Missa dominical no destacamento

À hora da missa, tínhamos a caserna completamente cheia. Até os furriéis mais renitentes, que se dizem contrários a tudo quanto é religião e procuram mostrar-se avançados, revolucionários e inconformados com tudo, estiveram presentes. Durante os momentos de convívio, o capelão tem-se revelado sempre um elemento compreensivo e amigo do pessoal. Nenhum furriel teve a coragem de deixar de estar presente na celebração dominical, cumprindo um ritual que há muito estava esquecido de todos.

Quando se aproximou a parte final da missa, comecei a ficar apreensivo. Como era possível o pessoal participar na comunhão, se o padre não tinha ouvido ninguém em confissão? A coisa estava a intrigar-me deveras, tanto mais que assistira aos preparativos da missa. E, antes da celebração, o capelão tinha enchido o cálice com elevado número de hóstias, que retirou de um recipiente metálico cilíndrico, que tinha na maleta dos acessórios eclesiásticos.

Momentos antes da parte relativa à consagração do pão e do vinho, o capelão fez uma pausa e um momento de silêncio, que deixou toda a gente em suspenso. Uns segundos depois, que pareceram minutos, dirigiu-nos a palavra:

— Eu sei que muitos de vós, tal como o vosso comandante do destacamento, querem participar na comunhão, um acto sagrado para o qual todos deveis estar profundamente preparados, de corpo e alma. Estão talvez duvidosos, porque não os ouvi antes em confissão. Para um acto destes, não é necessário que me tenham desfiado, uma a uma, todas as vossas faltas. O que é preciso é que meditemos profundamente nelas e, perante Deus, nos mostremos sinceramente arrependidos e desejosos de seguir os rectos ensinamentos que Seu Filho nos ensinou. Cada um, em silêncio, consigo e com Deus, nos minutos seguintes, deverá reflectir sobre as faltas cometidas e mostrar-se arrependido.

Interrompeu bruscamente as palavras e baixou a cabeça, em sinal de reflexão. Durante uns minutos fez-se um grande silêncio na caserna, apenas quebrado, muito raramente, por um ligeiro tossir, que mais acentuava o silêncio envolvente. Três ou quatro minutos depois, ou talvez cinco, pois o tempo parece ter parado por um longo espaço, o padre quebrou o silêncio:

— Mostrais-vos sinceramente arrependidos de todas as faltas cometidas e dispostos a trilhar sempre um caminho de verdade e de justiça?

— Sim! — Respondeu toda a gente.

Ouvido este sim colectivo, o padre procedeu ao perdão dos pecados de maneira similar ao que sempre vi fazer aos padres, após a confissão.

Depois de uma oração colectiva de confissão dos nossos pecados, o capelão retomou a missa, procedendo à consagração do pão e do vinho.

Chegado o momento da distribuição da comunhão, fixou um olhar em mim, dando-me a entender que devia avançar para receber a comunhão e dar o exemplo a toda a gente. Não pronunciou quaisquer palavras. Bastou-me a interpretação daquele olhar.

Aproximei-me. Recebi a sagrada hóstia e, logo a seguir, entregou-me a patena, para o auxiliar na distribuição da comunhão à grande maioria do pessoal, que ordeiramente foi avançando em linha para logo retomar os mesmos lugares.

Curiosamente, depois da missa terminada e com todo o pessoal fora da caserna, tive uma sensação de maior leveza, como se algo de diferente se tivesse passado naquele instante e tivesse saído de cima de mim um peso que nunca senti.

O resto da tarde deste domingo foi passado em convívio com o pessoal, quer dentro do perímetro do destacamento, quer no campo em frente ao edifício do comando, onde alguns soldados se entretiveram a dar uns chutos no tempo.

E o pessoal de Quimbele e do Quitari, também participou na missa? — estão agora vocês a perguntar-me, pensando que me esqueci deste pormenor.

Não me esqueci de nada. Não voltei a falar deste pessoal, porque, como é lógico, cumpridas as missões e com os estômagos confortavelmente tratados com o leitão assado, que estava ainda melhor que da primeira vez, cada um dos grupos regressou à respectiva casa, antes que ficasse de noite.

— No teu relato não nos disseste se o capelão ficou satisfeito com o leitão.

— Como não disse? É preciso explicar tudo? Precisam de todos os pormenores? Não referi as exclamações de prazer do pessoal ao trincar os pedaços estaladiços dos animais, porque não é preciso. Basta que vocês aí, na metrópole, imaginem como é, quando se banqueteiam com uma ementa como esta. Por isso, saltei as conversas durante o almoço e passei logo para a bica. É mais do que suficiente para sabermos que não houve ninguém que não tivesse ficado satisfeito com a almoçarada. Por que razão acham que o capelão, e eu também, quisemos dormir uma sesta a seguir ao almoço? Depois de bem comidos e bem bebidos, mesmo com um café gostoso e forte, a sonolência ataca sempre a seguir a um bom repasto. É o sintoma de estômagos repletos e o físico satisfeito. Para esta almoçarada ficar um espanto, só cá me faltou uma boa charutada, como costumava fazer aos domingos, depois de um bom almoço em casa dos tios. Curiosamente, lembrei-me, na altura, do meu tio. Se ele aqui estivesse comigo, não deixaria de se levantar para ir buscar a caixa dos charutos ou das cigarrilhas. E teríamos então uma gostosa fumaça a seguir ao café e antes de batermos, quase sempre, uma sorna, como fazíamos naquelas gostosas tardes de domingo, em que costumava ir almoçar a casa dos tios e primas. Não tenho agora esses pequenos prazeres da vida, mas tenho dentro de mim as boas recordações desses momentos, para amenizar as saudades. O melhor é deixarmo-nos agora destas recordações. São demasiado boas e contrastam com a situação em que agora me encontro. É o que eu digo, se me fazem contar todos os pormenores, nunca mais chego ao fim dos aerogramas. E ainda tenho muita coisa para vos contar, porque o resto do domingo foi ainda fértil em acontecimentos. Logo, não voltem a interromper-me com as vossas questões. Tenho que acabar o relato da estadia do capelão, para passar à resposta às perguntas que me fazem nos vossos aerogramas.

Já que me cortaram o fio ao relato com a vossa pergunta sobre pormenores supérfluos, vou agora fazer uma breve pausa. Vou buscar mais uma bebida fresca e deitar uma golada de uísque no copo, para lubrificar a caneta.

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