Tendo que realizar um inquérito linguístico, desde início encarei este
trabalho com grande entusiasmo, embora não sem uma pontinha de receio
pelas dificuldades que antecipadamente a minha imaginação ia
apresentando ao meu espírito.
Três perguntas me surgiram: que povoação escolher, como captar a
simpatia e afeição do povo e como encontrar um bom informador? Mal
adivinhava, então, que viria a captar tão facilmente a amizade da tão
simpática gente da Gafanha do Carmo, a ponto de me oferecerem as suas
casas para permanecer durante os breves dias que iria durar o inquérito!
Após várias hesitações, optei por uma povoação que se me tornasse
relativamente acessível, já que os meios materiais de que disponho não
são abundantes, como, aliás, sucede à maior parte dos estudantes. Por
outro lado, a minha consciência impedia-me de ir sobrecarregar os meus
pais com mais esta despesa, tanto mais que o fardo que eles têm de
suportar não é dos mais leves. Finalmente, decidi-me pela Gafanha do
Carmo, não só porque a povoação se me afigurou com interesse, como ainda
porque era a única que não estava estudada e era de acesso relativamente
fácil.
Não tendo sido possível realizar o inquérito em férias do Natal −
infelizmente vários motivos a isso se opuseram −, fi-lo durante as
férias da Páscoa, precisamente na segunda semana, pois a primeira era
unicamente para descansar e a segunda, essa sim, para trabalhar. Como
consequência de tão tardiamente ter realizado o inquérito, vi-me na
impossibilidade de fazer o meu relatório no terceiro e último período
deste ano lectivo. Apesar de tudo, embora impedido de fazer todos os
exames na época de Junho e, assim, ter umas férias mais livres de
cuidados e melhor as poder aproveitar para um merecido e necessário
descanso, tal atraso teve o seu lado benéfico, permitindo-me voltar à
terra que escolhera, colher mais elementos e confirmar os anteriormente
recolhidos.
Um dos problemas que se me pôs foi o da escolha de um bom informador: −
Que fazer para encontrá-lo?
Para tal, procurei guiar-me pelos conselhos da experiência, isto é,
procurei seguir à risca os conselhos do meu professor. Logo no primeiro
dia de contacto com a povoação, travei conhecimento com várias pessoas
da terra, desde a camada mais jovem até à mais idosa. Confrontando-as,
em vez de escolher a geração média, como me havia sido aconselhado,
optei pela camada mais idosa, pois constatei que esta era senhora de
conhecimentos que, mesmo a geração média, em parte, desconhecia, a ponto
de alguém me dizer que «os velhotes cá da terra» já não eram do nosso
tempo. Ora, dentro da geração mais velha, os conselhos dados pelo meu
professor tornavam-se mais difíceis de seguir, pelo que escolhi um casal
de simpáticos velhotes, que me pareceram reunir o maior número de
condições necessárias para a realização de um bom inquérito. Assim, um
seria o informador principal − neste caso o homem −, enquanto o outro se
limitaria a confirmar e completar as afirmações do primeiro, quando
necessário. Além deste simpático casal, tive também o precioso auxílio
de outras pessoas da terra, às quais, desde já, agradeço
reconhecidamente e, em especial, à Ti Rosa de Jesus Bexina, que me
forneceu um bom reportório de orações, das muitas que ela ensinava nos
seus tempos de menina e moça.
O ideal seria fazer, seguidamente, um novo inquérito à geração média e
mais nova, para depois se poder fazer um confronto entre as três
gerações. Deste modo, ver-se-ia quais os pontos de contacto e de
divergência, além de que contribuiria para nos dar uma visão da evolução
linguística operada na região, numa perspectiva diacrónica, ainda que
bastante restrita.
Quanto à preparação linguística antes da realização do inquérito,
parece-me desnecessário falar sobre tal, já que, como aluno de Filologia
Românica e, em especial, da disciplina de Linguística Portuguesa, me vi
na necessidade de uma preparação cuidada, sem a qual a realização do
inquérito se tornaria difícil (para não dizer impossível). Para mais,
tivemos várias lições dedicadas exclusivamente ao estudo dos fenómenos
fonéticos e psicológicos, sem os quais não se poderiam compreender
muitas das alterações operadas na nossa língua.
E se melhor não pude realizar este inquérito, e o meu trabalho se
encontra com defeitos, tal deve-se à falta de experiência («a madre de
todas as cousas»), que só com a prática se vai, a pouco e pouco,
adquirindo, bem como até mesmo à custa dos nossos próprios erros. Por
outro lado, e para concluir este prefácio que já se vai tornando
demasiado longo, devo confessar que este trabalho foi para mim uma
verdadeira lição, permitindo-me − além das novas amizades que me
proporcionou − entrar em contacto como nosso povo e mostrando-me que ele
não é tão ignorante como tantas vezes alguns querem dar a entender; pelo
contrário, é senhor de conhecimentos em relação aos quais, na maior
parte dos casos, nós próprios é que somos os ignorantes. |