A história das cidades e da arquitetura é muitas
vezes tratada como uma questão de terra firme. Quando o
território é litoral, o oceano é visto como uma fronteira e a
linha de costa como um limite para o desconhecido. Este ensaio
procura contrariar essas narrativas, abordando a história urbana
de Ílhavo – situada na costa atlântica portuguesa – da
perspetiva do mar. Este retrato marítimo oferece uma nova visão
da história urbana, contrapondo às origens agrícolas, que
definiram o seu crescimento até ao século XVIII, relatos que
explicam transformações territoriais impulsionadas por outras
dinâmicas que até hoje foram pouco exploradas.
Este ensaio é o resultado de uma encomenda do
Município de Ílhavo feita em 2019 ao centro de investigação da
Universidade do Minho, elaborada no quadro do inventário do
Património Marítimo, Militar, Industrial da Costa Atlântica (Maritime,
Military and Industrial Heritage of the Atlantic Area Coast –
MMIAH), que por sua vez foi produzido no contexto do programa
Interreg Espaço Atlântico, com o financiamento da União
Europeia.
A encomenda incluía um estudo evolutivo da
paisagem de Ílhavo que servisse de enquadramento ao inventário
do património realizado nesse âmbito, sendo as entradas do MMIAH
fornecidas pelo Município. Esse inventário é listado na
cronologia que se encontra no final deste livro e ilustrado nas
imagens e respetivas legendas. Gostaríamos de agradecer ao
Município por nos ter incumbido da responsabilidade do estudo
evolutivo, assim como o apoio, o estímulo e as observações e
correções perspicazes feitas pela equipa municipal, pelo Centro
de Documentação de Ílhavo e pelo Museu Marítimo de Ílhavo ao
nosso texto.
Esta não é uma história definitiva de Ílhavo e da
sua paisagem marítima. O seu objetivo é, sim, encetar o que
antecipamos ser uma linha de investigação frutífera, capaz de
reposicionar a perspetiva sobre a sua história urbana. O oceano,
em vez de ser um espaço em branco em contraposição à terra, é um
ambiente complexo e animado, que molda – ao mesmo tempo que é
moldado - os territórios que habitamos.
No confronto com dilemas ambientais, somos
obrigados a reinventar a relação entre arquitetura, planeamento
urbano e o planeta como um todo. A capacidade de compreender os
fenómenos físicos e a transformação de territórios terrestres no
que diz respeito aos principais fatores ecológicos e ambientais
– como no caso do oceano e das suas culturas marítimas – é um
passo crucial para a reconsideração da nossa relação com os
lugares em que vivemos. Apesar da sua modéstia, esperamos que
este retrato marítimo sirva como contributo nessa direção.
André Tavares |