Resumo do dia

Quimbele, 10 de Maio de 1973

 

Prometi que o filme recomeçaria dentro de algumas horas e aqui me têm a cumprir a promessa. Para isso, tive de pedir autorização para me isolar no meu quarto aos oficiais meus superiores. Foi um dia diabólico. Foi um dia carregado de trabalhos e imprevistos. Diria mesmo, para ser mais exacto: foi um dia do caraças! E peço que me desculpem esta palavra pouco habitual. Não é que “caraças” seja uma coisa por aí além. Tal como o outro que disse «chapéus há muitos, seu palerma!», também eu posso dizer que caraças há muitas! E algumas umas autênticas avantesmas. Mas não me refiro a estas caraças. Aqui, o “caraças” tem outro valor. Como não posso dizer a palavra mais conveniente, fico-me por esta. Sim senhor, foi um dia do caraças! Na falta de melhor desabafo, este vai ter de servir. E serve muito bem para aliviar a tensão em que andei durante uma boa parte do dia! Foi um dia do caraças porquê?

Estou neste momento às voltas com o comando da Companhia. E só não estou sozinho em Quimbele, porque, à hora do almoço, chegaram oficiais de Sanza Pombo. Tenho aqui o segundo comandante do Batalhão de Caçadores 4511, que veio juntamente com o capitão Glória Dias e o tenente Oliveira. Vieram para Quimbele com um grupo de Sanza, que regressou a seguir ao almoço e levou o Capitão Alberto. O comandante da Companhia deu baixa ao Hospital Militar de Luanda e deixou-me a batata quente nas mãos. Para cúmulo, fiquei reduzido à companhia do médico, porque o alferes Valério seguiu ontem para o destacamento do Cuango. Deixou-me sem viaturas durante todo o dia. Já deveriam ter regressado hoje, mas este destacamento fica longe daqui, junto à fronteira com a República do Zaire. Para azar deles e agravar ainda mais a situação, segundo mensagem recebida, tiveram problemas na viagem. Infelizmente, não sou o único a ter problemas com as viaturas. Este é um mal geral. É o mal da velhice e que, infelizmente, também nos há de atingir dentro de alguns anos. As viaturas já fizeram comissões em número exagerado. Há muito deveriam ter sido substituídas por material novo e mais moderno. A única coisa recente e moderna é a Berliet, que tem vindo a revelar-se como a melhor viatura, e creio que a única, que se fabrica em Portugal.

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