João Ribeiro Coutinho de Lima, Porto e Ria de Aveiro. Notícia sobre o seu valor económico. Aveiro, Junta Autónoma da Ria e Barra de Aveiro, 1936, 18 pp.

 

Aveiro como porto de pesca costeira

Dos portos de segunda classe, ocupa Aveiro o 2.º lugar, quanto ao valor de pescado.

A "Estatística das Pescas Marítimas", de 1933, diz-nos que aquele valor é, em média, de 8.935 contos. Extraído deste valor o valor médio da pesca do bacalhau, dado também por aquela Estatística, teremos que o valor médio, anual, da pesca costeira é de 5.160 contos.

Dentro deste valor, a sardinha ocupa o primeiro lugar, e o sistema de pesca empregado é a arte de xávega que, como se sabe, é um sistema de arrasto adoptado no cordão litoral da laguna entre Espinho e Mira. Este sistema de pesca emprega muitos milhares de braços que labutam com a rudeza do mar desde Março a Novembro. É um sistema de pesca decadente, e, mercê da concorrência que lhe faz a traineira, tende mesmo a desaparecer, como se demonstra pelo mapa n.º 4.

 

Mapa n.º 4

Imposto cobrado pelos postos de pescado nos anos económicos de 1929 a 1933

 
 

Anos económicos

Receitas do Estado

Impostos Municipais

Valor do pescado

1929-1930

1930-1931

1931-1932

1932-1933

525.833$91

671.190$75

405.909$73

374.317$00

90.094$69

115.604$65

71.690$27

64.030$30

 

 

 

 

Média geral......

494.312$85

85.354$95

5.160.000$00

 

O desaparecimento deste sistema de pesca lança alguns milhares de braços na miséria.

Ora o Estado não deve permitir:

1.º − Que desapareça uma indústria que extrai, actualmente, do mar 5.160 contos, em média, por ano, e que já extraiu 11.000 contos;

2.º − Que se lancem na miséria alguns milhares de braços;

3.º − Que deixe de existir uma importante fonte de receita para o Estado.

A única forma de obviar a estes três inconvenientes é caminhar também com o progresso e fazer substituir aquele sistema por modernos sistemas de pesca. Isso só se consegue com um porto onde entre com facilidade e segurança a navegação adequada a esse fim. Esse porto deve ser situado no centro da região onde a actividade da pesca está decadente.

O centro dessa região é, indubitavelmente, Aveiro.

Sob o ponto de vista de pesca costeira, além dos números agora apresentados, extraídos de elementos oficiais, um novo horizonte se rasga para Aveiro e sua região, desde que seja conseguido o franco acesso à navegação. Entre o Douro e Lisboa pode dizer-se que não existem centros de pesca importantes. O peixe para o centro do país vem, trazido pela camioneta, daqueles dois centros de pesca, que distam um do outro 360 quilómetros. Daqui resulta que a distribuição de peixe no centro do país é insuficiente, inconstante e por vezes até atrabiliária. Essa distribuição faz-se de preferência ao longo da Estrada Nacional, isto é, na zona litoral, onde a população é mais densa e onde a arte da xávega criou, nos seus tempos áureos, o hábito do consumo do peixe. Para o interior do país, isto é, nas Beiras, a distribuição é manifestamente insuficiente, e o peixe que lá chega não pode deixar de sofrer um aumento de custo, por virtude do seu longo trajecto.

Ora Aveiro está magnificamente situada para servir o centro do país, tanto pela sua rede de estradas, como pelas vias férreas de V. V., C. P. e B. A.. Sendo grande, debaixo deste ponto de vista, o seu campo de acção, não resta dúvida de que, uma vez completadas as obras em questão, Aveiro figurará como centro de pesca de certa importância, e não custa admitir que, em breve espaço de tempo, o valor da pesca costeira triplique, aproximando-se de 15.000 contos.

Este cômputo de 15.000 contos pode ser estabelecido da seguinte maneira:

Pela "Estatística da Pesca Marítima” de 1912, vê-se que o valor da pesca da Capitania do Porto de Aveiro (sem contar o bacalhau) é, em média, de 500 contos, números redondos (média geral de 1896 a 1912). Actualizado aquele valor, teremos que as artes de xávega, no seu período áureo, arrastavam, em média,

500 X 22 = 11.000 contos.

Ora nesse tempo o transporte do peixe era moroso, porque era feito em barcos pela laguna e Rio Vouga acima, ao dorso de muares, à cabeça das peixeiras e em carroças.

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Tendo o porto de Aveiro, uma vez o seu acesso garantido, a função de fazer substituir as xávegas, hoje decadentes, pela traineira, e usando-se para o transporte de peixe a via férrea e a camioneta, com um poder de penetração muito maior do que o existente de 1896 a 1912, não exageramos, evidentemente, computando para o porto de Aveiro um aparecimento rápido de pescado, no valor aproximado de 15.000 contos anuais. Isto é, garantido o acesso ao porto de Aveiro e facilmente atingidos os 1.5.000 contos de valor de pescado, terá o Estado um rendimento anual de mais de 1.500 contos, a avaliar pelo que actualmente cobra.   

Os 15.000 contos referem-se apenas ao incremento rápido, resultante apenas da construção dos molhes e são o correspondente, aproximadamente, ao valor que a pesca da xávega tinha em 1899.

Como se sabe, a laguna de Aveiro tem óptimas condições naturais para porto interior, e, com as dragagens interiores actualmente em execução pela Junta Autónoma, desde que haja fácil acesso na barra, as traineiras têm vários locais onde podem fazer o comércio de peixe que pescam e onde podem ser abastecidas com água e carvão.

Se se construísse um porto interior de pesca, evidentemente que, graças ao «interland» do porto de Aveiro, que só nos concelhos limítrofes da Ria tem um mercado de mais de 100.000 consumidores, população semelhante à da cidade do Porto, e graças ao campo marítimo de pesca abundante e extenso, situado ao Norte e ao Sul da Barra de Aveiro, aqueles 15.000 contos seriam rapidamente ultrapassados. Este campo marítimo de pesca constitui uma das grandes vantagens do porto de Aveiro, porque, sendo abundante em espécies piscatórias, e estando situado em frente à barra de Aveiro, facilita imenso o exercício da pesca. É precisamente neste campo marítimo de pesca que as traineiras do Douro e Leixões vêm ordinariamente pescar.

Não nos resta absolutamente dúvida alguma de que, sob o ponto de vista de pesca, é indispensável criar um porto em Aveiro, já para bem servir a zona da Beira Alta, e talvez parte da Beira Baixa, quando mais tarde se aperfeiçoar o porto interior, já para fazer substituir a pesca da xávega, que criou um mercado que, de forma alguma, portos situados a 80 e 280 quilómetros podem servir convenientemente. Só o porto de Aveiro, situado no centro do país, pode servir também a zona do centro do país.

 

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