UM MIÚDO E A MAGIA DO CINEMA - I

 

Cinema

O cinema foi um dos meus vários encantos de miúdo. Ainda hoje aprecio um bom filme, mas há muito que aquela magia encantadora e apaixonante se desvaneceu.

A primeira vez que me levaram ao cinema ocorreu há muito tempo. Era ainda demasiado pequeno. Não deveria ter mais do que uns três ou quatro anos, se é que não me levaram ainda de colo. Embora guarde na memória algumas imagens de filmes antigos, estas já quase se desvaneceram por completo. Para cúmulo, nem já a sala em que comungava com os outros essas imagens fantásticas e vividas existe! Há muito que o templo sagrado da sétima arte foi abaixo, para dar lugar a um edifício moderno, que não conheço e nada me diz.

A sala que fazia as minhas delícias era o cinema S. Pedro, em Espinho. Era um edifício moderno para a época, com uma sala enorme, constituída pelas diferentes classes de plateia, um balcão, camarotes laterais e o segundo  balcão ou geral, na parte mais elevada, a que dávamos o pomposo nome de «galinheiro».

Corrida de motorizadas realizada em Espinho na década de 1950. Ao fundo, o edifício do cinema S. Pedro.

Corrida de motorizadas realizada em Espinho na década de 1950. Ao fundo, o edifício do cinema S. Pedro.

O «galinheiro» era o sector da arraia miúda, a zona económica, a zona mais acessível às classes desfavorecidas. Em vez de assentos individuais, era constituído por bancos corridos de madeira, sem qualquer recosto. Só muito tardiamente descobri a sua existência. Não é que não soubesse que ele existia. Via-o lá em cima, bem alto, quando ia para a primeira plateia com os meus pais. Mas só verdadeiramente o descobri durante o período de estudante liceal, a  partir do momento em que fiz doze anos. Era a zona mais compatível com os nossos magros recursos económicos. Nesta época, pelo menos em minha casa, ainda não tinha sido instituído o costume da mesada pecuniária para os filhos. Apenas me era dada a ridícula semanada de dois escudos e cinquenta centavos, aos sábados, com que comprava o "Cavaleiro Andante", uma das revistas de banda desenhada mais lidas pela juventude.

As restantes migalhas tinham de ser guardadas religiosamente por nós, para algumas extravagâncias, entre as quais a ida ao cinema. Qual a minha estratégia para amealhar uns tostões para o cinema? As estratégias foram muitas. Mas a mais utilizada surgiu-me quando passei a frequentar o Liceu Alexandre Herculano, no Porto.

Durante o meu período liceal, recebia todos os dias cinco escudos para o almoço na cantina da escola ou, então, na FNAT, por cima do cinema Sá da Bandeira, que nós designávamos caricatamente por «Famintos Nacionais Agarrados ao Tacho». A maneira de amealhar uns tostões consistia em substituir a refeição por qualquer coisa mais económica, que desse para enganar o estômago.

Com tão pouco dinheiro no bolso, era para o «galinheiro» que ia com os colegas, nas «matinés» que só existiam durante o período das férias grandes.  Íamos sempre que o filme nos atraía ou sempre que vislumbrávamos a possibilidade de lá encontrar algumas varinas jeitosas da nossa idade,  com quem gostávamos de passar uns momentos agradáveis. Mas mesmo que esta segunda hipótese não se concretizasse, tínhamos cerca de duas horas de espectáculo para nos ajudar a passar algumas tardes de Verão de maneira diferente.

Antes de chegar a esta fase relativamente avançada da minha experiência cinéfila nas «matinés» do S. Pedro, passei por outras divertidas e apaixonantes, que me revelaram o fascínio do cinema.

 

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