Retomando a escrita

Quimbele, 8 de Maio de 1973

 

Tal como previra, andei durante seis dias enfiado no meio da mata, no meio de uma selva africana densa e de difícil penetração em alguns locais, quase sempre numa área atravessada pelo rio Bamba, zona excelente para infiltração e passagem de terroristas para o interior de Angola.

Como é que me encontro ao fim deste tempo todo?

Não sei bem como responder. Não sei se diga combalido, se abatido física e psicologicamente. Não sei qual dos dois aspectos será o pior. O físico trata-se com relativa facilidade recorrendo aos medicamentos; o psicológico é o pior, porque não há mezinhas que nos valham. Mas não se assustem com este meu começo de correspondência, porque, apesar de magro, ainda tenho físico para aguentar com tudo.

Afinal o que é que se passou durante este lapso de tempo? Houve problemas com os terroristas durante a operação? Houve algum ataque ou algum encontro pouco agradável? Aconteceu algum acidente?

Vamos com calma, que as perguntas estão a ser muitas. E quantas mais, mais baralhado fico, porque terei de seleccionar as que interessam e eliminar as restantes. E isto é um trabalho difícil, especialmente para quem não está habituado a resolver problemas e a encher aerogramas após aerogramas!

Deixemos as perguntas, que é o que menos trabalho dá, e retomemos os factos no ponto onde tínhamos ficado. Como isto da escrita é uma actividade fantástica, que nos permite avanços e recuos frequentes no decurso dos acontecimentos, peço aos pais e aos amigos, que por ventura leiam a minha correspondência, que utilizem a imaginação e a memória. Recuem um pouco, até à data dos meus últimos aerogramas. Se já não se lembram, retomem a última colecção e releiam-na. Se não os têm à mão, eu passo a dar uma ajudinha.

Lembram-se que tive de interromper a escrita, porque estava na eminência de ficar sem energia? Energia eléctrica, do gerador, entenda-se. Não era eu que estava a ficar sem ela. Era a do gerador, porque a hora ia avançada. Lembram-se que estava na véspera, ou já no próprio dia, de uma operação de seis dias na mata?

Se já estão recordados, retomemos os factos precisamente neste ponto, no dia vinte e nove de Abril, o penúltimo do passado mês. Para ser mais exacto nas minhas palavras, terei de corrigir o que acabo de dizer. Não é o penúltimo, mas antes o último do mês, uma segunda-feira, porque quando me deitei já o calendário tinha avançado um dia. Por isso, recuemos até ao dia trinta de Abril, a véspera do dia do trabalhador, que só não foi condignamente por nós assinalado com uma série de trabalhos no meio da selva africana, porque choveu copiosamente durante todo o dia, como já há algum tempo não via chover.

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