Sós em pleno mato

Saltemos uma vez mais no tempo e recuemos até ao dia 17 deste mês, uma sexta-feira, dia passado quase na totalidade a elaborar o plano de defesa.

Ontem, pelas 18 horas, seguiu a coluna para Quimbele com o pessoal que viemos render. De manhã ainda fui com o alferes Manata a várias povoações. De tarde arrumaram a tralha e despediram-se de nós. Mas sobre isto falaremos no devido momento em pormenor, a menos que esqueça e passe para outro assunto. Isto de escrever quase ao correr da pena e com interrupções imprevistas pelo meio leva-nos, por vezes, a nem sempre seguirmos aquilo que antes pensámos. E, se já deram por ela, o facto de estar a rever os acontecimentos por tópicos está a fazer com que a narração não siga rigorosamente a ordem cronológica dos acontecimentos. Pode ser que um dia mais tarde aproveite toda esta vasta correspondência que vos vou enviando e escreva um romance sobre o tempo passado em Angola. E então aproveitarei todas as referências temporais, que vou indicando à medida que relato os acontecimentos, e colocarei tudo muito certinho nos trilhos do tempo.

Hoje, é o primeiro dia em que estamos entregues a nós próprios. E queira Deus que a divina providência vá deitando os olhos para estes lados, para que nada de mal nos aconteça.

Ao rebuscar a papelada que me ficou, verifico que não existe nada que me possa dar uma boa ajuda na elaboração de um plano coerente de defesa. A solução é pedir a ajuda aos furrieis e deitar mãos à obra.

Tenho quatro furrieis que me parecem simpáticos: o José Rodrigues da Costa, o Leonel Ramalho da Silva, o Manuel Faria e o Fernando Teodoro. Consultando os verbetes respectivos, o que tem maiores habilitações e mais expediente é o Rodrigues. Tem a frequência do primeiro ano do Instituto Industrial e parece-me um alfacinha com bastante experiência, apesar dos seus vinte e dois anos. Quando há problemas, costuma ter soluções rápidas e adequadas. Os outros três estão numa situação de empate: os mesmos vinte e dois anos e o mesmo grau de conhecimentos, ou seja, o terceiro ciclo incompleto do liceu. Aliás, vendo melhor os verbetes, estou neste momento a verificar que a minha leitura está incorrecta. O Leonel Ramalho tem o sétimo ano do liceu completo e exercia já o cargo de monitor da Telescola. Apesar desta diferença, estou indeciso sobre qual destes três últimos hei-de escolher para me coadjuvar na elaboração da planta. A solução é tirar à sorte. (...) Dos três últimos calhou-me um açoriano: o Manuel Faria Donato.

Vou ter de interromper abruptamente o relato dos acontecimentos. E logo agora que as ideias estavam a fluir com enorme rapidez e facilidade. Acabo de olhar para o postigo e verifico que o manto da noite começa a perder tinta. Daqui a pouco é dia e começa a actividade no destacamento. O tempo voou com incrível velocidade. Não dei pela sua passagem e nem o sono me afectou.

Despeço-me por agora. Retomarei o relato no ponto onde fiquei, ainda hoje, lá para o fim do dia ou começo da noite, se não me surgirem imprevistos. Um beijo para os pais.

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