiro efectuou um bom espectáculo,
que agradou a todos os presentes. A acústica da igreja era muito boa e
os coralistas estiveram sempre atentos às indicações do maestro. Pode‑se
mesmo dizer que houve peças que tiveram uma execução brilhante, talvez
das melhores actuações do grupo. É, por exemplo, o caso do Dadme
Albricias, do S. João Adormeceu e da Senhora d'Aires.
Importa também referir que a nossa entrada na igreja se
processou de modo diferente do habitual. Entrámos pela porta principal,
em fila, entoando o Kumbaia, até ao local de Actuação, o que deu logo à
partida uma abertura à nossa actuação fora do comum e que deveria ser
extremamente agradável para quem estava a assistir ao espectáculo.
Refira‑se, a propósito, que a igreja estava completamente cheia, o que é
altamente gratificante para quem vai actuar.
Depois do espectáculo, cerca das 23:30, cada um foi levar
as bagagens às respectivas casas onde ia pernoitar e, em seguida,
encontrámo‑nos em local pré‑determinado para irmos a uma discoteca.
Fomos (alguns de nós) primeiro a um PUB onde, em ambiente acolhedor,
tomámos um sumo de laranja.
Em seguida, fomos a uma discoteca. A hora de recolher foi
depois variável, conforme a resistência ou o cansaço de cada um. No meu
caso pessoal, pelas duas da manhã, foi a minha hora do "chichi, cama". O
meu parceiro de quarto, o Jaime, recolheu pelas quatro da matina,
juntamente com um grupo de barulhentas meninas, que ficaram numa casa
próxima da nossa.
RRRRoooonnnn RRRRoooonnnn RRRRoooonnnn
Henrique J. C. de Oliveira, Registos da minha pena.
Beja, 7 de Julho de 1990. |