José Estêvão

 
 
 

Discursos de José Estêvão

 

9 - Sobre o contrato do tabaco - 23/5/1857

 

 

SESSÃO DE 23 DE MAIO DE 1857

 

Triste, doloroso transe, Sr. presidente, deixar o túmulo de meu pai para vir visitar o túmulo do meu partido!... Sim, o túmulo do meu partido! Porque qualquer que seja a gloria das batalhas; a firmeza das lutas civis, a coragem parlamentar; qualquer que seja o esplendor da nossa história e o brilho dos nossos feitos, - tudo isso desaparece diante deste cego abandono dos princípios, diante desta subserviência a influências políticas obnóxias e rigorosas!

Peço desculpa a câmara de ter levantado a minha voz, sem lhe dizer donde falo.

Sr. presidente, eu falo à câmara da minha antiga cadeira de deputado da extrema esquerda. (Desci um pouco abaixo, porque o meu lugar não era este, (indicando a sua cadeira) em razão de umas benfeitorias que fiz aqui e que não quero perder.) (Hilaridade.) Eu falo à câmara da minha cadeira de antigo deputado da extrema esquerda; e falar-lhe-ei poupando as tradições deste partido, mas não vergando, por considerações escusadas de política, a força e vigor dos seus princípios. Eu falo à câmara deste terreno, hoje deserto pelo desamparo dos meus antigos e nobres colegas. Eu falo a câmara em nome da liberdade eleitoral infringida e desconhecida. Eu falo a câmara em nome da santidade dos concursos nos contractos de utilidade e obras públicas. Eu falo a câmara em defesa da união recta, justa e necessária da família progressista.  Eu falo à câmara dentre tantos postos tão nobremente defendidos, e agora tão tristemente abandonados. Mas o que eu diligencio é traçar, levantar de novo a cerca do meu partido, a cerca do partido progressista enobrecida por tantas lutas heróicas e tantos exemplos de abnegação, esta cerca hoje rota e obliterada nos seus limites pelo perpassar de pensamentos e actos puramente facciosos!

Sr. presidente, que foi a regeneração? A regeneração foi uma correcção utilitária à política demasiadamente teórica de todas as administrações passadas; foi a demonstração prática de que a liberdade era um meio de governo, e de que havia nos partidos coalizões úteis e profícuas. Mas a regeneração, depois de mostrar isto, desapareceu. Não era um partido político; era um facto acidental, que desapareceu, que acabou.

Sr. presidente, muitas diligências têm sido feitas para converter este facto transitório Numa tendência permanente, para converter esta liga passageira dos partidos na refundição desses mesmos partidos, para fazer, de um acidente político, uma organização partidária estável e duradoura!

E essa culpa não é minha. Eu apoiei a regeneração, e honro-me de a ter apoiado apoiei-a, porém, sem nunca apagar o facho tradicional que me era guia no meu partido. Mas é já tempo, Sr. presidente, é já tempo de que estas sugestões escondidas à imprensa, que não tem responsáveis, mas cujos inspiradores todos conhecem é já tempo de que estas ligações simuladas se rompam e desapareçam, e que o homem que se apontou, por tanto tempo, como um empecilho aos triunfos e às fortunas do partido progressista, seja julgado na presença desta câmara, se ela representa esse partido!

Sr. presidente, a regeneração instaurou pela primeira vez neste país os princípios de tolerância política: e essa política adoptada espontaneamente, depois de dias de um triunfo incontrastável, esse passo para uma proveitosa ligação de princípios, essa política de tolerância, foi levada a ponto de nesta casa não se conhecerem posições para serem chamados os indivíduos a participar do serviço público e das comissões mais lucrativas.

O Sr. ministro da fazenda tomou ontem, como um testemunho do seu merecimento, as ofertas que lhe tinham sido feitas de consideráveis empregos pelo ministério que eu apoiava. Esses actos foram puramente ministeriais. E eu não sustentava o ministério senão no parlamento; não entrava nos seus conselhos. Sustentava-o como um soldado destacado do partido progressista, diante do público, sem mais responsabilidade do que a que provinha do meu apoio como deputado. Portanto, declino a responsabilidade dessa escolha; e o que sei é que, se fora ministro, estando o Sr. Ávila na posição que ocupava, nunca da minha parte teria sido empregado pelo governo.

Mas que fiz eu nessas circunstâncias? Peço licença ao Sr. Manuel Passos para revelar, não um acto de deferência pessoal que tive com ele, porque a superioridade do seu merecimento e a dignidade do seu carácter estavam muito acima do facto em si, mas para provar, não como justificação minha, mas como exemplo do que pode a lealdade política, qual foi o meu procedimento quando o governo me pareceu especialmente disposto a considerar que a oposição daquele lado da câmara (o direito) era uma oposição toda livre nos meios de agredir o governo, sem contudo perder o direito não só à honra do serviço público, mas às graças e a consideração do país.

Sr. presidente, os deputados da esquerda, que sustentavam o governo, declararam-se, eles mesmos, inibidos de aceitar qualquer comissão lucrativa; mas não podiam consentir, não levavam a bem que o governo, tomando uma atitude a respeito de um partido que lhe fazia oposição, não a tomasse a respeito do outro. Assim, quando o Sr. Ávila foi nomeado para uma comissão lucrativa em Paris, dirigi-me ao Sr. Manuel Passos oferecendo-lhe da parte do governo a embaixada em Paris. E não lha oferecia para arredar o ilustre deputado das lutas parlamentares. A influência do seu nome é poderosíssima, mas o seu espírito inquieto, o seu cansaço das lutas civis tornaram-no um adversário respeitável, sim, mas não desses que se deseje arredar. Nesse sentido, nunca eu faria proposta alguma a nenhum carácter deste lado da câmara, (apoiados) e muito menos a faria ao Sr. Manuel Passos com quem tenho, é verdade, graves pontos de discordância, gravíssimos mesmo, mas para com quem seria indigno do meu carácter um tal procedimento. (Apoiados.)

O Sr. Manuel Passos não quis aceitar, como eu esperava; mas eu fiquei satisfeito recordando ao governo (que nem tanto foi preciso fazer, porque era essa já a sua intenção quando lho lembrei) que, para sustentar a posição de imparcialidade que se tinha proposto manter entre os partidos, fora e dentro do parlamento, seria conveniente provar, por alguma demonstração, a este lado da câmara que ele não estava em uma posição de réprobo, e que pelo menos era tão digno das mercês do governo como o outro lado.

O Sr. Ávila, como era natural, atribuiu ao seu mérito pessoal a comissão que se lhe oferecia, e aceitou; tanto mais que aquela proposta não prejudicava as suas ulteriores pretensões a ministro, porque o não levava para cima de salubridade equivoca, e sobretudo porque aquela comissão tinha de acabar por um relatório - que é a sua paixão e cegueira. O maior desejo do Sr. Ávila é fazer relatórios. Aceitou, pois, a comissão, em que teve ocasião de brilhar, sustentando a dignidade do país, embasbacando a primeira capital da Europa com a questão das três bandeiras, - e apresentando-se a final com o seu competente relatório.

Ao Sr. Ávila cabe-lhe a sorte de relatar; e tudo quanto ele relata - fica em relatório. Relatou o cadastro, e não se cadastrou; relatou a régie, e não se regeu; relatou a indústria, e quando os industriais portugueses folheavam aquele grosso volume, para achar nele alguma coisa que os pudesse ilustrar, perdiam o seu tempo, e ficavam sabendo tanto como sabiam antes de se darem a esse trabalho.

Mas ponhamos de parte o ilustre ministro, cujo vulto se perde no meio de questões mais graves e mais importantes, e permita-me a câmara que eu, como soldado velho do partido progressista, pergunte aos meus correligionários políticos como fizeram eles, como conseguiram, de que meios se serviram para que eu, depois de uma longa ausência dos negócios públicos, deixando o partido progressista empossado no poder, o viesse achar na situação mais periclitante, debaixo da influência de uma vaidade dissolvente e de uma autocracia fofa e insuportável, para dentro em pouco nos entregarmos todos a uma reacção desatinada? Pois eu era o culpado de que o partido progressista não fosse ao poder? Em que vos impedi? Quando me encontrastes como obstáculo? Foi por meio dos meus discursos ou pelos meus escritos? Não estava na câmara. Vigiastes bem o correio? Conheceis a minha correspondência? Encontrastes uma só carta minha, tratando das questões de estado? Nada disto! Como é então que não estais no poder? Dai-nos conta do que fizestes, porque esta regeneração de que tanto vos queixais, depois de ter governado no interesse desse mesmo partido, entregou o poder aos homens do partido progressista. Como é, pois, que, no momento em que vos considerava triunfantes, vos encontro fora do poder? Será porque acabaram as lutas políticas, e que os nobres deputados glorifiquem a paz, até ao ponto de serem comandados por um general inimigo? Ou será pelo gosto de dizerem: «Já cá temos o Sr. António José d'Ávila; caçámos este grande progressista!» (Hilaridade.)

Mas se os nobres deputados não deram combate, (e, portanto, não podiam ficar vencidos) como é que consentiram na transformação do poder, entregando-o a um partido constante adversário do partido progressista? E aqueles que confiam agora nele desconheceram os sacrifícios que temos feito para sustentar os nossos princípios e as nossas ideias, e foram entregar o poder outra vez nas mãos dos nossos antigos e encarniçados adversários!

Mas, Sr. presidente, quando a regeneração se levantou e derrubou o governo que então existia, era ministro o Sr. António José d'Ávila. E, se S. Ex.a indevidamente largou o poder Nessa ocasião, porque não puseram uma apostila nos decretos daquela época, e não exceptuaram o Sr. Ávila da sentença de reprovação política que então deram?

Sr. presidente, que precisão tinha o partido progressista de entregar a sua vida, a sua fortuna e a direcção dos seus negócios aos seus mais constantes e encarniçados adversários?

Se os Srs. ministros, que se sentam naqueles lugares e que não pertencem ao meu partido, foram encaminhados ao poder por um acto de abnegação dos meus correligionários políticos, penso que esse acto de abnegação foi infesto à liberdade política. Se foram levados por excesso de bondade, e de concerto com a maioria da câmara, então a maioria da câmara não deu uma prova de grande tino político. Se foram levados para satisfazer as exigências da coroa, então o meu trabalho foi perdido, e vejo que se conseguiu iludir a situação política, que eu pela minha parte sempre intentei criar para este lado da câmara e para os membros que representavam as ideias do progresso. E para que se fez isto? Para criar outra situação política bem mais precária, reconhecida tal pelo próprio Sr. ministro da fazenda, que nos disse ontem:  «Neste país não há governo possível, sem ser um governo de coalizão;  mas olhai que este não é governo de coalizão, porque entre mim e os ministros meus colegas há homogeneidade de ideias e tendências: somos todos a mesma coisa, e não sou representante de partido algum.»

Mas o nobre ministro da fazenda tem levado o seu empenho de justificar o seu passado até ao ponto de dizer que tinha feito a sua separação dos seus antigos amigos políticos, que com ele haviam estado no poder. Contudo, muito singular é ver que, se por um lado o nobre ministro da fazenda diz em toda a parte que está contente e satisfeito de lançar de si um certo partido que tem a mácula do nome de família, por outro lado o nobre ministro não deixa um só instante de acariciar as influências desse mesmo partido, de lhes fazer sinais de inteligência, de as convidar para um próximo triunfo, e de lhes dizer até a hora e o momento em que há de voltar as costas aos seus colegas do partido progressista.

E há ainda quem se deixe imbuir da declaração de que ele não deseja sacudir de si estes pobres e inocentes progressistas! Muito boa gente é esta, realmente, (riso) que acredita que pode haver concerto entre a maioria. e que não há de haver oposição. sendo ministros o Sr. António José d'Ávila e o Sr. Carlos Bento da Silva!

Sr. Presidente, para dizer a verdade, esta inesperada coalizão desafogou-me um pouco, porque, realmente, no meio da minha dor doméstica, que me privou por algum tempo de tomar parte nos negócios públicos, pela primeira vez na minha vida estive inquieto de que me viessem chamar para ministro. E não havia nada mais natural, depois dos clamores e intrigas que se tinham levantado em roda do poder, que se fosse solicitar essa parte do partido progressista, com quem se estava em dissidência, para se unir em volta do antigo partido e tomar conta do poder. Mas não se teve esse intuito preferiu-se a coalizão não se fez o menor trabalho no sentido a que me refiro. E contudo era o primeiro dever de lealdade dos que podiam nisso influir e não só o dever, mas um expediente extremamente praticável. Eu, no meu partido, nunca pensei em ser pretendente: e realmente o meu partido não tinha um pretendente menos incómodo...

Mas qual é a razão por que o partido progressista se não apresentou compacto e unido para formar um governo? Seria porque éramos acoimados de representar o Sr. Fontes e o marechal Saldanha? Pois não podia subir ao poder um governo composto desses seus adversários políticos? Podia: e os ilustres cavalheiros, a quem me refiro, não tinham outro remédio senão dar ao partido progressista o seu apoio. E se fosse outra a situação, não podia sustentar-se diante da responsabilidade política, que felizmente a regeneração instaurou neste país. Esta situação tornava-se impossível, e o ministério ou mudava de rumo ou desaparecia. Mas não houve tais ideias de união, e o resultado produziu isso que aí está, e a que se chama governo!

Sr. presidente, as lutas políticas, o contraste dos arbítrios governativos, a oposição de homens a homens, converte-se neste ignóbil jogo de pilha-pastas, jogo em que eu não quereria ver metido o meu partido.

Sr. presidente, há ministros de três qualidades: ministros de ofício, ministros de primeira ocasião e ministros de conjuntura própria.

Os ministros de ofício, Sr. presidente, são uma espécie de bufarinheiros políticos que correm todos os partidos, e vão por toda a parte vendendo e inculcando arbítrios financeiros e administrativos, cartas, constituições, coalizões, separações, junções e reuniões. O ministro assim dotado é ministro de ofício... Não, nem é ofício, porque não é embandeirado, nem está na Casa dos Vinte e Quatro, (riso) e os seus emblemas não podem aparecer em público.

Há ministros de primeira ocasião, Sr. presidente: são os homens que ficam pasmados da sua experiência e do seu talento, quando os surpreende a sanção oficial de conselheiros, de ministros, e que, passada esta ocasião, prostrados do esforço que fizeram para obter capacidade governativa, se admiram do grande salto que deram e da consideração que mereceram.

Os ministros de conjuntura própria são os homens de Estado que servem com os seus amigos, e muitas vezes com os seus inimigos quando essa junção se pode fazer sem virem retractar descaradamente as suas convicções, sem virem dizer que não era para hoje aquilo a que eles não tinham posto data, e que se reputava que era para sempre; são os que se não impossibilitam politicamente auxiliando a marcha dum governo qualquer, e que enfim não consideram as suas opiniões senão como um instrumento do bem público.

Sr. presidente, eu sei (e permita-me a câmara esta pequena digressão) que tenho um pecado secreto e imperdoável para com o meu partido: vou confessá-lo antes que mo lancem em rosto.

Dissolveu-se a câmara em 1851, por um acto do poder executivo, acto em que tomou parte um membro da Junta do Porto, porque esta fracção do partido progressista, que vós condenais, pôde fazer com que a regeneração elevasse ao poder a Junta do Porto, na pessoa dum dos membros mais conspícuos dela. Não podendo desenterrar o general que comandou as suas forças, foi buscar seu irmão para o representar no governo. E vós pecastes todos, porque perdestes o vosso prestígio deixando-vos governar por um homem que há de ser toda a sua vida inimigo de todo o progresso largo e realizável nesta terra...

Mas o pecado é este. Dissolveu-se a câmara de 1851, não sei porquê. (Dizem que fui eu que a dissolvi, quando foi o Sr. Seabra que assinou o decreto...)  Em seguida juntaram-se todos, fizeram uma reunião de oposição; e depois do que ouvi nessa reunião é que me fiz regenerador. E a razão vou dizê-la à câmara.

Fiz-me então regenerador, porque a regeneração começou nesse momento a ser regeneração; então é que ela mostrou a sinceridade das suas opiniões constitucionais e as suas vistas governativas; então é que ela se caracterizou. Cheia de vida, tendo conseguido do soberano um acto que autorizava a dissolução da câmara, e coberta pelo poder e pelo prestígio da espada do duque de Saldanha, não podia a regeneração lançar-se na luta eleitoral, não podia usar da sua influência dentro desse mesmo partido? E o que fez ela? O que fez? Manteve-se fiel e leal à significação política que tinham os actos revolucionários, donde tinha saído; foi poder revolucionário, depois de se poder entregar sem perigo a uma retrogradação sem limites. Fiz-me, pois, regenerador quando vi a luta eleitoral empenhada em uma questão, para a qual eu talvez não contasse com tanta decisão no meu partido político, porque, seja dita a verdade, sempre achei o meu partido um partido leal, franco, valente e guerreiro, mas mais inquieto do que revolucionário, pouco substancioso, muito musical, com muitos hinos, e com muito pouca disposição de lutar arca a arca, peito a peito, com os abusos que era do seu dever combater e destruir. Eu tenho vivido bastante no meio dele, e desgraçadamente vejo que o partido progressista, quando vai ao poder, não vai para pôr em execução as suas ideias, vai para mostrar que não tem ideias. Não sei se ofendo a câmara, (Vozes: - Não, não.) mas um homem político, separado das suas ideias, é um ser miserável, verdadeiramente miserável, qualquer que seja o seu talento, qualquer que seja o seu arrojo, a sua valentia e a força da sua vontade. (Apoiados.) É nada, absolutamente nada!

O partido progressista vai ao poder, empenhado, por exemplo, em deitar abaixo os morgados: chega ao poder e diz: «Nada; nós somos amicíssimos dos morgados; vivemos perfeitamente com eles, não os podemos destruir.» O partido progressista é um pouco avesso às instituições monárquicas, mas assim que chega ao poder, diz: «Nós adoramos a monarquia; não podemos viver fora dela:» e todos se fazem os maiores áulicos que é possível. Portanto, o partido não tem nada de temível: é mansíssimo, e tão manso que até enfastia o poder. Diz-se: «Está o poder sem ninguém...» Responde o meu partido: «Então não está aí o Sr. Ávila? Deixem-no estar, e nada de o contrafazer nem molestar: é necessário estar por tudo o que ele quiser.» (Riso).

Sr. presidente, eu, antes da dissolução da câmara, era equivocamente regenerador; mas depois da dissolução, depois que achei no governo carácter político, intenção política, plano político, coragem e decisão de iniciativa, decidi-me e fui regenerador até que a regeneração acabou, porque hoje essa denominação de regeneradores e não regeneradores, pode até certo ponto servir para determinados fins, mas não diz nem significa nada. Na regeneração há muitos homens que nunca hão de ser ministros; mas há outros que hão de ser convidados ainda muitas vezes para ocuparem uma pasta, e que a hão de aceitar, conforme a ocasião.

Sr. presidente, digamos a verdade: a regeneração revelou um homem distinto, um homem de talento, - e daqui vem a guerra que se lhe tem feito. Eu já li uma história dos suicídios na nação inglesa. Não há coisa alguma, a mais pequena insignificância que seja, por que um inglês se não tenha morto. Pois o partido progressista deixa-se atacar miseravelmente do spleen como um inglês, e diz: «Apareceu um homem de talento. Vamos a deitá-lo fora do partido progressista; toca a matá-lo, e quanto antes.» E isto porque apareceu o Sr. Fontes! O Sr. Fontes não é para os senhores se matarem.

Sr. presidente, os partidos têm tanta dificuldade em viver como em envelhecer; porque o envelhecer é uma coisa que custa fazer com dignidade. Um partido tem de se sujeitar também a esta condição; mas envelheça com amor as suas ideias, com amor às suas tradições e aos seus princípios, e reputemo-nos felizes por a Providência nos ter deparado homens que sejam os continuadores exactos das nossas ideias, que prossigam nos nossos princípios, e levem ao cabo as nossas empresas. Pois nós queremos que o país morra quando nós morrermos? Que patriotismo tão miserável! Eu vejo e vi sempre os moços com jubilo e satisfação: vejo-os com gosto, porque se me afiguram uma extensão de mim mesmo; porque me dão uma ideia, uma sensação de eternidade, e como que me não deixam morrer, tornando-se os continuadores das minhas ideias e dos meus pensamentos. E devo pagar aqui a dívida em que estou para com todos os parlamentares antigos desta casa, que me receberam, quando pela primeira vez aqui entrei, com sentimentos paternais, que me dispensaram todos os afectos e atenções, e a quem não ouvi senão fazer votos pela minha feliz estreia, e por que os meus pequenos talentos fossem sempre dedicados ao meu país.

Mas digo, Sr. presidente, todas as vezes que no partido progressista aparece uma capacidade e um homem de talento, trata-se de o matar. Ora eu entendo que se devia fazer exactamente o contrário, porque todos são poucos para curar os males que este país tem sofrido, depois de tão longa orfandade e abandono.

E a questão do tabaco?  me dirão os senhores.

Sr. presidente, eu também hei de dizer algumas palavras sobre a questão do tabaco.

Sr. presidente, este ministério, por mais que digam, é um ministério bruxo. Não pôde deixar de o ser. E para se ser deputado da oposição é preciso também ser bruxo é preciso ter bruxaria. O ministério chegou ao poder e, em um instante, matou o oidium tuckeri que destruía as vinhas, fez desaparecer o déficit fez com que os caminhos-de-ferro fossem possíveis, fez com que os capitais nacionais aparecessem, fez com que as companhias se organizassem! Um ministério destes, a falar a verdade, se não pode dizer como César: veni, vidi, vixi - é só porque não chegou a vencer. E não chegou a vencer porque os inimigos não lhe apareceram. Disseram: «Vem lá os ministros Ávila e Carlos Bento fujamos, e o mais depressa possível!» Não houve portanto combate.

Eu sinto que não esteja presente o Sr. ministro das obras públicas, porque esse é o meu ministro e secretário de Estado das obras públicas, comércio e indústria; esse governa por meu poder e influência. Por ora tem ido muito sofrivelmente, e tem servido a meu contento. (Riso.) Dei-lhe as ordens convenientes para que fizesse secar o oceano, e secou o oceano; (riso) ordenei-lhe que decretasse possível e factível o caminho-de-ferro do norte, e ele disse que era possível e factível ordenei-lhe que... Não lhe ordenei mais nada. (Riso.) Tem ido pois bem.

No que não foi bem, foi numa coisa e o Sr. ministro da fazenda, cuja irratibilidade é por tal modo esquisita que a qualquer objecção se... (Entrou o Sr. ministro das obras públicas.) Visto que entrou o meu ministro, vou conversar com ele sobre o estado de adiantamento dos negócios confiados ao seu cuidado, e que pertencem à pasta em cuja gerência ate agora se tem havido muito a meu contento. (Riso.)

Sr. presidente, noutro tempo dizia ao meu ministro que o caminho-de-ferro do norte era mais fácil de fazer e empreender do que o caminho-de-ferro do sul o meu ministro. Porém, costumado em outro tempo a ter diante de si o que se passava na Europa, não gostava muito do que eu lhe dizia. Avezado a transpor as fronteiras da nossa vizinha Espanha, e cuidadoso sempre em levar o seu nome pela Europa fora, não gostava que eu lhe dissesse: «Para que havemos nós de ir gastar a nossa moeda em caminhos-de-ferro que nos liguem com a Europa, quando temos ali a Espanha com bons portos de mar, e ciosa do nosso engrandecimento, e que por isso há de obstar a que nos liguemos com a Europa? É melhor gastá-lo nas nossas terras Onde ninguém dá leis.» O meu ministro não atendia então a estas observações: mas hoje deixou essas quimeras e hoje comprometeu-se comigo a fazer caminhos-de-ferro para o Porto. (Riso.)

O meu ministro queria fazer a estrada do Porto, e estava tão decidido a fazer essa estrada. que por todos os modos e meios queria que ela se construísse prontamente, pouco de lado o caminho-de-ferro. Eu disse ao meu ministro que não podia fazer essa estrada senão com muito dinheiro, e sobretudo com as obras necessárias no Vouga e Marnel, que haviam de levar, além de muito dinheiro, muito tempo. Mas o meu ministro, segundo o que lhe disseram do Porto sobre os meios e facilidade de fazer a estrada, deu ordens prontas e mandou alguns engenheiros examiná-la e estudá-la, dizendo-lhes que os trabalhos deviam começar e progredir impreterivelmente. Parece-me que também pecou com o tal impreterivelmente... (Riso.) Os engenheiros, porém, chegaram ao MarneI, ficaram estacionários, e mandaram dizer ao meu ministro que não podiam ir por diante com os trabalhos, que se carecia de muito dinheiro para os fazer; e o meu ministro, que não tinha dinheiro disponível para tal obra, deixou-se de estrada do Porto, e ocupou-se todo com caminho-de-ferro para o Porto. Fez o que devia fazer; e os factos convencem-me de que o meu ministro Carlos Bento, em estando no governo, é macio que é um regalo. (Riso.) Já o Sr. ministro da fazenda não é tão macio. (Riso.) Mas no que o meu ministro fez muito mal é no que se não fez em época nenhuma, no que está em contradição com os factos e com as doutrinas e princípios que o meu ministro sustentou quando deputado da oposição, no que se não pratica em parte alguma, no que não está em harmonia com as boas regras da governação pública, - e foi o contratar à porta fechada a feitura do caminho-de-ferro com um homem chamado Peto. Para o ministro contratar com este capitalista foi preterir todas as fórmulas legais. Fez esse contracto sem ouvir ninguém, e fez um contracto escandalosamente deplorável, por isso mesmo que foi feito com um homem cujas excelentes qualidades tinham sido objecto constante dos maiores e mais célebres elogios do ministro, quando deputado. E o ministro preferindo-o, e do modo por que o fez, se não é suspeito, como não é, praticou, debaixo deste ponto de vista, um acto indecoroso para o ministério. Eu, sendo ministro, sendo entusiasta como sou dos caminhos-de-ferro, estimando e desejando muito o caminho-de-ferro do norte, não o faria nunca, tendo de proceder como o ministro procedeu. (Apoiados.)

Não admito que haja ministros por capitalistas, que por causa de um capitalista, seja ele quem for, se alertem os nossos costumes e as nossas regras. aquelas que arredam para longe quaisquer motivos para observações menos lisonjeiras a respeito dum ministro.

Eu nunca me lembrei de que se pudesse proceder nesta terra duma forma, de que não há exemplo nem nos tempos mais calamitosos da nossa história! O que é contratar o ministro com um capitalista chamado Peto, e alardear depois que contratou com o homem mais rico, com o homem que tinha feito mais caminhos-de-ferro em toda a parte, e isto sem falar a ninguém, sem ouvir ninguém, sem consultar ninguém? Não suspeito do ministro; mas digo que o ministro praticou um acto que é altamente indecoroso para a dignidade dos poderes públicos e do sistema parlamentar!.... Repugna-me este acto: e, cometido, declaro que, se fosse chamado a votar o caminho-de-ferro do norte, votava-o, descarregando a responsabilidade do contracto sobre o ministro que o fez. Eu quero o caminho-de-ferro do norte, pelo alcance geral que ele tem. Porém, mesmo por interesse particular, eu não quero mais pagar uma moeda por passar uma barra, nem dar 100$000 réis para fazer uma pequena jornada. Assim, eu votaria o caminho-de-ferro do norte pelo preço que se tratou, apesar de, realmente, ser o contracto mais calamitoso, mais pesado e mais caro que se tem feito nesta terra.

Quando se tratou de semelhante contracto com o Sr. Peto, ele, segundo me consta, ficou espantado com o que sucedeu. O Sr. Peto, quando veio, trazia outro contracto, apresentou-o, e disseram-lhe logo: «Nada, o contracto há de ser feito de tal modo.» E este modo foi dando-lhe coisas que ele não pedia, e que nunca lhe deram em parte alguma! Ele ficou espantado, como disse. E vieram os Srs. ministros dizer à câmara que tinham ficado espantados de que o Sr. Peto não quisesse discutir as condições e as aceitasse imediatamente! Pois como, e para que havia de discutir coisas que lhe eram imensamente vantajosas? Não quis discutir, e fez muito bem. Se lhe davam 8.118.000$000 réis, com menos dos quais, ou com pouco mais ou menos, faz ele todo o caminho! Há dez léguas de terrenos no meu distrito, em que cada quilómetro fica por muito e muito menos preço do que o ministro das obras públicas lhe deu. Não gasta, em cada um desses dez quilómetros, 24.750$000 réis. Nem metade talvez. E o Sr. ministro das obras públicas fala na cláusula da responsabilidade! Recaia ela sobre quem tão latitudinariamente procedeu para com um capitalista, tão recomendado, como foi, por ele próprio!

Sr. presidente, o contracto do caminho-de-ferro do norte e exactamente, em muitos pontos, o contracto do caminho-de-ferro de leste. Os Srs. ministros actuais foram castigados com o que fizeram no contracto do caminho-de-ferro do norte. Tinham censurado o contracto do caminho-de-ferro de Teste, porque foi contratado com um indivíduo que tinha depois de formar uma companhia, para esta o encarregar da feitura do caminho-de-ferro; e agora contrataram o caminho-de-ferro do norte do mesmo modo. O Sr. Peto, em relação ao caminho-de-ferro do norte, é o mesmo que o Sr. Hislop em relação ao caminho-de-ferro de leste. A mesma coisa! Foi contratado o caminho-de-ferro do norte com o Sr. Peto, para este organizar uma companhia que lhe pagasse a feitura do caminho-de-ferro. As condições em que se contratou são horrorosas, as únicas em que na Europa se tem feito contractos desta natureza. E para assentar bem o ferrete da ignorância sobre este governo, basta dizer que quando se fazia o contracto com o Sr. Peto para o caminho-de-ferro do norte, dando-se-lhe a concessão por noventa e nove anos, em Roma se dava a concessão de um caminho-de-ferro por noventa e cinco antigos, e as restantes condições deste contracto. São muito melhores do que aquelas com que se fez o contracto com o Sr. Peto. Roma, a este respeito, está muitos anos mais adiantada que nós.

O contracto do caminho-de-ferro saiu armado com a lei das expropriações, que foi o que elevou a uma grande verba o custo do caminho-de-ferro de Teste. Os proprietários das proximidades de Lisboa preveniram-se a respeito do caminho-de-ferro de leste. Disseram: «Ah! os homens que contrataram o caminho-de-ferro de leste são ingleses? Vamos a eles!» E o certo é que os proprietários fizeram uma tal coligação, levados de certo por influências honrosas, (e eu creio que alguns são meus amigos) que pediram uma exorbitância por propriedades insignificantes: pediram 14.000$000 réis por sete palmos de terra!  E, debaixo desse ponto de vista, pesa-me a difamação do nosso país e a sorte do pobre inglês.

Ora, e quanto ao caminho-de-ferro do norte, pelo menos em dez léguas de linha, tão fácil é a via férrea como uma estrada. O nivelamento é como o de uma estrada ordinária. De maneira que, nessas dez léguas de caminho-de-ferro, a companhia ganha muito dando-se-lhe 24.000$000 réis por cada quilómetro e na maior parte da Tinha, exceptuando dois ou três pontos. o terreno é quase igual passa por charnecas, onde o valor das expropriações é nulo, os trabalhos dos aterros nulos são. Assim a companhia pouco mais gastará que os 8.000.000$000 réis, e tem a concessão por noventa e nove anos, além de muitas outras vantagens. Numa palavra, é o contracto mais atroz que se tem feito na Europa. Eu votava por ele, porque voto toda a espécie de atrocidades em obras públicas, principalmente quando o ministro, embasbacado em frente de certo capitalista, não vê a concorrência, não vê mais coisa alguma. Não se me tira da cabeça que o Sr. Peto veio recomendado ao Sr. Carlos Bento, isto é, que o Sr. Peto veio para fazer o Sr. Carlos Bento ministro. e o Sr. Carlos Bento foi ministro para fazer o Sr. Peto empresário do caminho-de-ferro.

O Sr. ministro da fazenda que, como eu dizia, sempre obedece a influências especiais que não poucas vezes se entretém com a leitura e outras finge que revê um discurso (daqueles que ele revê, porque alguns recebe-os e não os torna a mandar, não há mais vê-os...) que outras vezes desce o pescoço para o meio da gola do seu casaco como prevendo os continuados defluxos que o incomodam - o Sr. ministro de fazenda, não há meio nenhum de o trazer ao debate público em certas ocasiões! Aprouve ontem ao ilustre ministro taxar as minhas opiniões de pouco coerentes neste assumpto. e foi desencantar um trecho de um discurso meu, em que eu provava pouca adesão à régie. Se S. Ex.a tivesse a bondade de me ouvir, eu entendia-me com ele sobre este ponto. Eu sempre temi um ensaio infeliz da régie não por deficiência dos empregados, nem por fala de conhecimentos, nem por fala de zelo, mas pelo propósito de se fazer com que esse ensaio não desse os melhores resultados para então autorizar o contracto. Isso receio sempre! Esta medida só pôde ser tomada por quem a queira deveras. Aliás pode perecer.

O ilustre ministro, que maneja as cifras com a falsa habilidade que todos lhe reconhecemos, tirou do seu relatório um argumento para provar que o rendimento do tabaco pela régie havia de ter uma considerável diminuição. E tirou este argumento de quê? Das cifras comparadas do rendimento do tabaco antes da revolução francesa e depois da revolução francesa, no governo anterior à revolução e no governo de Napoleão! Ora isto é deplorável, perfeitamente deplorável! (Apoiados.) E não estranhámos já o entono (porque estamos habituados a ele) com que S. Ex.a cita os algarismos que não servem senão para invalidar a sua lógica. Antes da revolução, o contracto do tabaco em França esteve por arrematação e rendia uma certa soma; depois foi declarada a liberdade do tabaco; depois estabeleceu-se a régie. Que fez S. Ex.a? Comparou o rendimento da régie com o da arrematação, mas não se recordou de que a régie foi estabelecida sobre a anarquia da revolução. que destruiu não só essa renda pública, mas todas as outras. (Apoiados.)

«Mas vós prometestes abolir o contracto do tabaco, e não o aboliste!» Ora, Sr. presidente. porque não abolimos nós o contracto do tabaco? Primeiramente, propôs-se o sistema da liberdade do tabaco; e, diga-se a verdade; os temores, uns verdadeiros, outros falsos, que se têm propalado na câmara, existiram também na câmara passada, e começou a maioria a tremer, porque isto ia produzir um certo desequilíbrio nas rendas públicas entendendo que era preciso sacrificar a sede de melhoramentos diante desta consideração. O governo prudentemente cedeu à sua maioria, prudentemente retirou ou modificou a sua iniciativa. e tratou-se de estabelecer a régie. Mas para então se estabelecer a régie era preciso dar indemnizações aos contratadores, e à palavra indemnizações tremeu tudo! Nada se pôde fazer então, e como o tempo do contracto estava a acabar, entendeu-se que então se podia resolver a questão, sem votar indemnizações aos contratadores. Esta era a época própria de resolver a questão, mas o poder passou às mãos de Ss. Ex.as, e Ss. Ex.as levantam logo esta questão que discutimos. Esta é a história legal.

Eu, Sr. presidente, voto pela liberdade e voto pela régie. Voto pela liberdade, porque não tenho medo dela; e não tenho medo porque há entre os contratadores, entre as pessoas mais conhecedoras deste negócio, a opinião de que o tabaco, com o sistema de liberdade, dá para o estado 2.000.000$000 réis. O cálculo está ali; está no bolso de um dos nossos colegas, que foi contratador por muito tempo e que mo mostrou. E, Sr. presidente, o que me admira, o que me envergonha é que a maioria, que se diz progressista, estremecesse diante de uma reforma que não toca senão com a decima parte dos rendimentos públicos! Oh! Gente corajosa! Oh! Gente brava! (Riso.) Pois, Sr. presidente, que é o rendimento do tabaco? O rendimento do tabaco são 1.000.000$000 réis em 10 ou 12.000.000$000 réis, em que importam as receitas públicas. Se o partido progressista fosse chamado a resolver, em circunstâncias apuradas, medidas que revolvem toda a economia do país; se fosse chamado a prestar apoio firme e corajoso a estes homens certeiros, mas arrojados, que à testa dos negócios públicos, para satisfazerem uma exigência da opinião, uma necessidade instante das populações, são obrigados a manejar com mão forte o orçamento do Estado de alto a baixo e a alterar toda a economia do país se sir Robert Peel, cujas cinzas têm sido tão caluniadas, se esse grande gigante financeiro, que estão sempre a citar pigmeus e macacos parlamentares nesta casa, (riso) se sir Robert Peel precisasse e exigisse que esta maioria o ajudasse a fazer as grandes reformas que ele fez no seu país, que diria ele, Sr. presidente? Se apelasse para ela, amanhã levantavam-se todos, tomavam lugar na mala-posta, e iam-se embora, desertavam do seu lugar!… Pois, Sr. presidente, que são 1.000.000$000 réis nas finanças do país, quando o seu rendimento são 10.000.000$000 réis? E estão aquelas mãos a tremer! E está o Sr. ministro da fazenda a recear desta reforma  Aquele vulto espantoso, aquele gigante financeiro, que nós vimos tantas vezes, diante de nós, tirar do seu regaço tantas medidas salvadoras; que nos oferecia com as mãos ambas conselhos, bills de indemnidade, capitalizações, vendas de inscrições, e mil arbítrios que eu supunha muito bons, e que todos eram piores que aqueles que ele combatia;  (riso) onde está ele, esse gigante, que não pôde suprir um déficit de 1.000.000$000 réis, como se os 1.000.000$000 réis acabassem todos?! Isto é uma medida insignificantíssima...

E vejo o Sr. Manuel da Silva Passos contra a reforma! Oh, Sr. presidente! isto não pôde ser da idade e dos tempos não pode ser senão da flexibilidade estadista, aquela horrível flexibilidade..

O SR. PASSOS (MANUEL): - Não é.

O ORADOR: - … levada até ao heroísmo! Pois, Sr. presidente, que é isso para nós, soldados velhos do progresso? Que é isso para o ilustre ministro, que com o seu vulto impunha respeito às turbas populares, que com a sua lealdade recebia testemunhos de deferência do chefe do estado, que no parlamento combatia uma oposição ferrenha e tormentosa, e que no meio de tudo isto segurava uma revolução, e segurava-a incruenta, nobre e generosa? Que quer dizer isto perante o congresso de 1837, que lançou tributos sobre tributos, que durante um mês esteve aqui tributando as casas, os alimentos, as indústrias, e enfim até, para testemunho de progresso, tributando as cavalgaduras para conservar boas as estradas? Tínhamos muito boas estradas, (riso) tributamos os cavalos; quer dizer, fizemos pagar um tributo aos pobres cidadãos portugueses por não terem por onde andar. (Riso.) Já tributámos tudo isto, demitimos os marechais, fizemos umas poucas de constituições, (riso) mandámos uma divisão à Espanha, quase que íamos apanhando o general Gomez, uma vez, creio eu, este general que todos apanharam, e que nunca ninguém lhe pôs a mão em cima. (Riso.) E fizemos tudo isto, e hoje, não sei porquê, não sei se é respeito ao Sr. António José d'Ávila, (riso) e isso então era motivo sério, trepidamos por uma miserável e mesquinha reforma, (apoiados) que em outros tempos, nos tempos de glória e poder deste partido, se fazia por uma portaria!

Ora, Sr. presidente, dizem então que os contratadores do tabaco não têm influência! Eu não digo que os contratadores do tabaco não tem influência; digo que o contracto tem influência, e os contratadores têm influência. E, diga-se a verdade, é a ideia desta influência que nos faz pouco enérgicos. Este partido progressista tem um certo amor às reformas, mas tem também um certo amor aos monumentos antigos; é um partido com toda a educação moderna, mas com certa veneração pelo calção e a fivela. (Riso.) E já lhe vem este vicio dos seus antepassados, porque o bom e honrado congresso de 1822 pugnou pelo contracto do tabaco! Aqueles grandes revolucionários pugnaram pelo contracto do tabaco como coisa inocentíssima - e não lhe tocaram. Em Espanha não aconteceu assim, porque os seus revolucionários julgaram-se obrigados, em razão dos seus princípios, a destruir radicalmente tão odioso monopólio, e acabaram logo com o contracto do tabaco; mas cá os nossos antepassados, os nossos homens de 1822, proclamaram ao mesmo tempo a casaca de saragoça e o contracto do tabaco, e não lhe boliram. (Riso.)

Sr. presidente, pois não há de ser a influência do contracto do tabaco que faz isto? Não pode ser outra coisa! Já se sabe - a influência artística... Pois nem esqueceu aduzir, em benefício deste monopólio, esse espirro laudativo que deu John Bull, quando os nossos representantes na exposição de Londres lhe deram uma pitada. Nem isto! (Riso.) Espirrou, e espirrou em honra e homenagem ao contracto do tabaco... Mais uma razão para se sustentar!

Sr. presidente, «os contratadores não têm influência». Mas levantou-se o meu ilustre amigo, o Sr. ministro da fazenda, com aquele seu espírito de indiferença, digamos mesmo de abnegação, porque e uma verdade... Sim, o Sr. António José d'Ávila, na câmara passada, teve sempre as mãos estendidas, mas não foi só para dar bills de indemnidade, foi também para aceitar empregos...

O SR. MINISTRO DA FAZENDA: - Que não aceitei.

O ORADOR: - Essa foi a condição natural da sua oposição, e ninguém ainda combinou tão bem os seus interesses particulares com os seus deveres e os seus interesses de oposição. Isso é verdade, e nisso é o primeiro homem dos nossos tempos.

Mas veio o ilustre ministro e disse: «O Sr. Fontes nomeou pares do reino os contratadores; vós nomeastes contratadores do tabaco para a câmara dos pares.» Ora isto é grande argumento contra o contracto do tabaco! Em primeiro lugar, não há; contratador de tabaco nesta terra que não tenha sido titular, salvo aqueles que deram ordem ao guarda-portão de que, quando lá fosse algum correio de secretaria levar-lhe um título, lhe dissesse: «Vá-se embora, porque os senhores não querem cá disso.» Os mais, todos são titulares. E é o que tem de mau o contracto do tabaco. Pois o Sr. José Maria Eugénio, com a fortuna e o talento que tem, não era um bom par do reino? Mas o mal do contracto é diminuir as capacidades políticas e eleitorais: porque homem de talento e rico, sendo contratador do tabaco, não cheira bem no público... Ora o nosso patriciado é todo assim; não se pode mesmo contar a história das nossas grandes famílias, que se não conte a história do contracto do tabaco. Porque realmente não se fazia fortuna de outro modo: ou era o contracto do tabaco, ou o comércio do Brasil, ou as rendas dos arcebispos e bispos, e, depois que o Sr. António José d'Ávila foi ministro, alguma coisa de agiotagem... O mais não se conhecia. (Riso.)

Sr. presidente, eu ainda não sabia porque se tinha abolido o contracto do sabão; cuidei que tinha sido um acto de coragem e de reforma. Não foi; aboliu-se o contracto do sabão, porque como havia dois monopólios e eram ambos culpados, matou-se um para fazer viver o outro, e lançar ao morto as culpas que tinha o vivo, e para à sombra desta abolição se pedir um imposto, arredondar-se uma certa quantia e desafogar-se a fazenda pública. Por isto é que se aboliu o contracto do sabão; aliás não se abolia, porque o partido progressista, diga-se a verdade, está fanatizado, está perdido, está, não direi estultificado, mas enfim está mais que namorado, rendido de tal maneira ao Sr. Ávila, que eu vi já as fachas populares aqui arrastadas por esta sala, e um dos chefes mais notáveis deste partido estar ouvindo, com sofreguidão e consolo, as frases de progresso saídas da boca do Sr. António José d'Ávila!  Mas, Sr. presidente, se não fosse isto, o partido progressista não se atrevia com o contracto do sabão, porque (não há dúvida nenhuma) está extremamente debilitado. Não sei porquê, mas é a verdade. E isto serviu mesmo à lógica do Sr. relator da comissão, que sinto não ver presente, (Vozes: Está presente) à lógica do Sr. relator da comissão, que é as esperanças, os recursos parlamentares do futuro, o enlevo da situação actual. É uma lógica primorosa, mas, desgraçadamente, por muitas vezes coxa.

Sr. presidente, admiro o talento do ilustre deputado: ele é audaz e vasto, porque não conhece doutrinas que o limitem, audaz porque não encontra escrúpulos que o retenham. Lógica, Sr. presidente, poderosa e cerrada, como dizem os seus louvadores; lógica falsa, lógica frouxa, como diz não um seu louvador, mas um seu amigo.

Sr. presidente, eu experimentei um certo sentimento de dor, vendo em tão verdes anos tanto desassombro, tanta facilidade em rir de coisas sérias, tanta sobranceria para escrúpulos respeitáveis, tanto excesso de qualidades estadistas Numa idade em que os homens se fazem conhecer e valer mais pela sua autoridade do que pela sua qualidade.

Sr. presidente, eu disse ao ilustre deputado, e digo-lhe que será sempre um meticuloso reformista, e não está na sua mão o deixar de o ser, apesar da unção do meu amigo o Sr. Passos (Manuel), que a tem perdido em tantos clientes mal escolhidos, e do seu desejo de o fazer um homem popular, um homem progressista. Pode ser, e é natural que seja um homem respeitável, mas nunca um homem que se possa sentar logicamente nessas cadeiras. (Apontando para o lado esquerdo.)

O ilustre deputado fez coisas maravilhosas com a sua lógica. Disse que o meu amigo, o Sr. Latino Coelho, não viu os seus argumentos  Eu vi-os, e oxalá que os não visse! O ilustre deputado disse, por exemplo: «A questão não está estudada, porque fala o relatório; o que ali está não é o relatório que nós queremos; o relatório que nós queremos é o relatório da aplicação da régie ao nosso país; o relatório que ali está não vale nada.» Sr. presidente, em primeiro lugar, esta lógica assustou-me porque nos ameaçou com mais um relatório. Em segundo lugar, esse relatório «que não vale nada», foi feito e acabado pelo génio do século, pelo grande espírito deste tempo, por aquele elemento oculto que o ilustre deputado nele descobriu e que associou e equiparou à descoberta dos caminhos-de-ferro e do telégrafo eléctrico, - o lucro! E eu ofereço ao ilustre deputado, como lucro, todos os trabalhos feitos pela régie. Mas onde o ilustre deputado primou na sua lógica, foi ao querer provar que todos os vexames por causa do contrabando provinham, já se sabe, do monopólio do sabão. Disse o ilustre deputado: «O sabão é que é tudo, o sabão é que faz com que se invada a casa do cidadão; o tabaco não, porque o tabaco está só nos quintais.» E logo fez com que os quintais fossem declarados fora do sistema constitucional, e proibiu a todas as pessoas, que tivessem quintais de tomarem pitadas nos quintais.

Sim, Sr. presidente, o ilustre deputado argumentou perfeitamente. E não foi só isso que disse. O ilustre deputado quis provar que da régie se passava mais facilmente à administração, porque os contratadores tinham uma quantidade imensa de empregados que eram seus, e não se sabia que destino se lhes havia de dar: mas quando quis defender as prerrogativas que se davam aos contratadores, por causa dos seus empregados trazerem armas, disse: «Os empregados do contracto são empregados públicos.» De sorte que eram empregados públicos para trazerem armas, mas não eram para se fazer a reforma. O ilustre deputado argumentou assim perfeitamente: e se não reformar a sua argumentação, penso que faz bem em apoiar este governo, porque a sua argumentação é tão falsa como a situação a que está prestando os seus serviços.

Sr. presidente, como se todas as tendências políticas do ilustre deputado tivessem de ser reveladas na sua estreia, até, com espanto de todos, apareceu essa teoria criminal, nova e desumana, pela qual se punem os contrabandistas do tabaco, mas não aqueles que fazem uso do contrabando. Como se o contrabando nascesse só da diferença do preço do género e não do facto de haver quem esteja prometo a comprar, quem deseje e busque por melhor modo os melhores géneros! De maneira que um janota, que se tiver provido de uma grande quantidade de charutos, que alardear pelas ruas as suas relações com os contrabandistas, não terá pena alguma; mas o pobre contrabandista, que se arrisca a fazer esse contrabando à custa de muitas fadigas e perigos, esse tem cadeia e penas horríveis!

Eu, Sr. presidente, nunca fui contrabandista; mas, nos meus tempos de revolucionário, tive ocasião de ver o quanto aquela vida era trabalhosa. Pois saiba o ilustre deputado que não haveria contrabandistas se não houvesse quem usasse do contrabando. Esses contrabandistas estão ajustados com famílias que lhes consomem os seus géneros, e, se eles não achassem quem os consumisse, não faziam contrabando. (Apoiados.) Portanto, estas penas sobre contrabando precisam de uma séria reforma.

Sr. presidente, digamos a verdade, coloquemo-nos numa situação de lealdade; porque eu não sou deputado da oposição, e isto talvez pareça impossível.

UMA VOZ: - Não é! Pois não declarou que era oposição sistemática?

O ORADOR: - Eu lhe digo. Deputado da oposição, não sou como o fui anteriormente. nesta questão não o sou, porque o Sr. ministro da fazenda disse que fizeram desta questão uma questão política. Eu já disse aos senhores, francamente, (e peço desculpa de empregar este estilo familiar que é próprio do meu carácter, salvo a dignidade do lugar em que me acho) - eu já disse aos ilustres deputados que se convençam de que na regeneração há muitos cavalheiros que não querem ser ministros, e outros que o há de tornar a ser, e hão de ser incomodados para o serem, e muitas vezes. Não tenho, pois, empenho algum em que haja uma crise ministerial; tenho empenho em que não se vote o princípio de arrematação; e quando vejo tanta insistência para que ela se faça, receio que haja algum motivo que obrigue a isso, e sentirei que a maioria o não saiba. E, Sr. presidente, estas reservas são deploráveis, e até já não se usam. Sr. presidente, o governo que sacrifica tudo a este empenho há de ter para isso alguma razão. Mas eu vou propor o modo de resolver a questão o mais facilmente possível.

O contracto do tabaco tem uma casa, que é do estado; tem umas máquinas, que são de particulares, e que podem ser do estado, e dentro em pouco tempo pôde ter outras melhores. Tem um engenheiro, o Sr. Black, o qual eu arranjo, assim como ofereço os homens que fazem charutos, e muitos mais, porque muitas vezes tenho a minha casa apinhada de gente que deseja ser empregada neste trabalho. Arranjo tudo isto, e ofereço também o Sr. Joanes, meu amigo particular. E se querem os 600.000$000 réis, também os arranjo! Eu arranjo, pois, o contracto e os 600.000$000 réis. A câmara decreta que é dado a José Estevão Coelho de Magalhães o contracto. Muitos estão persuadidos de que o contracto é que dá tudo ao estado, mas o estado é que dá tudo ao contracto. (Apoiados.) Não tenho nada de meu; não quero apresentar um balanço do meu activo e passivo, mas não há nesta casa ninguém menos capitalista do que eu; no entanto proponho-me para contratador e prometo dar contas perfeitíssimas! Pois o que é a questão do contracto? No contracto, o fabrico é absolutamente nada: o fabrico faz-se numa máquina, como os senhores lavradores fazem o seu azeite e vinho, ou como os senhores fabricantes tecem os seus panos. Sr. presidente, não quero fazer a resenha das famílias contratantes, mas não conheço uma só grande fortuna que não tenha tido parte no contracto. A questão reduz-se a uma percepção do imposto. Pergunto eu: qual é o imposto mais caro ao país? É o do tabaco; porque, decididamente, fica pelo menos ao contracto talvez outro tanto do que ele dá ao estado. Peço a atenção especial do Sr. ministro da fazenda, e pergunto ao Sr. António José d'Ávila, ministro dos negócios da fazenda, se há capitalistas portugueses que lhe foram pedir para administrar o contracto por conta do estado, assegurando uma certa soma, e ficando com o excesso, mesmo repartindo parte dele com o governo? Além disso, uma pergunta mais: se ele tem tenção, como já se disse, e como parece, de anular todos os trabalhos do parlamento sobre esta questão, fazendo com que ela volte à comissão, e metendo depois debaixo dos bufetes da secretaria todos os papéis concernentes a ela? Faço estas duas perguntas para que S. Ex.a haja de responder-me antes de se votar a matéria. Quero saber isto.

O SR. MINISTRO DA FAZENDA (ANTÓNIO JOSÉ D'ÁVILA:) - A resposta é muito fácil. Se o ilustre deputado dá licença, eu respondo.

O ORADOR: - Pois não.

O SR. MINISTRO DA FAZENDA (ANTÓNIO JOSÉ D'ÁVILA:) - A resposta é muito simples. Pergunta o ilustre deputado se se dirigiu ao governo alguma proposta de capitalistas garantindo ao tesouro uma certa soma pela administração do contracto do tabaco, e para dividir a diferença entre essa soma e os lucros que houvesse pela companhia e pelo governo. Digo que não. Apresentou-se-me um papel, em que se não fixou soma alguma. Perguntou-se-me se porventura o governo estava disposto a tratar com alguma companhia a qual garantisse uma soma; mas não se designava soma alguma: e já se vê que não se pode admitir uma coisa tão vaga. Eu respondi, a quem me apresentou esse papel, que, sem a câmara se pronunciar sobre a arrematação ou administração, não podia dar resposta definitiva a este respeito.

Pergunta mais o nobre deputado se a minha intenção é enterrar estes trabalhos na comissão de fazenda. Ainda que eu o quisesse fazer, dependia isso de mim? Pois a comissão de fazenda não pode apresentar um parecer sobre as emendas e aditamentos que têm sido apresentados durante a discussão? Parecia-me que a pergunta era ociosa: mas se quer uma resposta, eu lha dou, dizendo que ninguém deseja mais do que eu que a comissão dê com a maior brevidade possível o seu parecer sobre esses aditamentos e emenda.

O ORADOR: - Bem queria eu que o Sr. ministro respondesse, não há dúvida alguma. O Sr. ministro não faz tenção de atender à proposta a que me referi; vejo que S. Ex.a tem o propósito de arrematar o contracto a todo o custo, porque S. Ex.a. diz que, só depois de se decidir que se arremate o contracto, é que há de decidir se há de ou não aceitar a proposta a que me referi…

O SR. MINISTRO DA FAZENDA (ANTÓNIO JOSÉ D'ÁVILA:) - Isso é claro. Quer o Sr. deputado ver a proposta? Tenho-a aqui, e não tenho dúvida alguma em lha mostrar. Depois o ilustre deputado dirá se se pode aceitar como esta.

O ORADOR: - Não se poderá aceitar a proposta; mas pode tratar-se com as pessoas que a fizeram. Mas é que S. Ex.a não quer tratar com elas, porque só quer arrematar o contracto, e com essa ideia despreza quantas propostas se lhe apresentarem, ainda que sejam do maior interesse público.

O SR. MINISTRO DA FAZENDA (ANTÓNIO JOSÉ D'ÁVILA:) - Isso fez-se em 1856, não é agora.

O ORADOR: - É agora como nunca foi; é agora como nunca mais há de ser; porque este é o último ministério de que o Sr. Ávila há de fazer parte; porque o Sr. ministro nunca foi ao poder debaixo de tão maus auspícios, e se ele respeitasse a maioria e a maioria o respeitasse a ele, tinha este negócio seguido de outro modo. Mas, desgraçadamente, não aconteceu assim, e o Sr. ministro não quer ouvir proposta alguma com relação ao contracto do tabaco, porque tem determinado e decidido, por conveniências, quaisquer que sejam, arrematar o contracto, e a maioria cede e vai com ele. Se não fosse assim, havia a questão de decidir-se de outro modo; mas o Sr. ministro não quer, e a maioria está por tudo.

Eu, Sr. presidente, peço perdão à regeneração; tenho a pedir-lhe perdão por timbre e honra do meu partido. Homem consciencioso, não fui um embaraço de governo para ela, porque os escrúpulos que lhe queria opor, esses mesmos ela tinha. Mas eu, na posição que ocupava, representava sempre ao governo que atrás de mim estava um partido forte e vigoroso, com uma escola imaculada, um partido doutrinário, e cujos princípios e ideias eu professava e do qual me não podia separar, porque era isso contrário à minha consciência. Enganei-vos; mas enganei-me a mim mesmo, porque o meu partido não é este. Enganei-vos e enganei-me! Nada disto é do partido progressista; este partido não o conheço, não é ele! Eu, como membro do partido progressista, se me tivessem proposto negócios desta espécie, não os podia aceitar. Peço perdão, mas o partido progressista ou não é este, ou referveu-se-lhe a consciência não sei como!

Mas eu ia dizendo que o contracto do tabaco não dava nada, o governo é que dava tudo. Pois o Sr. ministro da fazenda faz-se um grande mérito em arrematar o contracto do tabaco sem o sabão por 1.200.000$000 réis?  Pois é isto uma coisa que espante, que maravilhe?! Pois por quanto foi arrematado o contracto do tabaco pelo Sr. conde de Farrobo em 1833? Por 1.000.000$000 réis, sem o sabão. Peço à câmara que pondere isto, e que pondere que me estou referindo a homens que já não existem, patriarcas venerandos do sistema constitucional, a homens do partido cartista, que foram acusados de retrógrados por este lado da câmara. Vejam-se as explicações que eles deram, Naquela ocasião, por terem arrematado aquele monopólio odioso. O contracto do tabaco tinha sido abolido nas ilhas, nesse momento de angústia para Portugal, porque o governo da Terceira foi um governo dos mais liberais, talvez porque tivesse o carrasco ao pé da cabeça... Tinha sido abolido o contracto do tabaco por um decreto na ilha Terceira. No Porto, circunstâncias urgentes obrigaram o governo a revogar esse decreto e a arrematar aquele monopólio. Depois, tratando-se dessa questão no parlamento, as razões que se deram, para desculpar até certo ponto esse facto, foram o abandono da esquadra, a fala de viveres no Porto, e a demissão do ministro da fazenda, entregando os destinos da causa pública ao acaso. Foi então que o Sr. José da Silva Carvalho (cuja memória me é sumamente cara, porque morreu quase que distribuindo comigo os afectos que consagrava aos seus filhos) foi então que o Sr. Silva Carvalho, tendo sabido do ministério o Sr. Mousinho da Silveira, homem de doutrinas, de grande talento, de consumado saber, mas timorato para as circunstâncias em que se achava a fazenda pública tomou as rédeas do governo, e decidiu arrematar o contracto por 1.200.000$0OO réis. E houve quem aceitasse, prescindindo da simpatia da cansa; houve quem aceitasse, e de quem? não do governo de Portugal, mas de um governo revolucionário, mas de um governo sujeito ao acaso das batalhas! E esse arrematante não duvidou adiantar desde logo somas consideráveis por conta dessa arrematação. E no fim de vinte e cinco anos vem o Sr. Ávila cheio de entono dizer aqui: «Hei de arrematar por 1.321.000$000 réis!» Pois naquela época arriscada, arriscadíssima, pôde arrematar-se o contracto por 1.200:000$000 réis, o tabaco tem ido sempre rendendo progressivamente, e vinte e cinco anos depois, em perfeita paz, não há de render mais?! Pois é uma grande proeza arrematar hoje o contracto por 1.321.000$000 réis?!

Sr. presidente, qual é o meio mais eficaz para evitar o contrabando? É o abatimento de preço, a melhoria do género. Mas dando-se o contracto por arrematação, como e que o governo pode melhorar o preço do género, como pode melhorar a sua qualidade? Suponhamos que amanha havia uma revolução política na Europa, e que, por virtude dela, todos os governos da Europa recorriam ao melhoramento de preço em todos os géneros. Suponhamos que abatia o preço do tabaco em toda a parte. Em que estado ficavam as rendas públicas neste país? De todo arruinadas  porque esta câmara, pelo modo por que podia atacar o monopólio, veio ainda este anuo pô-lo em arrematação. fixando-lhe o preço! Ora pode o governo, por modo algum, fazendo agora um contracto particular, ter a liberdade necessária neste assunto para mais tarde fazer um abatimento de preço, e melhorar o género? Decerto não pode.

Sr. presidente, nos contractos anteriores ainda havia certos tribunais, como era a junta do tabaco, que superintendia na qualidade do género. Hoje não há nada disso. Os contratadores podem fazer o que quiserem, em quanto à qualidade do género, e não pode haver alteração no preço, por isso que o preço é fixado na arrematação.

Se eu não receasse cansar a câmara, correria alguns pontos da história parlamentar a respeito do contracto do tabaco mas ainda confio em alguns momentos da sua benevolência para, em todos os negócios do contracto do tabaco, podermos recorrer, eu e o governo juntos, aos nossos vastos arquivos parlamentares. Eu peço, portanto, à câmara e ao nobre ministro da fazenda, não a atenção que se presta ao orador, mas a atenção que se dá ao conversador bem vindo.

Em 1837, o Sr. Passos (Manuel) propôs às cortes um projecto de lei para se aumentar um certo valor no preço da renda do contracto do tabaco, sendo os contratadores autorizados a vender o género por um preço mais elevado. Oh! Sr. presidente, eu não posso contar miudamente o que aconteceu nesta casa. Já vejo um meu ilustre amigo fazer um sorriso afirmativo, e vejo outro meu ilustre amigo acenar-me com a cabeça. Para o meu trabalho ser bem compreendido, havia V. Ex.a de dar a palavra a cada um dos oradores que quisessem vir a estas recordações. Então a câmara saberia apreciar bem estes episódios! O Sr. Passos (Manuel) veio à câmara, e disse: «Contracto do tabaco, dá para cá 200.000$000 réis, e venderás mais caro.» O contracto disse: «Nada, eu não quero, porque, se vendo mais caro, tenho um grande contrabando, e perco.» Está presente o Sr. Faustino da Gama; permita-me S. Ex.a que eu me recorde das nossas glórias passadas e das nossas camaradagens heróicas. O meu ilustre amigo era então membro da comissão de fazenda, e membro conspícuo e influente, e teve de sofrer todos os martírios o Sr. Roque Fernandes Tomás. (Leu).

Eu estou com a cabeça cheia de recordações instrutivas e curiosas! Lembra-me, por exemplo, que um dos mais honrados e mais brilhantes talentos que houve nesta terra, o Sr. Santos Cruz, homem todo de teorias, todo poético, que ninguém supunha que fosse capaz de entrar numa questão prática, numa questão de governo, produziu grande impressão na assembleia com um discurso cheio de razões filosóficas e argumentos tão concludentes que nos levou à vitória. Eu, nessa questão, não falei: não podia falar, porque era amigo partidaríssimo do Sr. Ferreira Pinto; ele tinha sido contratador do tabaco, e nesta terra, quando se faz alguma coisa com relação ao contracto do tabaco, tudo o que se diz tem referência ao contracto que foi, ao contracto que lhe sucedeu, aos contratadores que foram, aos que estão, e aos que hão de ser. De maneira que o primeiro favor que devo ao contracto do tabaco, foi tornar-me inútil para poder falar então nessa discussão.

A questão venceu-se com muito custo, mas creio que não ganhámos nada; porque depois veio a questão das indemnizações. Agora é objecto que contende com o Sr. António José d'Ávila. Qualquer que possa ser o preço que se fixe para a arrematação, o preço há de ser sempre o que os contratadores quiserem. Pouco importa dizer o Sr. Ávila: «Eu arremato por tanto ou quanto.» (Ele mesmo é que o disse). Toda a gente ficou entendendo que depois, quando os contratadores já estiverem na posse do seu contracto, virão por qualquer circunstância excitar o coração compassivo do nobre ministro da fazenda, que muitas vezes não terá coração compassivo para as lágrimas do pobre, mas que ao contracto, a esse dá-lhe indemnizações. Para que é comprometer-se a que há de arrematar por tanto ou quanto? S. Ex.a arremata pelo que quer, porque no fim de contas vêm os interesses do contracto, e levam S. Ex.a a dar-lhe o que ele quer de indemnizações.

Sr. presidente, em 1849 veio outra vez nova questão com o contracto. Nós assistimos às mais renhidas e corajosas batalhas que se podiam dar entre Horácios e Curiácios. Mas viram-se também os mais conspícuos oradores do parlamento fazendo fogo uns contra os outros, porque não era possível entrar nesta discussão por um e por outro lado, sem que a calúnia ferisse mais ou menos severamente todos aqueles que Nela tomavam parte. Até o nosso velho amigo João Elias se viu na necessidade de testemunhar as nossas recordações! Até o contracto do tabaco Nessa ocasião não poupou o nosso antigo amigo o Sr. João Elias, que é tão boa pessoa. (Riso.) Lerei à câmara o que dizia o Sr. João Elias. (Leu.)

Ora vejam se isto não faz dó, se não causa pena ouvir esta alocução por causa do contracto do tabaco!

Chego à mais importante e mais instrutiva época. Sr. presidente, horroriza tudo o que achei nas mal aventuradas indagações, que fui obrigado a fazer para trazer a câmara algumas memórias dessa época.

Horrorizam-me, Sr. presidente, todas as calúnias, todas as infamações, todas as corrupções, todas as vigílias de ambição ou de dó, que o contracto tem causado nesta terra; mas não lhe posso perdoar uma página pungentíssima escrita contra o Sr. ministro da fazenda, António José d'Ávila. E escrita por quem? Pelo seu colega, o Sr. Carlos Bento! De maneira que o contracto do tabaco não deixa intacto nenhum homem político, não deixa possível nenhuma coalizão honrosa! Aqueles dois homens em oposição completa, escrevendo um contra o outro e sem pensarem que haviam de aparecer agora pessimamente ligados, pessimamente unidos, um ao pé do outro, o colega censurado ao pé do colega censor, o colega réu ao pé do colega juiz! Isto são coisas que se devem tratar depressa, porque se não pode resistir a agitação tão forte.

Sr. Presidente, era a célebre questão das indemnizações. a chave honesta como diz o Sr. ministro da fazenda, que resolve todas as questões do contracto do tabaco, e que dá satisfação a todas as calúnias: e uma verdade, e como não há de ser assim, se ele tem o tesouro a sua conta? Nessa célebre questão das indemnizações dizia o Sr. Carlos Bento: (Leu.) (Interrupção.) Eu falo do Sr. Fontes, que votou pelas indemnizações. Sou amicíssimo do Sr. Fontes, como ministro: acho-lhe qualidades superiores a todos os homens políticos que tenho conhecido, (apoiados) mas conservando-me sempre no meu posto. Agora, ao Sr. Ávila, apoiei-o uma vez com as armas na mão, quando vi o seu zelo em servir a pátria: e não pude deixar de o apoiar Nessa ocasião, admirado de ver a posição que então tomava um homem carregado das condecorações de toda a Europa, um homem que, digamos a verdade, foi o primeiro que, com um tino raro, previu que Napoleão ainda havia de subir ao poder, que ainda havia de representar o papel que está representando na Europa! Um homem que se corresponde com todos os ramos da família daquela casa, um homem que tratou de se relacionar com todos os membros dela, quando estavam decaídos! Era o maior napoleonista que havia! (Riso.) Em suma, o Sr. Ávila é como um dos membros daquela família: e nós temos um ministro da fazenda em relações inumas com toda a família de Napoleão, à qual explicou as coisas mimas de Portugal, o nosso orçamento, o nosso modo de viver, etc.! E estas informações que deu foram ditadas por amor da ciência e espírito de cosmopolitismo. O Sr. Ávila há de ser ministro da fazenda sempre, e não o sendo aqui vai sê-lo noutra parte. (Riso.) É vassalo de todos os reis, e consta-me que até se está habilitando para ser ministro de uma pequena república porque me dizem que tem carta de cidadão de Ragusa. A paixão de ser ministro é como outra qualquer, e desta forma tem para nós uma vantagem, porque nos dá algumas ferias da sua administração. (Riso.) Sim, se a coisa é tão boa. reparta-se por todos. e assim fica descansado o Sr. Carlos Bento. Mas ainda há mais. (Leu).

É um gosto achar sempre o mesmo carácter nesta prontidão dos apartes, nestes segredos, nestas interrupções eu não posso ler mais, porque é tudo assim.

Sr. presidente, a questão do contracto do tabaco tem sido uma questão nefasta, uma questão que tem acobardado todos os poderes do Estado, que interrompe a acção de todos os corpos políticos, e que os tem lançado em grandes dificuldades. De cada vez que se arremata o contracto do tabaco, pululam imensas demandas: não há contracto do tabaco que esteja liquidado, e não há contratador do tabaco por mais importante que não tenha tido imensos desgostos, como sucedeu a uma família, com os sentimentos que todos nós conhecemos, a quem o contracto não trouxe senão a perda de grandes capitais, senão a discórdia e a inimizade.

Mas, Sr. presidente, o que me horrorizou foi o despejo, o desapego, o entono com que o ilustre deputado, relator da comissão, desprezou a calúnia. «Que nos importa a calúnia?» disse o ilustre relator. E isto porquê? Não por salvar o estado, não por manter a nossa nacionalidade, não por adiantar os elementos da nossa civilização, mas para salvar cento e tantos contos de réis!  Horroriza-me este desalento da nossa própria reputação, este desapego contra a calúnia e contra os seus ardis e as suas invectivas.

Sr. presidente, eu passei ainda agora por Pombal, onde há uma ermida em que está a imagem da Senhora do Cardal. Defronte da ermida encontra-se um forno, que se acende no dia da festa, e onde, estando aceso, entra um homem que dele sai incólume. Mas isto custa apenas alguma lenha, o serviço de duas ou três pessoas, e as esmolas dos devotos... Ora que, para festejar os milagres da Senhora, se faça isto, entendo eu. Mas estar a alimentar com centos e centos de contos de réis este fogo de calúnias, para o atravessarem meia dúzia de indivíduos e saírem incólumes, pode ser festa divertida, mas é caríssima! Admira-me, Sr. presidente, como o ilustre ministro da fazenda pode palpar com as mãos trémulas as cicatrizes que lhe fizeram as calúnias, e apertar a mão que lhas vibrou. É um sentimento próprio de todo o homem moral, de todo o homem cioso da sua reputação, repelir e destruir, se pode, todas as instituições que alguma vez tenham servido para manchar o seu crédito e quanto mais pura fosse a consciência de S. Ex.a», maior devia ser o seu rancor contra esta entidade, que S. Ex.a quer sustentar sem razão alguma de utilidade pública. (Apoiados.)

Sr. presidente, quando eu vejo homens que, por causa do contracto do tabaco, têm sido caluniados, têm sofrido toda a casta de tormentos e de martírios, homens que o vitupério e a afronta não têm poupado, quando vejo esses mesmos homens a levantar agora os mesmos instrumentos de tortura com que mais tarde hão de ser supliciados; quando os vejo trémulos, mas decididos, juntando todos as peças desses instrumentos, para depois dizerem: «Lá me quebraram os ossos, lá me caluniam!  Eu sou um homem honrado, um homem probo! Malditos jornais! Horrível contracto!» - eu não sei como responder-lhes senão: «Pois fosses honrados, mas tivesses juízo.» De modo que eu rio-me. Eles gostam da calúnia não lhe têm horror nenhum. Pois se tivessem horror à calúnia, vinham dar motivo a que fossem caluniados, vinham vender todos os seus foros morais por 100.000$000 réis?  E dizem-se ministros da fazenda! Qual era o particular a quem se dissesse: «Eu livro-vos da calúnia, livro-vos duma grande fabrica de calúnias», que respondesse: «Não me importa a calúnia. Não quero podeis continuar a dizer mal como dantes»? Isto em um homem tem nome. Em um governo não pode ter nome. porque escandaliza o público!

Eu pela minha parte também não temo a calúnia mas desejo que ela se extinga ou diminua, e não que se dê motivo a que ela se avivente.

Alguma coisa deve haver também (e eu confesso que ainda não atinei com os motivos) para que o Sr. Ávila diga: «Eu arremato o contracto do tabaco, e não administro, porque não posso nada; não administro, porque não sou nada; não administro, porque não sei nada; não administro, porque sou imbecil; não administro, porque não tenho coragem; não administro, porque os empregados não fazem caso de mim; não administro, porque sou um ministro fraco; não administro, porque não estudei a questão!» Pois para uma vaidade destas, uma vaidade colossal, se abater deste modo, para desconfiar de si, para se julgar inepto, desobedecido, sem saber dos factos, sem conhecer as teorias, mal e pouco cuidadoso, para se confessar tudo isto - é preciso haver algum motivo... Restava só uma coisa, e era que tivesse a coragem de se declarar suspeito. (Riso.) Ali parece-me que parava o seu patriotismo, e que não arrematava o contracto do tabaco.

Vamos a pôr as coisas na razão, e acabo. Nós podemos resolver esta questão de dois modos: ou por um modo abrupto, ou pelo princípio de concórdia. Pelo princípio de concórdia é o Sr. ministro da fazenda juntar-se com o Sr. ministro das obras públicas, e declararem à questão da régie questão Peto. Dizem ambos: «A régie é Peto» - e vota-se logo imediatamente. Porque na questão da régie sendo Peto, imediatamente aparece dinheiro; na questão da régie sendo Peto, desaparecem logo todas as dificuldades; na questão da régie sendo Peto, o negócio está estudado; na questão da régie sendo Peto, tudo sai bom, magnífico; na questão da régie sendo Peto, os empregados serão todos honrados e zelosos; na questão da régie sendo Peto, o tesouro não perde um real; na questão da régie sendo Peto, não há falta de meios; na questão da régie sendo Peto, tudo é feliz, tudo há de ser abençoado! Não há mais nada: é declarar a questão da régie - questão Peto.

Mas vamos que o Sr. ministro da fazenda esteja receoso: tem medo, não quer administrar, precisa já do dinheiro. Eu, sendo ministro, e achando-me no lugar e circunstâncias de S. Ex.a», vinha à câmara, (isto é uma paródia mal feita desta situação ordinária), eu vinha à câmara e dizia desta maneira: «Eu tenho necessidade, por considerações de ordem pública, de arrematar o contracto pelo tempo de três anos, porque tenho combinações, conveniências financeiras, e não posso prescindir para elas do contracto do tabaco. Mas, leal e francamente, a minha intenção não é por modo algum conservar este monopólio no país para todo o sempre; e, portanto, ao mesmo tempo que a câmara votar a continuação da arrematação por mais três antigos, vote a sua extinção no fim deste prazo, ou, se não votar a sua extinção, vote proposições que demonstrem a nossa sinceridade em abolir o contracto.» Mas S. Ex.a não me ouve, nem quer ouvir...

O SR. MINISTRO DA FAZENDA: - Tenho estado a ouvir.

O ORADOR: - Nem me pode ouvir, porque S. Ex.a é, em política, o mais materialista que se pode ser: em quanto tem um voto, dorme à custa da sua maioria, tabaqueia à sombra da sua maioria, indemniza à sombra da sua maioria, e, ainda que por um momento se vá embora, torna logo outra vez. Eu nunca tive desejo de ser rei senão para ter o gosto de que S. Ex.a fosse ministro perpétuo; seria sempre o meu ministro da fazenda, o Sr. António José d'Ávila!

Sr. presidente, ainda mais. Pois porque não há de o Sr. ministro da fazenda no seu rigor fiscal, no meio do seu entusiasmo pelo monopólio, deixar surgir uma aurora de esperança para as pobres ilhas dos Açores, que lhe deram o berço, e que S. Ex.a no meio da sua severidade patriota não considerou, nem quer considerar: aquelas ilhas, e a Madeira, onde S. Ex.a foi já exercer, não sei se o cargo de lugar tenente para matar a cólera... Ah! não.!... Foi à Madeira, como papa, para extinguir um cisma religioso, que então ali existia... Foi rival do meu ilustre amigo o Sr. José Passos. Porque não há de S. Ex.a permitir que naquelas ilhas que devem merecer-lhe a maior consideração, uma por ter testemunha do o feliz acaso do seu nascimento, e a outra o merecido caso de sua honra e elevação, e que estão separadas do continente por tantas léguas de mar, porque não há de S. Ex.a permitir que se cultive ali o tabaco? É na verdade uma coisa desumana, e estou persuadido de que os contratadores serão menos ferozes do que S. Ex.a, e que permitirão esta cultura; porque, segundo o que se disse, o contrabando que podia ser importante era o do sabão. E agora direi que quando fui às ilhas, pela primeira vez, encontrava pelos sótãos grandes tabuleiros com uma coisa tão amarela que me parecia marmelada. E na verdade estive tentado a prová-la. Mas disseram-me  «Não toque aí, que é sabão.» O ilustre ministro deve saber isto perfeitamente, e mesmo talvez que a sua família fosse contrabandista.

Pois, Sr. presidente, receia-se a cultura do tabaco nas ilhas por causa do contrabando, e não se receia então que entrem navios no Tejo? Pois os navios não estão mais próximos da alfândega do que as ilhas dos Açores e da Madeira estão de Lisboa? Pois as bichas, que dão caça a todo o contrabando, não poderão dar caça ao tabaco?

Sr. presidente, disse o ilustre deputado, o Sr. relator da comissão, que esta questão «era uma questão de imposto.» Ora, nesta parte, eu não desejo discutir com o meu ilustre amigo a justiça deste imposto; porque S. Ex.a é um homem tão sujeito à autoridade, e tão recalcitrante à opinião, que apesar dos esforços do Sr. José Passos nunca pode ser um verdadeiro progressista. Desejo ao ilustre deputado todas as fortunas, como meu amigo particular; mas não lhe desejo nenhumas como homem político. Nunca poderá entre nos haver combinação, visto que somos duas naturezas heterogéneas. Mas, Sr. presidente, se o contracto era um imposto que rendia muito, porque razão não havemos de permitir que em algumas terras da monarquia se faça a cultura do tabaco sem prejuízo do monopólio? Que pode isso importar? Em 20 ou 30.000$000 réis? E o que é isto? Nada. Ora, se se arrematar o contracto por 1.260.000$000 réis com as ilhas, e se se arrematar por 1.200.000$000 réis sem as ilhas, estou persuadido de que os ilustres deputados votarão que se arremate o contracto com exclusão das ilhas. Isto é uma barbaridade! O pior que acho a este ministro da fazenda é ser empedernido: tem um coração de fera! Sr. presidente, a ilustre comissão achou um meio de conservar a sua bizarria progressista, e disse-nos que isto não era questão de princípios. Então, bem! Pela liberdade todos nós estamos, porque o parecer da comissão é realmente um trabalho cheio de expedientes luminosos, de concepções novas! A liberdade, oh! Quem a dera! A régie quem a dera! Mas vote-se a arrematação! De maneira, Sr. presidente, que se vota tudo. absolutamente tudo. Lembra-me dos meus trabalhos revolucionários. Quando era preciso falar a muitas parcialidades, a muitos homens valiosos para diversos empregos revolucionários, íamos bater à porta dos mais catonianos e mais decididos mas diziam-nos  «Estamos prontos, mas agora não é ocasião oportuna.» Aqui é o mesmo; trata-se da régie diz-se logo: «Isso é excelente: estou pronto a adoptá-la: mas agora não pôde ser.» Trata-se de melhorar qualquer ramo de serviço público. diz-se imediatamente «Por agora não tratemos disso.» Liberdade de cultura e fabrico do tabaco, coisa óptima! Mas vota-se contra, assim como contra a régie, por não ser ocasião oportuna, nem para uma nem para outra coisa. Assim não se faz nada!...

Liberdade e régie, não se fale nisso! Agora arremate-se, mas arremate-se já, tomando todas as precauções... Ora há uma que suponho ser uma das esperteza do Sr. ministro da fazenda. Há uma cláusula neste projecto muito excelente e muito previdente: é a cláusula do artigo 2.º. Esta cláusula, que a comissão aqui apresenta, tirou-a de algum vade mecum. O projecto vem mandar fazer o que se faz na feira de Agualva. «Ali vai o contracto, e com ele, o governo vai autorizado a arrematá-lo a quem der tanto. Se se der tanto, arremata-se, e fica com o tabaco quem ofereceu esse tanto; mas se não der, então fora! não se contrate, nada de arrematar, porque se não chega à quantia que se pedia». O artigo da comissão manda fazer o que faz toda a gente, e todos os dias, quando tem de vender alguma coisa. Uma pobre mulher vai a uma feira vender um semovente: diz a pessoa que lho quer comprar: «Eu quero tanto por este animal; se me dá este preço, o animal é seu, senão levo-o para casa.» E mais nada. Nem é mais nada o que a comissão faz. Ela diz: «Pelo tabaco quero tanto: se não querem por este preço, não arremato: fico outra vez com ele, e cá me arranjarei: um dos poderes do estado pôde então gerir o tabaco.» Portanto, nisto não há nem precaução, nem esperteza, da parte da comissão: isto e o que faz toda a gente que compra e vende.

Mas disse o Sr. ministro da fazenda que este artigo 2.º era uma arma de que só faria uso depois de levar o contracto à praça, e se não lhe dessem uma certa soma. A comissão forneceu, ou o Sr. ministro da fazenda lembrou que a comissão de fazenda lhe fornecesse, uma arma que fica escondida debaixo da capa de S. Ex.a para, caso os arrematantes não cheguem ao preço, então fazer fogo sobre eles. (Riso.) Ora, realmente isto é uma esperteza que autoriza muito! Eu por ela exalo a lógica e viveza dos meus amigos da comissão de fazenda! Como isto é que nunca se fez!

Mas diz o meu amigo a quem me tenho referido: «Não se vê o monopólio senão no tabaco, quando há outros monopólios. Toda a gente dá empreitadas; dá-se muita coisa de empreitada: e não se sabe a razão porque se há de votar contra a empreitada do tabaco.» É verdade que muita gente dá empreitadas, e muita gente as toma: mas o que não é fácil ver é que se chame um indivíduo a administrar o que é meu ou de outro, para arruinar essa casa, ou para evitar que ela tenha maior rendimento, ou o rendimento que tiver o arrematante. Assim, quanto ao tabaco, para que evitar que este monopólio não se administre de modo que esteja mais em harmonia com os bons princípios, e que o seu rendimento não esteja por mais tempo estacionário em prejuízo dos interesses do tesouro? Mas diz-se que por toda a parte há monopólio de estradas, há monopólio de caminhos-de-ferro. Diz-se que por toda a parte há influências. E que importa a influência política? Isso é uma coisa que... (Havia grande sussurro num grupo de Srs. Deputados, que estava junto ao fogão, do lado esquerdo.)

O ORADOR (com veemência): - Sr. presidente, peço silêncio na câmara, (apoiados) e que me respeitem o meu direito e dignidade de orador! (Apoiados.)

O SR. PRESIDENTE: - Peço silêncio.

O SR. BARÃO DE ALMEIRIM: - E eu peço que o ilustre deputado respeite mais a dignidade dos membros da comissão de fazenda; que não compare a comissão à feira de Agualva. (Apoiados.)

O ORADOR: - Eu não fiz tal comparação...  (Muitos apoiados. Vozes: - É verdade.)

O SR. BARÃO DE ALMEIRIM: - Fez, sim senhor! Até falou nos amais que se vendiam na feira. (Grande sussurro e confusão.)

O ORADOR: - Eu peço ordem. (Apoiados.)

O SR. PRESIDENTE: - Peço aos Srs. deputados que não interrompam; O Sr. José Estevão pode continuar.

O ORADOR: - Eu não fiz, nem era capaz de fazer tal comparação. (Apoiados.) Se o ilustre deputado não sabe entender o que eu disse, a culpa não é minha...

O SR. BARÃO DE ALMEIRIM: - Entendi muito bem, e podia responder ao Sr. deputado, e responder-lhe maravilhosamente.

O ORADOR: - O ilustre deputado não entendeu o que tinha obrigação de entender.

O SR. BARÃO DE ALMEIRIM: - Toda a câmara entendeu como eu entendi.

O ORADOR: - Nego! Eu não disse o que o ilustre deputado me atribui. E a V. Ex.a. Sr. presidente, peço que faça o favor de explicar o meu pensamento, que O sabe perfeitamente. Peço-o a V. Ex.a, que é o juiz competente das nossas contendas; invoco o testemunho de V. Ex.a; (Apoiados.) invoco o seu testemunho por interesse do deputado que lho pede, e dignidade da câmara a que V. Ex.a preside...

O SR. PRESIDENTE: - Eu entendi, e ainda entendo, que não tinha havido injuria no que o ilustre deputado disse. (Muitos apoiados.) O que o ilustre deputado disse, salvo erro, foi que o que a comissão de fazenda queria com o seu projecto que se fizesse, era o mesmo que se fazia, por exemplo, na feira de Agualva...

O ORADOR: - Foi exactamente.

O SR. PRESIDENTE (continuando): ... Que quando alguém ia à feira vender uma coisa e lhe não chegava a certo preço, não vendia. (Apoiados repetidos.) Peço agora ao ilustre deputado que queira continuar, e rogo a todos que evitem as interrupções.

O ORADOR: - Vou continuar, Sr. presidente; e V. Ex.a explicou o meu pensamento tão...

O SR. BARÃO DE ALMEIRIM: - O Sr. deputado disse que o projecto da comissão vinha da feira de Agualva.

O ORADOR (com veemência): - Sr. presidente! Sr. presidente! V. Ex.a explicou o meu pensamento como eu o explicaria e explico agora do mesmo modo. Disse, e torno a repetir, que a comissão de fazenda exarou no seu parecer as regras domesticas e estilos por onde se governa toda a gente que compra e vende: o que se faz nas casas de comércio, o que se faz nas casas de fazenda, o que se faz na feira de Agualva, na das Galveias, na de Alfeizirão, na de Leipzig, e enfim em todas as feiras, e o que o mesmo ilustre deputado tem feito na qualidade de lavrador e negociante: chega a uma feira e diz: «Quero tanto por este género: se quer por este preço, está às suas ordens; se não quer, deixe ficar.»

O SR. BARÃO DE ALMEIRIM: - Agora está bem explicado.

O ORADOR: - Está agora, e esteve sempre! (Apoiados.) Deixemos isto.

Sr. presidente, nós temos um imposto, que não sei a razão por que se não dá também por arrematação: é o imposto do papel selado. Está nas mesmas condições, exactamente nas mesmas condições que o tabaco. O governo compra o papel fabricado (e pode fabricá-lo), põe-lhe o selo e vende. E uma indústria tudo isto faz ele.

Disse-se aqui que se tinha enchido de operários a casa da moeda ou do papel selado, ou uma coisa e outra. Eu aproveito esta ocasião para dar um testemunho da minha pouca valia política, porque nunca pude meter um homem, nem na casa da moeda, nem no papel selado. E já que estamos em caso de trocar e explicar os nossos agravos, eu tenho este agravo do Sr. ministro da fazenda de então nunca me meteu ninguém no papel selado nem na casa da moeda; resistiu a todas as minhas instâncias. Já se vê portanto que não é tão grande o perigo de aumentar os empregados, estando a fabrica do tabaco debaixo da influência do governo.

Mas, Sr. presidente, o que ontem me veio desenganar de que o governo não tem nenhuma ideia de transacção neste caso, foram os argumentos apresentados pelo Sr. ministro da fazenda a respeito da arrematação do subsídio literário. A câmara recorda-se de que o ilustre ministro não argumentou de maneira que nos deixasse esperança de que alguma vez se aboliria o contracto do tabaco; argumentou de modo que nos tirava essa esperança para sempre, porque o que S. Ex.a fez, trazendo-nos para exemplo o subsídio literário, foi mostrar as vantagens do sistema de arrematação sobre o de administração, e mostrar que em toda a parte em que se tinha querido substituir o sistema de arrematação pelo de administração tinham sido maus os resultados.

Estas citações são deliciosas da parte de S. Ex.a. São deliciosíssimas! E quer a câmara saber qual é a lógica financeira de S. Ex.a? O imposto literário, cuja arrematação lhe dava tão bons resultados, aboliu-o S. Ex.a; a arrematação do tabaco conserva-a, apesar de S. Ex.a ter reconhecido que o sistema de administração é mais vantajoso! Mas a questão não é nem de lógica, nem de conveniências públicas, e, se o fosse, eu pediria ao Sr. ministro da fazenda que aplicasse ao monopólio do tabaco a mesma teoria que aplicou ao subsídio literário. Eu sei perfeitamente que isto é uma pequice, uma miséria, uma birra.

Diz o governo: «Ali vêm dezassete engenheiros do Sr. Peto; votai o contracto do tabaco!» Não vêm só dezassete: hão de vir todos os engenheiros ingleses, e de toda a Europa: e daqui a pouco tempo não se pode andar em Portugal com engenheiros. Depois de se terem dado setenta e tantos contos a Rennie (que ele dizia que lhe devia dar o Sr. Peto, mas que o Sr. ministro das obras públicas entendeu que era o estado que os devia pagar) depois de se lhe terem dado setenta e tantos contos, vem  aí todos os engenheiros da Europa. E eu rogo a S. Ex.a que, mesmo  por causa do preço dos comestíveis, daqui por diante não faça destes pagamentos, aliás desertam os engenheiros de toda a parte, e vêm para aqui. «Passeio de Coimbra ao Porto pela estrada de Aveiro, 20.000$000 réis. Passeio de Coimbra ao Porto pela estrada de Águeda, 20.000$000 réis. Levantei-me às cinco horas da manhã, uma hora antes daquela em que estou habituado a levantar-me, 5.000$000 réis. Deitei-me às onze horas da noite, porque estive a escrever um relatório, 5.000$000 réis!» Ora realmente, pagando nós assim, vem para ali, repito, todos os engenheiros que há na Europa! Isto é inaudito! Diga-se a verdade isto na regeneração não se praticava, e se houvesse ministro que o quisesse fazer, nós os progressistas que aqui estávamos, não consentíamos em tal, mesmo falando-nos a lógica do ilustre relator da comissão! Cá nos iríamos arranjando como pudéssemos, mas, mesmo sem a sua lógica, não faríamos semelhante coisa.

Sr. presidente, os Srs. ministros e a maioria o que querem é não pedir impostos ao país. Pois hão de pedir-lhos. E, se estão receosos de encontrar da nossa parte a mesma oposição que nos fizeram a nós, por mim lhes declaro que não lha hei de fazer, porque hei de votar os impostos que forem precisos para obras públicas. Votarei impostos, se eles tiverem o cunho popular que devem ter, e segundo o credo progressista: mas quando forem impostos de conveniências, de arranjos, destas combinações políticas, não voto nada. Impostos como eu sei que tem votado o partido progressista, que pesam sobre todo o mundo menos sobre quem devem pesar, não os voto! E diga-se a verdade de uma vez para sempre, não estou disposto em nome de palavras, em nome de tradições, a aplacar o meu fraco talento e a minha saúde a revoluções sem substância, a ministérios sem princípios, e a coalizões sem necessidade. Não estou para isso. Isto não é vida para um partido forte e robusto: e prefiro antes reduzir-me à minha pobre e insignificante individualidade, do que a andar nestas estafadeiras políticas em que se estragam as faculdades, e não se faz nada para a causa pública.

Se o governo tem alguma ideia de transacção e de justiça a este respeito, o seu dever, visto que há uma proposta que oferece ao governo tomar o contracto do tabaco, segurando-lhe uma certa soma e distribuindo o resto que exceder por ele e pelos proponentes, é examinar primeiro essa proposta. E não deve arrematar sem a examinar. Se o fizer, frauda escandalosamente os interesses do estado, toca com as ideias de moral e decoro público. Inquestionavelmente, votada a arrematação, esse exame é inútil; e, da parte do Sr. ministro da fazenda, é realmente um sofisma grosseiro dizer que deixemos para depois de votada a arrematação o exame de um expediente, que prejudica a arrematação. Se o Sr. ministro da fazenda tem ideia de alguma vez abolir a arrematação, deve consentir em que se decrete desde já uma medida que abone a sinceridade da sua intenção. Se o Sr. ministro da fazenda quer ligar com o monopólio o melhoramento e alívio de que ele é susceptível sem ofensa dos interesses da fazenda, deve declarar também que consente em que as ilhas dos Açores sejam isentas do monopólio, admitindo-se ali a régie como ensaio desse mesmo sistema. Fora disto não há senão uma pretensão certa, obstinada: o desejo de macular um partido. Porque o Sr. ministro da fazenda disse-nos aqui, em outro tempo, que o Sr. Rodrigo da Fonseca Magalhães andava entre nós para nos vexar e assassinar o crédito, e lastimava-nos, a nós, pobres progressistas, por andarmos enleiados por aquela serpente enganadora chamada Rodrigo da Fonseca Magalhães.

Ora, Sr. presidente, eu acho-me neste estado. A falar a verdade, não me sinto afectado em nada... Acho-me no mesmo estado, não há dúvida nenhuma, para entrar em todas as empresas com o meu ilustre amigo e meu chefe da Junta do Porto, (pois não me sinto menos homem desses tempos) ou com o Sr. Rodrigo, que nunca tratou da arrematação do contracto. Agora o que não sei, é se os senhores querem roubar o Sr. ministro da fazenda ao seu partido (de que ele não sai, já se sabe) ou se o Sr. Ávila quer realmente dar cabo desta guarda velha.

O SR. PASSOS (MANUEL): - La garde meurt, ne se rend pas.

O ORADOR: - Sr. presidente, eu do que tenho pena não é de ver votar a arrematação, porque sei que ela acaba. Nós temo-nos empenhado em acabar umas poucas de coisas e temo-las acabado. Nem eu quero registar as coisas que nos temos proposto a acabar, e que já não existem... Mas também tenho entrado nessas empresas, e não estou condecorado... Ah! mas condecoro-me a mim mesmo! Eu sou um homem que me condecoro a num mesmo. Por exemplo, vai o contracto do sabão abaixo: ponho uma condecoração de uma certa ordem, e ando em minha casa com a minha condecoração. Vai abaixo o subsídio literário: condecoro-me. Faz-se o caminho-de-ferro de Lisboa ao Porto, um impossível, faz-se um impossível! - ponho uma grande condecoração, uma condecoração enorme, e ando por casa com ela... (Riso.) Vai o contracto do tabaco abaixo, (porque há de cair!) - grande condecoração! O Sr. ministro da fazenda é então o encarregado da régie: condecoro-me, faço-me monarca de mim mesmo, faço uma graça a mim próprio! Mas o que me custa é realmente, sem necessidade nenhuma, ver esta parte do partido progressista, que, se não é a mais enérgica, nem a mais decidida. pelo menos devia ser a mais escrupulosa, porque representa o evangelho deste partido, e que, se não pode representar a acção, a energia. a iniciativa, pelo menos deve representar sempre a inflexibilidade das suas crenças; o que me custa é ver esta parte do partido progressista depositando nas mãos de homens, que não são do seu grémio político, homens em quem ela não pôde ter confiança, homens que não podem ter confiança nela, depositando, digo, um voto contrário ao seu timbre, por motivos visivelmente insignificantes, por nenhuma conveniência forte, por nenhum interesse serio, e dando este triste espectáculo de cortar pelas ideias de moralidade e de independência do poder, de perder o ensejo de melhorar este ramo de administração e de acabar com calúnias antigas e inveteradas, de desafrontar os tribunais, de dar este golpe, a despeito de todas estas considerações, por uma miserável quantia de cento e tantos contos de réis anuais, que o Sr. ministro da fazenda quer lucrar com a arrematação! Eu, Sr. presidente, não acredito em tais razões, não dou atenção a tais motivos. Sei que isto a princípio começou por uma pequice financeira, e acaba agora por uma obstinação política.

Mas o meu partido há de ser obrigado a passar pelas forcas caudinas há de votar esta lei, assim como há de votar muitas outras. Porque a regeneração foi imitada até ao ponto em que não podia deixar de o ser, por isso que sem a imitação dela era impossível que o governo tivesse força moral para substituir. Mas não tem sido imitada um passo mais além daquilo em que a imitação era um meio essencial de governo. Imitou-se a regeneração no caminho-de-ferro do norte, porque era uma iniciativa de tal ordem que não se podia deixar de cumprir imitou-se no subsídio literário mas, desde que veio uma questão grande em que se podia tergiversar, em que houve interesses fortes contra ela, em que havia prejuízos e prejuízos importantes, parou a imitação. De maneira que este governo, em relação à regeneração, e o progresso indispensável e a retrogradação possível. Por ora este é o carácter do governo; tudo quanto ele faz de progresso é o que não podia deixar de fazer, e tudo quanto faz contra o progresso é tudo aquilo que pode fazer. Por ora é o contracto do tabaco; mas desde já declaro à câmara (oxalá que os meus vaticínios se não cumpram!) daqui por diante, nem as iniciativas populares, nem mesmo os interesses do partido, nunca hão de ser considerados por este governo; porque eu, Sr. presidente, (e acabo com isto) cheguei a ser esmagado no coração por paixões mesquinhas: eu empenhei-me por que se desse uma pensão à viúva de um dos meus mais íntimos amigos, e dos mais distintos progressistas históricos, (porque, digo de passagem, há históricos que são só histórico, há históricos que não têm história, e há históricos que têm má história) (riso) e um dos mais estrénuos defensores, dos mais valentes soldados e dos mais corajosos juizes desta terra! (Apoiados) Eu empenhei-me para que se desse uma pensão à viúva do valente Pina Cabral! (Apoiados.) Apoiado quê! apoiado agora, depois de por toda a parte me terem cercado de insinuações pérfidas, depois de terem dito que eu vendia o sangue e a memória dos meus amigos à minha posição política!

Eu alcancei de uma câmara que não era progressista um voto de recomendação ao governo para lhe dar uma pensão, e vós deixastes passar um tempo intercalado em que o partido progressista preponderou, e a pensão não está dada! Que me importa que se vá dar! Dá-la agora, é menos que fazê-la passar na câmara passada: e, se vós tendes sido tão tardios para a dar, para que fostes tão diligentes em caluniar aquele que vos antecedeu em desejos sinceros e diligências profícuas, não para dar de comer a uma viúva, o que é coisa respeitável, mas para dar um testemunho de lealdade pela posição em que me achava, porque os interesses do meu partido foram sempre mais ouvidos e atendidos diante do ministério passado do que neste hão de ser. E se não, aí está uma proposta para uns sargentos do exército, ela aí está, para esses pobres homens que andam constantemente iludidos e enganados, e a quem nunca hão de fazer justiça; e quem se constituiu seu protector deve dizer-lhes o mesmo, e não os enganar, como não é capaz! Eu não os abandonei, fiz o que podia fazer, mas não alardeei que havia de fazer aquilo que não era capaz de fazer, e que não podia fazer.

O SR. PASSOS (MANUEL): - Peço a palavra, Sr. presidente.

O ORADOR: - Eu não sei se me dirigi ao ilustre deputado…

O SR. PASSOS (MANUEL): - Permita-me a interrupção. Quanto à viúva de Pina Cabral, eu e o nobre deputado assinámos a proposta; a proposta está aqui. Pelo que tora a todos os negócios de interesse do país, eu hei de votar como entender, considerando que nós somos representantes do país.

O ORADOR:  Não me refiro ao ilustre deputado; o que é que deste lado da câmara não se obtém nada. Diziam o mesmo a pobre viúva. Eu peço à câmara desculpa de tratar de semelhante negócio nesta ocasião; é uma coisa pequena. Mas, enfim, isto é um desabafo: e se querem que fale a verdade...

O SR. PASSOS (MANUEL): - O ilustre deputado disse que tinha sido caluniado; o ilustre deputado sabe, e Deus o sabe, que nem na minha consciência, nem pela palavra, nem pela pena, o nome do ilustre deputado deixou nunca de ser pronunciado com o respeito que merece ao seu país, e que há de merecer à história pela pureza do seu coração, ao qual Deus há de fazer justiça, como lha faz a geração presente e como não pode deixar de fazer-lhe o seu maior amigo.

O ORADOR (chorando): - Ao ilustre deputado só tenho a dizer que nunca tive coração senão para o amar, e que desde que a sua mão escreveu sobre o túmulo de meu pai as frases sentidas que a morte de tão distinto homem arrancou às suas simpatias e virtudes, desde esse momento os vínculos da nossa união e amizade são tão sagrados como aqueles que...

O SR. PASSOS (MANUEL): - Peço desculpa de ter pedido a palavra com algum calor; mas a calúnia nunca chegou às solas do ilustre deputado, porque era mais fácil segundo a expressão de um antigo, que o sol se desviasse da sua carreira do que o ilustre deputado do caminho da virtude. O ilustre deputado não precisa deste testemunho; mas quem gravou o seu nome com tanta glória na história do seu país, que deve fazer justiça aos seus amigos. Nós não podíamos fazer injuria ao mais estrénuo defensor da liberdade desta terra e que tanto honra a tribuna portuguesa.

O ORADOR:         Eu quero acabar esta cena imprópria da vida pública, mas a que o meu coração não pôde resistir...

O SR. PASSOS (MANUEL): - E há de acabar com um abraço. (Saiu da sua cadeira e foi abraçar o orador.)

O ORADOR: - Vou sentar-me debaixo desta comoção que me fez enternecer bastante.

Eu voto uma, duas, três, quatro, e mil vezes contra o parecer da comissão, e peço a quem quer que nesta casa tem influência no ministério, como maioria, como homem público, de qualquer lado que seja, que exija do Sr. ministro da fazenda as declarações necessárias para podermos com ele manter as relações que o nosso cargo demanda. Estas declarações são as seguintes:

Há de ou não atender-se a uma proposta feita por cidadãos portugueses, para administrarem o contracto do tabaco por conta do estado, segurando ao mesmo estado uma certa soma, um certo lucro?

Esta proposta há de ser tomada em conta antes do Sr. ministro se decidir pela arrematação, porque essa arrematação anula essa mesma proposta?

Está o Sr. ministro disposto a fazer declarações escritas e solenes de que há de acabar com o contracto dentro de três anos?

Está o Sr. ministro disposto a consentir que as ilhas dos Açores sejam isentas do sistema de arrematação, para nelas se estabelecer a liberdade ou a régie?

Promete o Sr. ministro não embrulhar todos esses papéis que estão na mesa, e contentar-se com o voto moral, mas não regular da câmara sobre a arrematação, valendo-se depois da ausência do parlamento para arrematar, sem ter recebido do mesmo parlamento as restrições necessárias para proceder a essa arrematação?

Tenho-me feito entender pelo Sr. ministro ou não? Recusa-se o Sr. ministro a responder?… Embora! Essa recusa também me serve mas quero que o seu silêncio seja bem visto e brade bem alto. Tenho concluído.

 

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Dez.2000