JORNAL
N.º 10

MAIO 1993  Ano V


ESCOLA SECUNDÁRIA HOMEM CRISTO - AVEIRO
COLABORA NO ENRIQUECIMENTO DO TEU JORNAL

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É MESMO MACACA, O RAIO DA VIDA!

Dois jovens, um rapaz e uma rapariga, aparentando uns doze ou treze anos, sentaram-se numa mesa ao lado da minha. Mandaram vir um refrigerante e uma tosta mista. Devorado com apetite o que tinham pedido, tiraram os cadernos e livros das pastas e propuseram-se estudar ou rever conhecimentos, Parece que iam ter um teste a uma dada disciplina, se não no dia seguinte, pelo menos durante a semana em curso.

Como tinha mais com que me entreter, deixei de prestar atenção aos dois que estavam ao meu lado, Se eles iam estudar, eu tinha uma revista científica que comprara, para me informar sobre as últimas descobertas e inovações da ciência.

Estava embrenhado na minha leitura quando a voz da mocita me trouxe de novo à realidade. Ela falava alto e não podia deixar de ouvir a sua voz cristalina e vibrante de energia:

— Tive um azar dos diabos em ter calhado numa turma tão fraca. Por mais que os professores se esforcem, os meus colegas não prestam a menor atenção. São barulhentos, desinteressados e não deixam que as aulas tenham rendimento. Alguns parecem-me parvos! Querem continuar ignorantes e, para cúmulo, prejudicam os poucos que querem aprender. Ao menos tu, foste cá um felizardo! Calhaste numa das melhores turmas da escola!

— De facto, tive mais sorte do que tu. As aulas são o máximo. Estamos já muito mais adiantados do que vós.

— É chato porem todos os alunos repetentes na mesma turma. Uns pagam pelos outros sem terem culpa nenhuma!

— De facto, tens uma certa razão. Eu cá, nesse aspecto, tive uma sorte incrível. Os alunos são bons e nalgumas disciplinas temos actividades interessantes. Olha, por exemplo, temos bibliotecas de turma nas línguas, com livros trazidos pela malta; e quinzenalmente até temos um clube. Tenho até alguns colegas que se inscreveram nos Clubes de tempos livres da nossa escola, Dois deles andam até num clube de jornalismo.

— Por acaso, na minha turma, o professor de Português também fez uma biblioteca de turma. Mas os meus colegas são uns grandessíssimos parvalhões! Não permitem que ela funcione normalmente. O professor bem tentou algumas vezes, mas o pessoal não soube aproveitar: era uma balbúrdia dos diabos. Aquilo era o fim da macacada e ele resolveu suspender a actividade até que a malta se porte melhor. E eu é que me lixo! Trouxe livros emprestados, gostava de poder levar outros para ler e assim fico a ver navios.

— O que é que vocês andam a dar no Português?

— Andamos há vários dias com as linguagens mistas. Neste momento andamos a falar de textos publicitários há montes de aulas, mas a turma não deixa avançar quase nada.

— O quê?! Vocês ainda só aí vão?! Nós já demos isso há montes de aulas!

— O que é que tu queres? A malta não tem juízo e o professor lá faz o que pode. Há tipos na turma que não fazem os trabalhos e nem livros nem cadernos têm. Só lá andam para prejudicar os que querem trabalhar. Há dias fizemos um trabalho de grupo e só alguns fizeram alguma coisa. Muitos baldaram-se e ainda preju­dicaram os que queriam trabalhar.

— Olha, tenho de concordar que tiveste um grande galo com a turma. Mas já desabafaste e agora é melhor estudarmos.

O jovem casalinho caiu novamente no silêncio, mergulhando na ciência dos livros. Eu voltei à minha revista. Restava-me pouco tempo livre. Daqui a pouco, tinha de ir abrir a loja para mais uma tarde monótona a atender clientes. Pelas duas e meia, levantei-me e saí para o malfadado balcão. E, pelo caminho, vieram-me à lembrança as palavras da mocita. E pensei: o raio da vida é mesmo macaca! Eu, que tinha gosto pelos estudos, fiquei amarrado a um balcão para o resto da vida, porque os meus pais não tinham dinheiro para me porem a estudar. Estes jovens de agora têm todos os meios para virem a ser alguém na vida e não sabem aproveitar o que têm! É mesmo macaca, o raio da vida!

Henrique J. C. de Oliveira, Registos da minha pena, 07/02/1993


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