Soldados de palmo e meio

Como podem ver, não temos tempo para nos aborrecermos, a não ser com os contratempos por falta daquilo que deveríamos ter e que não temos. Tirando esta pausa imprevista no Cuango, motivada pelas habituais avarias das viaturas, não temos sequer tempo de dar pela passagem do tempo. E temos até tido situações caricatas, bem diferentes da anterior, que nos fazem rir a todos. Por exemplo, há dois ou três dias, fartámo-nos de rir com as brincadeiras de um soldado.

A meio da manhã, depois de termos ido com o pessoal e um grupo de miúdos ao rio para nos abastecermos e já com os bidões colocados na zona da cozinha, um soldado resolveu brincar com a catraiada que tinha ido connosco.

— Vá! Depressa! Vão buscar uns paus compridos, com o comprimento de um braço, e apresentem-se aqui todos, junto da cozinha.

Quando o ouvimos dar estas ordens aos miúdos, pensámos que lhes tinha mandado buscar paus para o lume. Pouco depois, com eles todos juntos:

— Vá lá, limpem e arranjem esses paus. Têm de ficar do tamanho dos vossos braços. E tenham cuidado com eles. Já não são paus. Agora são as vossas espingardas. Vá lá, depressa. Todos aqui em fila. Estão todos alistados na tropa. Peguem nas espingardas e formem aqui na minha frente.

No meio de uma algazarra divertida, os miúdos transformaram os paus em espingardas e puseram-se uns ao lado dos outros, tal como têm visto fazer-nos nos momentos das formaturas.

— Vá lá, pessoal. Quero tudo devidamente alinhado. Quero ordem na formatura.

E, perante a nossa surpresa, a alegria da miudagem e a risota da população, o novo comandante de pelotão deu início à instrução de um grupo jovem e compenetrado.

— Em frente, marche! Esquerda, direita, esquerda, direita. Direita volver. Alto. Apresentar armas.

Durante mais de meia hora, este novo pelotão deu várias vezes a volta ao largo principal da sanzala e efectuou uma série de exercícios, perante os olhares perdidos de riso de todos nós, civis e militares. Quando reparei que as manobras estavam a chegar ao fim e que o nosso comandante se preparava para mandar destroçar os miúdos, entrei na brincadeira:

— Então, que é lá isso? O nosso cabo vai mandar destroçar o pelotão sem o apresentar ao comandante do destacamento?

— Não senhor, meu alferes. Se o meu comandante me permite, apresento-lhe o novo pessoal acabado de recrutar e já com a instrução feita.

— Sim senhor, acho bem que mo apresente. — disse eu, procurando levar a situação a sério, sem me deixar rir, perante a surpresa e as risadas da população, que não contara com a colaboração do alferes na brincadeira. — Acho muito bem que me apresente esse novo grupo. Mas, antes disso, é necessário dar ordens para levantar umas rações de combate de bolachas para distribuir aos nossos jovens soldados. Têm de recuperar dos exercícios que fizeram.

— Sim senhor, meu comandante.

— Então apresente o pessoal e mande-o depois pôr à vontade, para procedermos à distribuição dos pacotes de bolachas. E depois é mandar destroçar.

 

A manhã acabou da melhor maneira. Foi uma manhã de satisfação para todos. Divertimo-nos durante quase uma hora. E foi uma manhã de alegria para os miúdos. Imitaram os graúdos e ganharam uma gostosa ração de combate.

E com este episódio caricato acabo a carta, porque já lá vai um enorme pedaço de tempo. Tenho o meu camarada à espera na loja do civil para passarmos um bocado a conversar e a jogar às cartas.

Um grande beijo para os pais e um abraço para os amigos aí da Metrópole. Até breve.

 

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