Primeiro de Abril |
— O que é que estás aqui a fazer sozinho, Ulisses? Afinal, as vozes são dos meus camaradas. Pensava que estava a regressar à sanzala e a reviver os momentos lá passados! E saem-me na rifa os meus camaradas, que me vêm estragar o convívio com os pais. — Olá pessoal. Estava sozinho só na aparência. — O capitão não vê que o Ulisses está de caneta na mão? — diz o médico Graça Marques — Não vê que estava a conversar com os pais? — Quais pais?! Vocês estão a ficar cacimbados, ou quê? Não está sozinho? — Não é isso, capitão, o que o Graça Marques quer dizer. O que ele quer dizer é que aqui o Ulisses estava a pôr a correspondência em dia, antes de o termos vindo interromper. Não é verdade, Graça Marques? — Sem dúvida, Valério. E penso que é hoje que o Ulisses nos vai falar das conquistas amorosas. Prometeu-me isto há tempos, e eu ainda não me esqueci. — Não prometi nada! Tu é que andas com a mania de querer conhecer as minhas aventuras amorosas. Mas, antes disso, terás tu de falar das tuas. — Viemos estragar-te a escrita? — Não tem importância, Graça Marques. Há mais momentos livres. E, para cúmulo, nem sequer me estava a sair nada de jeito. Estava mesmo sem ideias! — O que é que estavas a dizer aos teus pais? Estavas a falar-lhes das tuas peripécias? — Vocês estão cá a sair-me uns grandes bisbilhoteiros. Por ventura eu procuro meter-me na vossa correspondência? — Não é isso, Ulisses. O Graça Marques e todos nós estamos com curiosidade em saber como correram os teus últimos dias de turismo pela região da Quimabaca. Já te estás a esquecer que, há tempos, passámos aqui uns bons momentos a ouvir-te os relatos? — disse o capitão Alberto. — A propósito, Valério, já mandaste vir a tua mulher para aqui? — Estou a tratar disso. Já escrevi para casa a pôr a hipótese de ela vir para cá. Pelas últimas notícias, a ideia parece ter agradado. A minha mulher já me perguntou quais as condições de vida aqui. Tenho é de começar a procurar uma casa decente para alugar. — Quando isso acontecer, deixas-nos, não é verdade? Ficamos sem a tua companhia na messe... — Não necessariamente, Ulisses — disse o capitão. Deixa de dormir, mas passamos a ter, às refeições, a companhia de um elemento feminino. Como vês, até ficamos a lucrar. Passamos a ter uma companhia feminina à hora das refeições. — E quando é que isso passará a ser realidade? — Estás com pressa, Ulisses? — Estou, Graças Marques. — Estou a ver. Está a agradar-te a perspectiva de uma companhia feminina à hora das refeições, não? — Não se pode mandar vir a mulher de um dia para o outro, Ulisses. Leva dias a resolver o problema. E o Valério, que é o principal interessado, já está a tratar disso, não é verdade? — É verdade, capitão. Só que para alguém vir para Angola tem mais formalidades do que se for para um país estrangeiro. Até parece que isto não é território nacional. E mesmo que não houvesse tantas formalidades, há sempre problemas para resolver. Mas, afinal, agora o tema da conversa é a minha mulher? Não era melhor ouvirmos as histórias do Ulisses? Estamos a meio da manhã. Até à hora do almoço, é a melhor maneira de abrirmos o apetite, juntamente com uns aperitivos e uns finos. Do que é que estamos à espera? Estamos com sede e vontade de ocupar bem a manhã. Ou será que não estamos? — Estás a ouvir, Ulisses? Estamos todos à espera de te ouvir. E não te ponhas a inventar, lá por estarmos no primeiro de Abril. — A propósito, vocês sabiam que vamos ser todos aumentados em cerca de quinze por cento? — Isso é mesmo verdade, capitão? — Não querias mais nada, Valério? Não estás a ver que aqui o nosso capitão aproveitou a tua deixa? Recordaste-lhe o dia e ele aproveitou logo. E já estavas a cair que nem um patinho! — É isso! Essa foi bem mandada, Capitão. Eu é que lembrei o dia e acabei por ser o primeiro a cair na esparrela. Vá lá, Ulisses, tu é que foste o culpado, porque já devias ter arrancado com os teus relatos. Vá lá. Fala-nos dos teus últimos dias na Quimabaca. Deves ter episódios engraçados para nos contar. Segundo disse o Capelão, parece que tiveste uma despedida invulgar. |