Pesca do bacalhau na
Época das Descobertas
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Mapa da terra
Nova, onde se registam as actividades de portugueses e franceses. |
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O bacalhau foi um peixe que, durante
muitos séculos, existiu em grande quantidade em todo o Atlântico Norte,
desde as costas do Canadá à Noruega. A sua abundância era tal que os
Vikings, nos primeiros anos que viveram na Gronelândia, cantavam nas
suas sagas a grande quantidade de bacalhau que, diariamente, na maré
cheia, enchia os fiordes. Em alguns locais, os cardumes eram tão grandes
que a água parecia ferver.
Não se sabe ao certo quando começou a
pesca do «fiel amigo» e é mesmo possível que tenha sido pescado desde a
antiguidade por vários povos. Infelizmente, hoje, os indícios coevos
mais antigos surgem somente no século VI DC.
Entretanto os
Vikings, habitantes dos Fiordes da Escandinávia, guerreiros e
navegadores de coragem indomável, que desenvolviam já, desde o Século IV,
uma mestria náutica superior à dos povos da sua época, iniciaram a sua
expansão assolando as costas da Europa, chegando mesmo a entrar no
Mediterrâneo.
Em 983, Erik «o
Vermelho», ao ser desterrado da Islândia, navegou para oeste, atingindo
uma terra arborizada e coberta de bons prado, a que chamou Greenland
(Groenlândia). Regressado à Islândia, Eric formou uma armada de 27
navios e partiu para a terra descoberta, onde se instalou.
Cerca do ano 1000,
seu filho, Leif Ericsson, que herdou do pai o espírito aventureiro,
navegou para sul. Saído da Groenlândia, atingiu novas terras que
designou por Waldland, Helluland, Markland e Vineland, as quais,
possivelmente, são a Terra Nova, a Nova Escócia, o Lavrador e a Nova
Inglaterra dos nossos dias.
Logo após estas
descobertas, os Vikings instalaram-se nas novas terras, que mantiveram
colonizadas por alguns séculos, como cantam as Sagas Escandinavas.
Há conhecimento de
outros aventureiros que, ainda no século XII, procuraram aquelas tão
apetecidas terras do norte, sendo de destacar os Irmãos Errantes ou
Aventureiros, que saíram de Lisboa em 1170, e os Irmãos Frison,
embarcados em Breme, mas não há dados seguros que confirmem essas
viagens e a pesca do bacalhau já nessa época. Sabe-se também que, em
1261, o Rei da Noruega, vendo o interesse de vários países pelas novas
terras, tomou para sua dependência a Groenlândia, demonstrando que a
descoberta era efectiva, monopolizando com a Dinamarca o comércio
daquela região. De qualquer modo acabaram ao fim de algum tempo por
negligenciar essas colónias de além mar, conquistadas pelos seus
ancestrais.
Possivelmente, ao
mesmo tempo, os pescadores lusos tinham já conhecimento dessas
descobertas, pois contactavam muitas vezes com marinheiros do Norte que
frequentavam os nossos portos, sendo, na altura, o da foz do Vouga um
dos mais privilegiados pois era de fácil acesso, tinha vários esteiros
abrigados com fontes de aguada e era frequentado por grande numero de
navios que vinham carregar sal e outros produtos da região.
Apesar de não haver
hoje qualquer indicio de pesca do bacalhau, logo no início da
nacionalidade, há conhecimento de alguns contactos entre os nossos
primeiros reis e os nórdicos, tendo-se realizado mesmo casamentos de
princesas portuguesas com príncipes da Dinamarca e Holanda, como por
exemplo o de uma das filhas de D. Sancho I com o rei dinamarquês
Valdemar II.
No Século XIV, no
reinado de D. Pedro I, os portugueses pescavam já nas costas de
Inglaterra e nos mares setentrionais, tendo sido obtida, em 1353, do rei
Eduardo II de Inglaterra, uma licença para pescar e frequentar os seus
portos.
Possivelmente por
esta razão e devido ao grande incremento das navegações comerciais que
da Ria de Aveiro para o norte da Europa, é que, no século referido,
nasceu em Ílhavo, no seu termo, a Confraria de Santa Maria de Sá, uma
corporação de pescadores e mareantes que não admitia no seu grémio
indivíduos de outras profissões.
Durante o Século XV, homens do mar de
Bristol, Italianos, Biscainhos e Portugueses lançaram-se através do
Atlântico setentrional, dirigindo as suas actividades piscatórias para
uma espécie que já frequentara paragens mais perto das costas europeias
e, finalmente, por essa altura, a Corte Portuguesa começou a estar
interessada nas terras do norte, tendo o Infante D. Fernando e sua
mulher D. Beatriz mandado, em 1473, o navegador açoriano João Corte Real
e Álvaro Homem descobrir a «Terra Nova dos Bacalhaus. Vinte anos mais
tarde, em 1495, João Lavrador e Pêro de Barcelos chegaram à Groenlândia
e à península do Lavrador, ao mesmo tempo que o veneziano Cabot arribava
à Terra Nova e, entre 1500 e 1506, os irmãos Miguel e Gaspar Corte Real,
seguindo a Rota do seu pai, procurando a tão apetecida passagem
Ocidental do norte para o Catai, aportaram à Terra dos Bacalhaus e
acabaram por desaparecer algures nos mares gelados do norte,
possivelmente no rio S. Lourenço, tendo sido descoberta, no inicio do
século XX, pelo arqueólogo canadiano Delabarre, junto ao rio Tautum, a
pedra de Dighton, onde existem marcadas algumas inscrições em que alguns
historiadores dizem ler: «1511 V, Dei Rex Ind – Miguel Corte Real».
Reprodução de parte de um documento datado de
18 de Fevereiro de 1552, redigido por Jorge Afonso,
no qual são referidas as embarcações existentes na vila de Aveiro.
Há ainda
conhecimento de muitos outros aventureiros que exploraram o Atlântico
Norte, sendo de referir, a título de exemplo, alguns deles: João Álvares
Fagundes, Pêro Vasquez, Diogo Teive, Pêro Velasco, Fernão Dulmo, João
Afonso do Estreito, Fernão Teles, João Valadão, Baldaia, etc. Segundo
Jaime cortesão e a titulo de exemplo, Diogo de Teive, em parceria com o
castelhano Pêro Vasquês, ao regressar em Agosto de 1452 dos bancos da
Terra Nova, fez o achamento da Ilha do Corvo e Flores, pertencente ao
arquipélago dos Açores. De acordo com o texto referido tudo leva a
pensar que a deslocação aos bancos do bacalhau era já habitual.
Como referi, houve
muitos povos que procuraram as terras dos bacalhaus, tendo muitos deles
conseguido os seus intentos. Apesar disso, em 1860, Vilhena Barbosa, no
seu livro «As Cidades e Villas da Monarchia Portuguesa», diz a dado
passo:
«...Aveiro foi pátria
de muitos varões, por actos de virtude, por letras e saber, por viagens
e descobrimentos, e enfim, por acções de coragem e valor. Iríamos muito
longe, se pretendêssemos fazer catálogo dos seus nomes, e obras.
Diremos, porém, que aos filhos d’ Aveiro se deve a descoberta da
«península????» na costa setentrional da América, chamada Terra Nova,
aonde depois foram por longa série de anos fazer a pesca do
Bacalhau,...»
Também numa passagem
dum dicionário geográfico de 1873, ao fazer-se a descrição de Aveiro e a
sua história, é referida por duas vezes a saga do bacalhau, em páginas
diferentes:
«Ainda em 1550 tinha
12:000 habitantes e 150 navios (quasi todos aqui construídos, e sendo
alguns naus e galeões.» ...
«Só para a pesca do
bacalhau no Banco da Terra Nova (descoberto por navegantes de Aveiro)
armava mais de 60 navios.» ...
Já disse que uns
nautas daqui descobriram a Terra Nova (ou de Lavrador) na costa
septentrional da América.»
Estas linhas que
indicam os povos da Ria de Aveiro como descobridores da Terra Nova
poderão ter alguma credibilidade, pois a Enciclopédia «Portuguesa e
Brasileira» refere a existência de um navegador de Aveiro, chamado João
Afonso, que sendo um dos mais arrojados da sua época, foi dos primeiros
a alcançar a Terra Nova. A existência deste navegador parece
confirmar-se. Em 1552, o Juiz de Fora da Vila de Aveiro, numa carta
enviada ao rei, inclui, no rol dos navios existentes na Foz do Vouga,
uma nau de 80 tonéis e uma caravela de 60 tonéis pertencentes à viúva
daquele navegador, tendo a primeira como mestre um dos seus filhos. No
entanto, aquele navegador não deve ser confundido com João Afonso de
Aveiro, piloto de Diogo Cão, que descobriu o reino de Benin e acabou por
falecer nesta região Africana.
Além das indicações
referidas, segundo diziam, na altura, os pescadores Normandos e Bretãos,
aportados à Terra Nova, já lá se encontrava uma colónia de pescadores da
foz do Rio Vouga, financiada por comerciantes de Aveiro e da Ilha
Terceira, que controlava grande parte do litoral desde o início do
Século XVI. O resultado da pesca longínqua era tal que a dízima sobre o
pescado, mandada cobrar por D. Manuel, em 1506, e referida no Foral de
Aveiro de 4 de Agosto de 1515, no caso concreto do bacalhau, deu para
pagar as despesas das viagens dos irmãos Corte Reais.
Nessa época partiam
anualmente para a Terra Nova cerca de 100 caravelas e naus dos rios
Vouga e Lima para a pesca do bacalhau; e, a meio desse século, a Ria de
Aveiro, que era um dos portos nacionais mais importantes, suplantando
mesmo o Porto, com uma frota de 75 navios (este valor como é referido
num documento coevo deve ser mais correcto que o referido na publicação
do século XIX referida anteriormente) fazia comércio com a Irlanda e
Inglaterra, mas sobretudo seguiam as rotas da Terra Nova.
Mas não se julgue que no século XVI
só pescavam nas águas da Terra Nova navios de Aveiro, pois também lá
andavam naus de Leça e Viana do Castelo e, cerca de 1580, reuniam-se
anualmente, segundo Élisée Reclus, no Grande Banco, trezentos e
cinquenta a quatrocentos navios, dos quais cento e cinquenta eram
franceses, cem espanhóis, cinquenta portugueses, vinte a trinta bascos e
trinta a quarenta ingleses. Segundo o livro de registos da Câmara da
vila de Aveiro, num alvará exarado no mesmo livro, fls 10, no ano de
1572, consta que havia na vila estendais para secar e beneficiar o fiel
amigo.
Como os navios do
Século XVI não tinham geralmente instalações para as tripulações, a
existência destas colónias permite pensar que a forma de pesca então
praticada seria do tipo sedentário. Os navios ficavam geralmente,
durante toda a safra, ancorados em qualquer porto natural e a tripulação
instalava-se em terra, pescando diariamente em pequenos barcos ao logo
da costa. Há, no entanto, conhecimento de que algumas naus se mantinham
ao largo, sendo o bacalhau pescado directamente do seu interior.
Ainda que, ao longo
do Século XVI, a pesca do bacalhau continuasse de vento em popa, saindo
do Vouga cerca de 60 navios, nos finais desse século os corsário
ingleses e franceses começaram a atacar com certa assiduidade os navios
regressados da pesca, que geralmente navegavam desarmados e sem
protecção. Face à situação em causa, no reinado de D. Sebastião, segundo
o regimento de 5 de Novembro de 1571, foi determinado aos navios de
pesca a utilização de armamento e as condições em que se deveriam
agrupar para sua defesa. Apesar da melhor segurança determinada,
conta-se que, em 1585, foram apresados, junto às rias da Galiza, onze
naus de bacalhau pertencentes à Ria de Aveiro.
É mesmo conhecida a
história do piloto Marcos Vidal, que recebeu em 1586 uma tença anual do
Rei D. Filipe, porque depois de ver o seu bacalhoeiro apresado por
corsários ingleses conseguiu libertá-lo e capturar mesmo os assaltantes.
Estas acções de
corso, aliadas à ocupação da Terra Nova, em 1583, pelo inglês Gilbert
Raleigh, a destruição da maior parte dos navios portugueses na
«Invencível Armada», o assoreamento da foz do Vouga e as dificuldades
que a Coroa tinha com a segurança da Rota da Índia terminaram com a
participação de Portugal na pesca longínqua e, como hoje, o bacalhau
consumido pelos portugueses passou a ter origem estrangeira,
proveniente, principalmente, de Inglaterra e das suas colónias
Americanas.
Portugal esteve cerca
de dois séculos e meio sem pescar o «fiel amigo», mas, durante esse
longo período, os povos da Ria de Aveiro e, entre eles os Ílhavos, vendo
o seu porto de abrigo encerrado, lançaram-se ao longo da costa nacional,
criando novos pontos de pesca costeira, desde Matosinhos ao Algarve,
formando uma diáspora de lobos do mar audazes, referida por Almeida
Garrett e outros escritores nacionais. Foi essa diáspora, juntamente com
outros pescadores portugueses que, na terceira década do século XIX,
participaram no arrancar da nova safra do bacalhau. E os Ílhavos, que
ficaram no chão onde nasceram, quando sentiram a barra artificial da Ria
de Aveiro razoavelmente segura, lançaram-se novamente na pesca
longínqua, deixando para outros as areias douradas das praias, os seus
barcos «meias luas» e as redes costeiras.
António Angeja
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Fontes:
- Foral
outorgado por D. Manuel I a Aveiro.
- «Nouvelle
Géographie Universelle» (1890) – XV volume – «América Boreal» de Élisée
Reclus.
-
«Historia de Portugal» de Rebelo da Silva.
-
«Livro dos acordos da Câmara Municipal de Aveiro de 1580»
- «Trabalhos Náuticos
dos Portugueses» de Sousa Viterbo |