Lapso na montagem do filme |
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Durante o nosso percurso de regresso, o posicionamento do pessoal na coluna não foi sempre o mesmo. Desta vez, ia eu na frente com os meus homens, juntamente com os milícias do enquadrante Francisco. Os milícias constituíam a secção à minha frente. A seguir, eu à cabeça do meu grupo. Um pouco mais atrás, a secção do furriel Galvão. Na cauda, a secção do capitão e os GEs comandados pelo chefe Simão. Quando alcançámos a clareira onde já tínhamos estado, toda a coluna parou bruscamente. À minha frente, ouvia-se um burburinho pouco usual. — O que é que se passa? — perguntei ao elemento que ia na minha frente. — Passa palavra. Pergunta o que está a acontecer. — São palhotas, meu alferes. Vestígios de um acampamento. Saí da minha posição e avancei, para averiguar o que se estava a passar. No começo da coluna, os milícias conversavam. Procurei inteirar-me da razão daquele burburinho pouco usual. Apontaram-me os vestígios de uns abrigos toscos, feitos com ramos. — O melhor é chamarmos os GEs aqui para a frente. — alvitrei eu. E, voltando-me para o pessoal que vinha depois de mim, acrescentei: — Pessoal, passem palavra. O chefe Simão e os GEs que venham cá à frente ver o que isto é. A palavra foi passando, de homem para homem. Poucos segundos depois, chegava o capitão com o chefe Simão e alguns GEs. — O que é que se passa, Ulisses? — Capitão, os milícias do Reguengos pararam, porque encontraram vestígios humanos. Olhe para esta clareira e para estes abrigos. A meio da nossa conversa, começa o chefe Simão a mostrar os dentes. Ria com todo o prazer, marimbando-se plenamente para o silêncio e a nossa segurança. — O que é que lhes deu? — perguntou o Capitão. — Estes GEs estão na risota?! De facto, a situação não deixava de ser um tanto insólita. Em plena operação na mata, no meio de todo o cuidado para não fazermos barulho e denunciarmos a nossa presença, os GEs riam descontroladamente. — O que é que se passa? Qual a razão de tamanha risota? — voltou a perguntar o capitão, dirigindo-se ao chefe Simão. — De facto, a situação não deixa de ter uma certa graça, capitão. Os GEs têm bom motivo para se estarem a rir e sentirem em segurança. Os terroristas somos nós. — Somos nós os terroristas? Como assim, carago? Estás a gozar comigo? Esta pergunta do capitão quebrou-me a seriedade. Comecei também a rir, fazendo companhia aos GEs. — Está tudo maluco? Que é que se passa? Também tu, Ulisses? — Sim, capitão. Somos nós os terroristas. Estes vestígios são nossos. São os vestígios da nossa passagem por aqui. Estivemos aqui acampados. Os GEs não trouxeram os bornais, para virem mais leves. Nem precisam deles para nada. Para virem mais leves, limitam-se a trazer o armamento e as rações de combate. Constróem os abrigos com a vegetação e o material que a mata lhes fornece. Levantámos o acampamento de madrugada e eles não se deram ao trabalho de eliminar os vestígios da nossa presença. — É preciso destruir tudo isto. Fazemos aqui uma pequena paragem para descanso. Deitamos fogo a tudo isto e depois retomamos o percurso. O que acham? — Estamos todos de acordo, capitão. É boa ideia. — disse o Reguengos. — O que é que o Galvão está a tirar? — perguntei eu quando o vi dirigir-se ao carregador e começar a abrir a mochila. — A máquina fotográfica, alferes. A minha Instamatic. Não é de grande qualidade, mas tira sempre fotos. É uma máquina barata. E trabalha sem avarias. — Isso é piada, Galvão? Se é, até está certo. As caras avariam-se e ficamos longo tempo sem elas. Essas trabalham sempre. E se avariarem, deitam-se fora e compram-se novas. Foi graças a esta surpresa agradável do furriel Galvão que espero ficar com algumas recordações desta operação. As primeiras imagens que ele tirou foi precisamente a este episódio caricato. Tirámos duas fotografias à queima dos vestígios deixados pelas NT, que é como quem diz os vestígios deixados pelas nossas tropas. A primeira fotografia foi tirada por um soldado, a quem passámos a máquina. Fiquei eu com o capitão e o furriel, tendo o enquadrante atrás de mim. Espero que o soldado tenha enquadrado a imagem de acordo com as minhas instruções, porque lhe disse para nos apanhar encostando-nos à margem esquerda do visor, de modo a apanhar o fogo e o grupo de GEs ao fundo. A segunda fotografia foi tirada pelo dono da máquina. Pedi-lhe para me registar de G3 em riste, tendo como fundo os restos de um abrigo dos GEs envolvido pela fumarada. Descoberta a existência de uma máquina fotográfica, apesar de ela não ser minha, recomendei ao furriel que poupasse a película para outros momentos. — E não se esqueça, Galvão, que quero ficar com um exemplar de cada uma. — De todas, alferes? — Não. Apenas daquelas em que eu estiver ou em que estivermos todos juntos.
Um abraço carregado de saudades do vosso filho, Ulisses de Almeida Ribeiro |
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