Henrique J. C. de Oliveira, Relatório do Inquérito Linguístico realizado na Gafanha do Carmo, Aveiro, 1967.

PREFÁCIO

Tendo que realizar um inquérito linguístico, desde início encarei este trabalho com grande entusiasmo, embora não sem uma pontinha de receio pelas dificuldades que antecipadamente a minha imaginação ia apresentando ao meu espírito.

Três perguntas me surgiram: que povoação escolher, como captar a simpatia e afeição do povo e como encontrar um bom informador? Mal adivinhava, então, que viria a captar tão facilmente a amizade da tão simpática gente da Gafanha do Carmo, a ponto de me oferecerem as suas casas para permanecer durante os breves dias que iria durar o inquérito!

Após várias hesitações, optei por uma povoação que se me tornasse relativamente acessível, já que os meios materiais de que disponho não são abundantes, como, aliás, sucede à maior parte dos estudantes. Por outro lado, a minha consciência impedia-me de ir sobrecarregar os meus pais com mais esta despesa, tanto mais que o fardo que eles têm de suportar não é dos mais leves. Finalmente, decidi-me pela Gafanha do Carmo, não só porque a povoação se me afigurou com interesse, como ainda porque era a única que não estava estudada e era de acesso relativamente fácil.

Não tendo sido possível realizar o inquérito em férias do Natal − infelizmente vários motivos a isso se opuseram −, fi-lo durante as férias da Páscoa, precisamente na segunda semana, pois a primeira era unicamente para descansar e a segunda, essa sim, para trabalhar. Como consequência de tão tardiamente ter realizado o inquérito, vi-me na impossibilidade de fazer o meu relatório no terceiro e último período deste ano lectivo. Apesar de tudo, embora impedido de fazer todos os exames na época de Junho e, assim, ter umas férias mais livres de cuidados e melhor as poder aproveitar para um merecido e necessário descanso, tal atraso teve o seu lado benéfico, permitindo-me voltar à terra que escolhera, colher mais elementos e confirmar os anteriormente recolhidos.

Um dos problemas que se me pôs foi o da escolha de um bom informador: − Que fazer para encontrá-lo?

Para tal, procurei guiar-me pelos conselhos da experiência, isto é, procurei seguir à risca os conselhos do meu professor. Logo no primeiro dia de contacto com a povoação, travei conhecimento com várias pessoas da terra, desde a camada mais jovem até à mais idosa. Confrontando-as, em vez de escolher a geração média, como me havia sido aconselhado, optei pela camada mais idosa, pois constatei que esta era senhora de conhecimentos que, mesmo a geração média, em parte, desconhecia, a ponto de alguém me dizer que «os velhotes cá da terra» já não eram do nosso tempo. Ora, dentro da geração mais velha, os conselhos dados pelo meu professor tornavam-se mais difíceis de seguir, pelo que escolhi um casal de simpáticos velhotes, que me pareceram reunir o maior número de condições necessárias para a realização de um bom inquérito. Assim, um seria o informador principal − neste caso o homem −, enquanto o outro se limitaria a confirmar e completar as afirmações do primeiro, quando necessário. Além deste simpático casal, tive também o precioso auxílio de outras pessoas da terra, às quais, desde já, agradeço reconhecidamente e, em especial, à Ti Rosa de Jesus Bexina, que me forneceu um bom reportório de orações, das muitas que ela ensinava nos seus tempos de menina e moça.

O ideal seria fazer, seguidamente, um novo inquérito à geração média e mais nova, para depois se poder fazer um confronto entre as três gerações. Deste modo, ver-se-ia quais os pontos de contacto e de divergência, além de que contribuiria para nos dar uma visão da evolução linguística operada na região, numa perspectiva diacrónica, ainda que bastante restrita.

Quanto à preparação linguística antes da realização do inquérito, parece-me desnecessário falar sobre tal, já que, como aluno de Filologia Românica e, em especial, da disciplina de Linguística Portuguesa, me vi na necessidade de uma preparação cuidada, sem a qual a realização do inquérito se tornaria difícil (para não dizer impossível). Para mais, tivemos várias lições dedicadas exclusivamente ao estudo dos fenómenos fonéticos e psicológicos, sem os quais não se poderiam compreender muitas das alterações operadas na nossa língua.

E se melhor não pude realizar este inquérito, e o meu trabalho se encontra com defeitos, tal deve-se à falta de experiência («a madre de todas as cousas»), que só com a prática se vai, a pouco e pouco, adquirindo, bem como até mesmo à custa dos nossos próprios erros. Por outro lado, e para concluir este prefácio que já se vai tornando demasiado longo, devo confessar que este trabalho foi para mim uma verdadeira lição, permitindo-me − além das novas amizades que me proporcionou − entrar em contacto como nosso povo e mostrando-me que ele não é tão ignorante como tantas vezes alguns querem dar a entender; pelo contrário, é senhor de conhecimentos em relação aos quais, na maior parte dos casos, nós próprios é que somos os ignorantes.

 

 

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