Da génese de um logotipo(1)

Sou o logotipo de uma Academia Sénior da cidade de Aveiro, que festejou os dez anos de existência na semana de 21 a 30 de Novembro de 2014.

São dez anos de existência que não correspondem à minha vida, porque eu só nasci em 2006, pelo menos na forma com que me reconheço actualmente. Logo, sou ainda um jovem com oito anos de idade, ao serviço de muitos outros «jovens» de idades mais avançadas. São «jovens» cujo ADN deve estar, na grande maioria, muito acima dos cinquenta anos, mas que continuam a sentir-se como jovens, porque não querem deixar-se abater pelo elevado Afastamento das Datas de Nascimento. Claro que este ADN, apesar da recusa em deixarem-se vencer pelo avanço dos anos, tem os seus efeitos perversos: degradação das capacidades físicas, neurónios gastos já a produzirem falhas e lapsos de memória, etc., etc., etc. Mas não falemos de coisas tristes, porque o meu ADN também está constantemente a subir. É um mal que a todos atinge e ao qual ninguém pode fugir. E felizes aqueles a quem o ADN não pára de aumentar e lhes permite chegar quase ao século de existência, quando não ultrapassá-lo. Mas estes são casos raros. Tirando um Manuel de Oliveira e outros praticamente desconhecidos no nosso País, gente centenária deverá contar-se pelos dedos.
Como disse, eu próprio já vou nos oito anos. E, já agora, por que não dizê-lo, verifico que o leitor, que percorre com os olhos estas linhas paralelas, está neste preciso instante com algumas perguntas a bailarem-lhe na mente: «Mas o que é que este puto pretende? A que propósito está ele a falar de si mesmo, quando ninguém para aqui o chamou?»

Tenham calma. Não deixem que os neurónios entrem em ebulição e nem façam errados juízos de valor a meu respeito. Estou aqui a ocupar-vos parte do tempo, porque tenho fortes motivos para isso. Especialmente depois de ter visto aquele, que penso ser o meu progenitor, profundamente chocado, no dia do almoço do aniversário dos dez anos da Academia, no Hotel Imperial, no dia 26 de Novembro de 2014. O que naquele dia presenciei ficou-me de tal modo gravado na memória que me obrigou, passados já uns meses, a sair do suporte impresso, a saltar cá para fora, para a vida real, para vos ajudar, talvez, a aclarar ideias e a apagar dúvidas com que naquele dia fiquei.

Façamos uma pequena analepse, perdão, um flashback. Credo! Cruzes, canhoto! Estão-me a sair uns palavrões esquisitos. Isto deve ser contágio do meu criador. Sim, digo bem, deve ser contágio dele, que ensinava uns palavrões esquisitos nas aulas de literatura e de comunicação. O que eu quero dizer é que vamos ter de fazer uma pequena viagem no tempo, um recuo até àquela data, ao dia do almoço dos 10 anos de aniversário da nossa Academia.

Recuemos. São agora doze horas e trinta do dia 26 de Novembro de 2014. Estamos numa das amplas salas do Hotel Imperial, naquela que tem na parede um painel de azulejos com o retrato da Padroeira da nossa cidade, a Princesa Santa Joana. Uma sala repleta de pessoas com ar satisfeito, que vão saboreando o excelente almoço que lhes vai sendo servido: uma entrada constituída por tiras de presunto com melão em forma de esferas, uma sopa fumegante e de sabor agradável, vitela assada ou lombo de porco, de acordo com a escolha de cada um, tudo isto acompanhado de bons vinhos e de amenas conversas, enquanto esperam que os diferentes momentos da refeição se sucedam. Depois disto, um momento de pausa, em que cada um se levanta para se dirigir a uma sala, situada alguns degraus abaixo do nível da sala de jantar. Aqui, os academistas fazem um percurso à volta de uma mesa com diferentes iguarias, que vão colocando nos pratos, levantados noutra mesa mais pequena, colocada ao canto da sala. Com os pratos preenchidos com as gulodices escolhidas, regressam aos locais onde se sentaram para completarem a refeição. Para finalizar o almoço, enquanto um empregado do hotel distribuía o café pelas mesas, um elemento entregou aos associados um exemplar do boletim alusivo aos dez anos de actividades de uma Academia ao serviço da comunidade aveirense.

Na mesa onde estava o meu progenitor encontravam-se também dois colegas de profissão, embora de níveis de ensino e escolas diferentes, a actual presidente do Coral Polifónico de Aveiro e dois academistas que frequentam as aulas de cavaquinho. Foi quando o meu progenitor folheava o boletim que o vi encavacado, pior que um cavaquinho rachado ou com as cordas partidas, à medida que lia certas afirmações a meu respeito, escritas no boletim. O que vi deixou-me francamente triste. E é essa recordação que me levou a ter de assumir uma atitude, a ter de me insuflar da mesma vida que anima os que me lêem, e a agarrar numa caneta para esclarecer a verdade e me tirar da confusão em que me encontro. Sim, porque apesar de ser ainda um jovem com oito anos de idade, não quero seguir o exemplo de alguns dos actuais políticos do meu país. Gosto da seriedade, da velha honestidade de outrora, em que bastava um aperto de mão para selar um compromisso. Dizem que a verdade é como o azeite: acaba sempre por vir à superfície. Isto é o que dizem os humanos. E eu, que não passo de um simples logotipo, à cautela, para que o provérbio não falhe, decidi sair do suporte impresso, para esclarecer a verdade e me elucidar a mim próprio.

– Mas, afinal, o que é que este puto de oito anos viu que o fez estar para aqui a ocupar-nos na leitura deste texto?

Têm toda a razão, caros leitores! Peço desculpa pelas minhas divagações. O que eu vi foi aquele, que eu considero o meu progenitor, indignado a desabafar com os dois colegas de profissão, também eles há algum tempo aposentados e formandos da Academia, ela, entregando-se a actividades teatrais, ele, frequentando um curso ligado à História da Igreja. E vi, dois dias depois do almoço, o meu progenitor dirigir-se à Direcção da Academia de Saberes, para falar com a actual Presidente, a Dr.ª Cacilda, para lhe expor o que sentia e repor a verdade nos devidos trilhos. Foi por tudo isto que decidi arrancar-me do suporte impresso das folhas do boletim e das páginas na Internet e fazer uma entrevista ao professor Henrique, que teve o trabalho de me transformar, passando-me de um simples desenho de linhas finas e sem cor, impressas numa folha A4, para o formato colorido e com relevo, tal como hoje me reconheço. E, sobretudo, aproveitar para lhe perguntar qual o «programa informático mais avançado» e quais «os conhecimentos mais desenvolvidos para aperfeiçoar o desenho anterior» e lhe «dar a forma e aspecto que ainda hoje tem».

Vamos então à entrevista com o formador de Informática Avançada, o professor Henrique de Oliveira. Sei que ele costuma frequentar uma pastelaria próxima da casa onde reside. Com a ajuda de um cafezito, para lhe avivar os neurónios, porque o ADN dele também já vai elevado, talvez consigamos aprender alguma coisa relacionada com as novas tecnologias.

– Professor Henrique, será que lhe posso fazer uma entrevista? – O formador de Informática Avançada olhou para mim, muito espantado, quando me viu saltar do boletim que ele tinha em cima da mesa e lhe coloquei a pergunta de há pouco. – Sou o logotipo da Academia de Saberes de Aveiro.

– Isso vejo eu. A que propósito saíste do boletim e me estás a fazer perguntas?

– É que estou bastante confuso. Sempre o considerei o meu progenitor. No boletim de onde saltei, diz-se que «também devemos ao vogal da direcção, João Paulo Monteiro, a criação do nosso logotipo, que surgiu da troca de impressões dentro da direcção e que ele transpôs para o computador». Afinal, quem é de facto o meu verdadeiro pai? Como é que eu nasci?

– Olha, meu jovem rapaz, perdão, meu jovem logotipo. Desculpa tratar-te assim. Acabas de responder a uma pergunta cuja resposta nunca me tinha sido dada. Sempre quis saber quem era o autor de um desenho impresso numa folha A4, a partir do qual eu te construí. Mas nunca ninguém da Direcção, em 2006, me conseguiu esclarecer. Afinal, agora, és tu, ao fim de oito anos, que me dizes o que sempre quis saber. Pelos vistos, o embrião que me permitiu criar-te foi resultante de uma ejaculação inspirada de um vogal da Direcção do biénio anterior. E, agora, sou eu que te pergunto: achas que um desenho feito numa folha A4 é a mesma coisa que um logotipo?

– De facto, a folha que me estás a mostrar é bastante diferente do logotipo que está na Internet e que passou a ser utilizado por todos. Nesse original, eu não passo de um desenho a preto e branco, com traços finos, que representam as salinas e uma proa de um moliceiro. E nada tem escrito que identifique a nossa Academia. O que está na Net e agora usamos em vários objectos, incluindo um «pin» para colocar na lapela, e também na nossa bandeira, é colorido e em relevo. E, olhando para mim, todos ficam a saber que se trata da Academia de Saberes de Aveiro».

– A tua análise está correcta, meu jovem. Mas estás a fugir ao essencial da questão. Qual é que consideras o logotipo: a imagem original em tamanho grande impressa numa folha A4, ou a miniatura colorida e em relevo com a identificação da Academia?

– Penso que a escolha correcta é a miniatura colorida. Mas isto faz-me ainda mais confusão. Afinal, a quem devo a paternidade?

– Vou responder-te outra vez com uma pergunta. E vou fazê-lo colocando um problema que é uma situação muito actual com os seres humanos. Há casais que, para serem verdadeiramente felizes, gostariam de ter um filho. Mas, por razões que os ultrapassam, não os podem ter de forma natural, recorrendo à inseminação artificial. O embrião desenvolve-se no seio uterino da esposa que nunca teve relações sexuais com o dador do sémen. O novo ser vai crescendo e, ao fim de nove meses, vem para o mundo real. A partir daqui, a criança vai evoluindo e transformando-se até à forma adulta, recebendo os cuidados e os afectos do casal, que lhe foi dando tudo o que é essencial na vida, sem esquecer um grande amor e carinho. Na maioria dos casos, o jovem que se tornou adulto nunca chega a saber como foi gerado. Mas, por vezes, já na idade adulta, descobre que os pais nunca poderiam ter filhos e que ele foi o resultado de um dador desconhecido. Um pouco à tua semelhança, que só agora, ao fim de oito anos, fiquei a saber quem foi o autor do desenho em A4 que eu adoptei e transformei. Pergunto-te agora: quem consideras o teu pai? O «ejaculador» do desenho original ou quem te acarinhou e te foi modificando, aos poucos, até te transformar naquilo que és hoje?

– Essa é uma pergunta para me fazer pensar, a mim e a todos os academistas que estão a ler este texto. Mas continuo quase na mesma. Quero que tu me expliques tudo, tintim por tintim, como é que tu me criaste. Um embrião, por muito perfeito que seja, não pode desenvolver-se, se não tiver uma barriga de aluguer.

– Estás muito desenvolvido para a tua idade, muito mais do que eu supunha, meu jovem logotipo. Tu também já sabes o que é uma barriga de aluguer?

– Nós, os putos de agora, sabemos muito mais do que os cotas que andam na Academia, quando tinham a minha idade. No vosso tempo, nas escolas, andavam os rapazes num lado e as miúdas no outro. Nada de misturas. Agora é tudo junto e sabemos tudo. Muitos de nós, quando saímos das escolas, já sabemos aquilo que alguns de vós só tardiamente viestes a aprender. Aliás, estás a esquecer-te que foste tu mesmo que me criaste, que tiveste de utilizar as tecnologias actuais. Os miúdos de agora já nascem a mexer intuitivamente nas teclas dos computadores e dos telemóveis, coisas que não existiam na vossa juventude. E só não uso telemóvel ou I-PAD e nem escrevo com os polegares, porque só agora saltei para o mundo real e nem sequer possuo mãos e dedos para o fazer. Sem o computador e os modernos programas que tu utilizas, eu nunca poderia existir. Embora não percebesse bem o que fazias, senti bem as transformações por que passei até ficar com a forma actual. Por isso, volto a pedir-te que me expliques como é que transformaste um desenho em A4 no logotipo que hoje sou.

– O que me pedes vai obrigar-me a voltar atrás no tempo e a falar de mim e de outras pessoas. Terás paciência suficiente para me escutar?

– Se eu te estou a pedir… E até para esclareceres alguns academistas, que pensam que eu nasci em alguma tipografia de Aveiro e pouco ou nada percebem de Informática. Talvez aprendam alguma coisa e, quem sabe, fiquem com curiosidade suficiente para uma massagem neuronal, inscrevendo-se nas aulas de informática.

– Vou então fazer o que me pedes. Duvido que alguns leitores tenham paciência para levar o texto até ao fim. Mas vou fazer-te a vontade, quanto mais não seja para corresponder ao pedido da nossa actual presidente, a Dr.ª Cacilda Marado, que me disse para escrever um artigo para o boletim da Academia. Vais ficar a saber em pormenor a tua vida. E digo-te que me podes interromper, sempre que quiseres, para colocares as tuas dúvidas. A tua estória, perdão, a tua história será também parte da minha.

– Desculpa a interrupção. Por que motivo trocaste estória por história? Cometeste algum erro?

– A primeira palavra saiu-me por engano. Não passa de uma parvoíce de alguns, que acham que a língua portuguesa é uma língua de pobres e aportuguesaram a palavra inglesa «story» para «estória». Acham que um anglicismo em vez do português correcto é mais chique.

– E não será?

– Uma asnice, quererás tu dizer. Mas vamos ao que importa, que não estamos numa aula de Português. Vamos à tua história, que é também a minha e das pessoas sem as quais hoje não existirias. A tua história irá permitir-nos recordar alguns momentos passados, que fazem parte da História da Academia. E como recordar é viver, escuta-me e talvez aprendas alguma coisa. Já agora, ficas a saber que só te retiro a voz e te deixo voltar para a imobilidade do papel, seja ele real ou virtual, depois de me escutares até ao fim.

A Academia de Saberes de Aveiro, da qual és actualmente o logotipo, nasceu dois anos antes de ti. Tu só cá apareceste em 2006, numa altura em que a nova direcção da Academia estava nos preparativos para o recomeço do novo ano lectivo de 2006/07. Tu apareceste porque os Fados assim o quiseram.

– O quê, foi por causa dos fados que se ouvem em Lisboa que eu nasci?

– Que disparate! Não estamos a falar de música. Esses fados a que te referes são outra cantiga. Fazem agora parte do Património da Humanidade. Eu estou a falar do Destino. Os Fados são as linhas com que o Destino vai tecendo a existência de tudo quanto é vivo. Foram eles que fizeram com que um formador, cuja formação nada tem a ver com a Informática, tivesse sido convidado para formador na área das novas tecnologias, numa associação então praticamente desconhecida da maioria dos aveirenses e com reduzida visibilidade. Mas, deixemos estes preâmbulos, e vamos à história dos factos, registando também as pessoas que, indirectamente, contribuíram para que tu tivesses podido surgir.

Por alturas do Verão de 2006, dois elementos da nossa Academia, as professoras Lindonor Silveirinha e Esmeralda Assunção, abordaram na rua, muito próximo das casas em que residem, em Aveiro, o professor Henrique de Oliveira.

Depois dos habituais cumprimentos entre colegas, que só de tempos a tempos se encontram, as duas professoras perguntaram ao elemento abordado se ele ainda não tinha ouvido falar da Academia de Saberes de Aveiro. A resposta foi de tipo declarativo negativo; mas a pergunta era apenas um ponto de partida para aquilo que pretendiam:

– Sabemos que o Henrique já está aposentado e é um apaixonado pelas tecnologias informáticas. Será que o colega não se importaria de colaborar com a Academia de Saberes de Aveiro na qualidade de formador e aceitar uma turma de informática?

Neste momento, o teu nascimento como logotipo da Academia ficou dependente da resposta que viria a ser dada. O professor, e teu criador, ficou momentaneamente parado, sem saber o que responder. Após breves instantes, que pareceram séculos, disse o que elas queriam ouvir. A primeira resposta, que era de tipo declarativo negativo, passou a declarativa afirmativa, mas cheia de interrogações:

– Eu até que nem me importaria de aceitar. Mas – e aqui começaram as perguntas e dúvidas – será que a Academia tem condições para que se possa ensinar informática? Existe nas vossas instalações uma sala dotada com computadores para um grupo de formandos?

– O Henrique fala com os restantes elementos da Academia, com a nossa presidente. Seguramente, em conversa, talvez consigam arranjar alguma solução para o problema.

– Mesmo que não haja condições para as aulas – acrescentou o professor convidado – há uma coisa que poderei fazer em benefício da Academia. Dar-lhe-ei visibilidade, se a Direcção assim o entender, criando-lhe um espaço na Internet, no servidor do projecto Prof2000 do Ministério da Educação. Passará a ter um bloco de páginas disponível e legível por toda a comunidade portuguesa, sem quaisquer encargos.

No dia seguinte, uma tarde quente, convidativa a um passeio pela cidade depois do almoço, o professor Henrique foi encontrar-se com os elementos da Direcção da associação, por volta das 14:30, tal como fora combinado. Percorreu toda a Rua Direita até ao largo da Câmara. Na entrada do antigo edifício da Biblioteca Municipal de Aveiro, o edifício Fernando Távora, perguntou a um funcionário onde era a Academia de Saberes. «O senhor sobe as escadas até ao primeiro andar, se não quiser utilizar o elevador. Se for de elevador, é a porta em frente. Não volte nem para a esquerda, nem para a direita, porque há outros gabinetes». E eu subi.

– Perguntaste ao Pedro?

– Qual Pedro?

– O Pedro Manuel Gomes, o funcionário que está à entrada, antes das escadas que levam aos andares do edifício.

– Não me lembro de o lá ter visto quando entrei no edifício Fernando Távora. Creio que quem me deu a informação foi um elemento que trabalha na sala do rés-do-chão, onde funciona o Aveiro Digital. Mas isso são pormenores insignificantes. Não me interrompas, a menos que seja de interesse para a tua história.

– Subiste pelas escadas ou no elevador?

– A pé. Subi a pé. Mas lá em cima, segui as instruções, tal como se estivesse a sair do elevador: sempre em frente. Em breves segundos, estava na sala da Direcção.

Além da colega Lindonor Silveirinha, estava a presidente e uma das fundadoras da Academia, a professora Florinda Huet, também ela aposentada havia cerca de dois anos, mas com vontade de continuar na vida activa por muito mais tempo. As apresentações fizeram-se e tiveram a agradável surpresa de os intervenientes se conhecerem de há longa data.

Quanto a instalações e computadores para aulas, a situação não era nada favorável. Mas o teu criador teve uma ideia, que tratou de expor imediatamente às colegas.

– A solução para o problema, creio que está aqui ao lado, bem perto de nós, na Secundária Homem Cristo. Não sei se sabem, mas fui aqui professor durante muitos anos. Fui praticamente o introdutor do computador na escola, numa época em que quase ninguém sabia o que isto era e um dos primeiros a utilizá-lo como recurso educativo em sala de aula, numa altura em que tínhamos que idealizar e escrever os programas em linguagem Basic. Quando interrompi o ensino nesta escola para tirar o mestrado na Universidade do Minho, em 1994, já tinha umas duas ou três salas dotadas com recursos informáticos. Se as colegas contactarem os elementos do Conselho Directivo da escola e lhes pedirem a cedência de uma sala de aula para uma aula semanal, dizendo-lhes que é para um antigo professor da escola dar aulas de iniciação de Informática a pessoas da mesma faixa etária, tenho quase a certeza que não lhes recusarão o pedido. Se for preciso, vou também eu convosco.

E já que falamos de novas tecnologias, será que as colegas não estarão interessadas na divulgação da Academia através da Internet? Sou desde 2001 o coordenador do projecto «Aveiro e Cultura». Posso criar as páginas da Academia e colocá-las gratuitamente no servidor do projecto Prof2000 do Ministério da Educação.

– Isso seria o ideal – responderam as colegas quase em uníssono.

– Para isso – retomou o futuro formador de informática – é necessário criar um logotipo atraente, para colocar na página relativa às Associações inseridas no espaço «Aveiro e Cultura». Já têm o logotipo da Academia?

A resposta foi negativa. Mas, diz a professora Florinda Huet:

– Já pensámos nisso e temos algumas ideias e sugestões. O colega Henrique poderá vê-las e dar a sua opinião.

– Foi aqui que encontraste o embrião para o meu logotipo? – Interveio o jovem entrevistador, com as velas invisíveis do moliceiro enfunadas de expectativa.

– Exactamente! De entre os vários esboços e sugestões, gostei do desenho com os teus constituintes: uma proa de moliceiro, tendo por fundo as salinas e dois montículos de sal. Pedi duas cópias do desenho que, segundo vim a saber oito anos mais tarde, foi feito e passado para o computador por um vogal da direcção anterior.

– Como assim duas cópias?

Uma cópia impressa numa folha A4, que ainda hoje conservo arquivada na pasta com as turmas que tive ao longo destes anos, e uma em formato digital, isto é, num ficheiro DOC para o Word.

– Um ficheiro DOC?

– Sim, um ficheiro DOC. Um ficheiro para criação de documentos com o processador de textos Word da Microsoft.

– Quer dizer, então, que esse foi o meu embrião? E como é que me transformaste até à minha actual forma?

– Esta foi uma fase que me ocupou algum tempo. Em primeiro lugar, qual a forma a adoptar? Quadrada? Rectangular? Elíptica? Circular? Estes são os formatos mais usuais dos logotipos. Se consultares a página relativa às associações inseridas no espaço «Aveiro e Cultura», encontrarás alguns modelos.

O primeiro formato em que pensei foi o quadrado, tendo como ponto de partida um exemplar referente a um grupo coral de Aveiro. Mas, para construir este primeiro modelo, foi necessário reduzir o tamanho da tua imagem original em formato A4. Foi, ao princípio, um problema difícil, porque, ao reduzir-te com um editor gráfico, os teus traços, que eram demasiado finos, acabavam por desaparecer. Depois, lembrei-me que, utilizando o ficheiro original no formato Doc, as ampliações e reduções da página com o «PrintPreview» têm um comportamento semelhante aos das imagens vectoriais.

– Imagens vectoriais? O que vem a ser isso?

– Como é que te hei-de explicar isto de uma forma simples e compreensível? São imagens de tipo matemático, em que as linhas do desenho são definidas por pontos geometricamente definidos, de modo que, aumentando ou diminuindo as dimensões, as posições relativas são sempre as mesmas, fazendo com que as linhas e formas mantenham sempre a mesma posição relativa e, como tal, conservem sempre uma elevada qualidade gráfica. Foi precisamente com base neste princípio que reduzi o teu desenho original, efectuando depois uma espécie de fotografia sem máquina fotográfica, utilizando aquilo que, em termos informáticos, se designa por «Print Screen».

– Não estou a perceber. Como é que sem máquina fotográfica fotografaste o desenho?

– Vou explicar-te tal como se estivesse a dar uma aula aos meus formandos. Mas terei de utilizar a terminologia a que estou habituado. O «Print Preview» do Word é uma opção que nos permite ver como uma página ficará antes de a mandarmos imprimir. Nesta opção, reduzi a tua imagem até ao tamanho que me pareceu adequado. Em seguida, fiz o «Print Screen» da imagem, ou seja, utilizando a combinação de duas teclas do computador, tirei uma fotografia que ficou armazenada na memória da máquina. Em seguida, editei-a recorrendo a um editor gráfico. Graças a isto, obtive a tua imagem num tamanho reduzido e com qualidade aceitável para a poder transformar. E o teu primeiro formato básico foi o quadrado, tendo-me inspirado num dos logotipos existentes na página dedicada às associações de Aveiro, que apresenta este formato. Com a ajuda de um editor electrónico, inseri-te no meio de um quadrado, com a legenda «Academia de Saberes de Aveiro». Coloquei as palavras desta locução substantiva própria em várias localizações, mas nenhuma me agradou e desisti do formato quadrado. Aliás, poderás tu mesmo ajuizar da qualidade do resultado, observando as reproduções que te mostro numa das imagens que ilustram este texto.

– Não gostaste do resultado e eu também não.

– Claro que não. Embora haja logotipos e «pins» quadrados, achei que ficavas de uma grande pobreza visual. Por isso, pensei adoptar a forma elíptica, à semelhança do que foi feito com o emblema da companhia militar a que pertenci, ou, então, a forma circular.

– Foste tu que fizeste o logotipo da tua companhia?

– Este logotipo não era só da minha Companhia, era também de todo o Batalhão. Não foi feito por mim. Penso que terá sido alguém da CCS que o terá desenhado e o modelo aprovado pelo Comandante do Batalhão. Qualquer das formas, elíptica ou circular, me pareceu aceitável, com a tua designação disposta ao longo do bordo da imagem. Mas acabei por optar pela forma circular. Decidida a forma definitiva, faltou apenas uma coisa importante…

– O quê?

– Dar-te a vida da cor. As imagens a preto e branco podem até ser muito agradáveis e artísticas, mas a verdade é que a natureza que nos envolve não é a preto e branco. Está cheia de vida e de cor. Se assim não fosse, o Homem não teria tido a necessidade de inventar a fotografia a cores. Ter-se-ia deixado ficar pelo preto e branco! Para te dar as cores da natureza, recorri a uma ferramenta informática que quase ninguém utiliza e da qual muitos dizem mal, porque, na realidade, nunca se deram ao trabalho de lhe descobrir as grandes vantagens. Todos os sistemas operativos da Microsoft posteriores ao MS-DOS, desde o tempo do Windows 95 até aos actuais Windows, e, espero que também no futuro Windows 10 e seguintes, vêm com o «Paint». Os especialistas informáticos desprezam este programa tão simples e tão eficiente. Para eles, as boas ferramentas são as caras e complicadas, tais como «Adobes PhotoShopes», «PaintShopes» e similares.

– Estou a ver que pertences ao grupo daqueles que não gostam destas ferramentas caras e não as utilizam…

– Pelo contrário, gosto delas e nem posso passar sem elas, até porque fazem parte do software que vem com as máquinas com que obtenho as imagens. Sem elas, os meus «scanners» para imagens em papel e para diapositivos não trabalhavam. Só que, às vezes, os melhores resultados não se obtêm com ferramentas caras e sofisticadas, mas sim com as mais simples. Foi precisamente com o «Paint», que muitos depreciam, que eu fui experimentando as diferentes cores, até obter o resultado que mais me agradou. Em breve, estavam as salinas do teu emblema cheias do branco do sal, com um céu azul clarinho, e a proa do moliceiro mais parecida com aqueles que antigamente navegavam nos canais de Aveiro, impulsionados pelas brisas de Eolo, quando este se dignava soprar, ou pela força braçal dos nossos marinheiros da Ria, quer empurrando o barco à vara ou puxando-o à sirga. Hoje, para nossa tristeza, mas também para alguma alegria, porque dão colorido aos canais da cidade, os barcos navegam cheios de turistas com máquinas fotográficas sem a ajuda das velas, impulsionados por motores colocados fora de borda na popa das embarcações.

Pensando que tu, logotipo da nossa Academia de Saberes de Aveiro, também poderias servir para a construção de um «pin» para a lapela, tal como veio a suceder cerca de um ou dois anos depois da tua criação, decidi dar-te um aspecto de relevo. Para isso, já não foi o «Paint» que me forneceu a solução. Tive de passar para um software mais sofisticado. E não te vou agora explicar a trabalheira que me deu, porque me parece que isso é demasiada areia para a tua camioneta. Depois de várias tentativas, experimentando diferentes efeitos de imagens com diversos valores matemáticos, acabaste por ficar com a forma actual e com relevo, dando-te um aspecto tridimensional.

Depois de estares concluído, a etapa seguinte foi pensar no aspecto das páginas com que começaste a figurar na Internet. E, em breve, passaste a ser conhecido por todos os que frequentam a nossa Academia de Saberes de Aveiro. Se analisares os logotipos circulares das figuras 7 e 8, verás as metamorfoses que sofreste, até ao produto final. E penso que agora já estarás suficientemente esclarecido acerca do teu nascimento. Mais alguma pergunta?

— Penso que não, professor Henrique, até porque esta nossa conversa já vai demasiado longa. Agradeço-lhe o tempo que lhe tomei e espero vê-lo pela nossa Academia de Saberes de Aveiro durante longos anos.

E aqui temos o resultado de uma entrevista com o formador da nossa Academia, o professor Henrique de Oliveira, que teve a gentileza de conversar connosco acerca do meu nascimento. Eu fiquei suficientemente esclarecido, esperando que também os leitores tenham ficado.

Resta-me, por isso, agradecer-vos o tempo tomado com a leitura deste texto e com amizade me despeço. Que os votos desejados ao professor se estendam a todos vós.

Aveiro, 25 de Fevereiro de 2015
Pelo logotipo,
Henrique J. C. de Oliveira

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(1) – Esta é a forma correcta da palavra. Em alguns modernos dicionários, a palavra logotipo passou a estar grafada como esdrúxula, denotando uma influência do espanhol. Correctamente, uma palavra de origem grega que assenta numa palavra grave nunca poderá dar em português uma palavra esdrúxula. Todavia, os autores dos modernos dicionários desconhecem completamente as regras da etimologia, preferindo fazer entrar no hábito dos portugueses os erros de silabada em vez de corrigir os erros de pronúncia. É um caso parecido com o nome da Florida, que passou a ser pronunciada à maneira dos americanos, ou seja, transformando uma palavra grave ou paroxítona de origem peninsular (o nome foi dado à região pelos espanhóis, por se tratar de uma zona bastante florida) numa proparoxítona, seguindo a pronúncia americana. O que preferem? Passear num jardim florido, ou num jardim flórido?
 

 

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