UM MIÚDO E A MAGIA DO CINEMA - II

 

Cinema

Por altura dos meus oito anos, quando frequentava a segunda classe da escola primária, os meus pais conheceram um casal jovem com dois filhos, que foi viver para Espinho. O elemento masculino era um arquitecto, que escolheu esta vila como local de trabalho e onde ainda hoje reside.

Os dois filhos do casal, o Sérgio e o Nuno, vieram engrossar o número dos meus companheiros de brincadeira, especialmente o mais velho, o Sergito, porque passou a frequentar a mesma classe que eu.

O meu pai, professor primário, o do Sergito, arquitecto, tinham os mesmos gostos. Ambos  gostavam de electrónica. Ambos gostavam de fotografia. Ambos gostavam de música e de cinema. Ambos gostavam de conviver no «Nosso Café» e de umas bilharadas na sala de jogos. A amizade entre os dois casais foi crescendo, consolidou-se, ganhou raízes profundas e manteve-se longos anos.

Fotografia da segunda classe, na Escola Primária N.º 1 de Espinho, em 1953. (Clicar para aumentar)

Fotografia da segunda classe, na Escola Primária N.º 1 de Espinho, em 1953. (Clicar para aumentar)

A partir de certa altura, o professor primário constrói um laboratório de fotografia na cave da escola e inicia um curso de electrónica por correspondência, matriculando-se na «Electronic School of Los Angeles», na Califórnia. O arquitecto adquire uma câmara de filmar de oito milímetros e uma máquina de projectar. E os dois começam a partilhar experiências.

A dada altura, o professor primário manda vir as peças da Alemanha e começa a construir um gravador de fita magnética, aparelhómetro praticamente desconhecido na época. Os poucos gravadores de som até aí existentes, entre os quais o de um dos animadores da cabine de som da Esplanada da Avenida 8 de Espinho, funcionavam com bobinas de fio de aço. Era um sistema de reduzida qualidade sonora e, sobretudo, pouco prático. O fio partia-se frequentemente e tinha de ser emendado. Com o novo modelo, abria-se uma nova era na gravação e reprodução dos sons.

A fita magnética tinha praticamente acabado de ser inventada. E o meu pai, a par das inovações técnicas, decidiu construir um gravador de fita magnética. E, durante semanas, com a ajuda do arquitecto, construíram um pesado aparelho com bobinas de 18 centímetros de diâmetro. 

O pesado aparelho tinha a marca Philmagna. Trabalhava perfeitamente. As primeiras cobaias foram os alunos, durante a segunda classe. O professor gravava as sessões de leitura. E punha-nos a ouvir, perante a nossa admiração, as asneiras que antes teimávamos em negar, quando ele as corrigia.

As experiências com o gravador e com as filmagens sucederam-se. Em breve, aos dois jovens pais de família começa a juntar-se um terceiro elemento, um miúdo de oito anos de idade, que, fascinado pelas experiências dos mais velhos, os troca pelos companheiros de brincadeira, sempre que eles se juntam para novas experiências. E, a partir daqui, começa uma série de aventuras, que me fariam gostar cada vez mais do cinema, apesar dos mais velhos nos terem proibido a entrada nas salas. Teriam certamente medo que o cinema nos corrompesse ou ensinasse coisas menos próprias. Sem televisão, que ainda não existia em Portugal, e sem cinema, vedaram-nos quase por completo, até fazermos os doze anos, o acesso à magia do cinema.

 

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