Último serão em Luanda


 

De tarde, o serviço despachou-se num instante. Em breve estávamos de regresso ao Grafanil. Tomei rapidamente um chuveiro de água tépida. «Civilizei-me», isto é, larguei a farda e vesti-me à civil, para ir para Luanda. Não arranjei boleia à saída do Grafanil. Aproveitei um machimbombo que estava na paragem. Foi uma oportunidade de apreciar a comodidade dos transportes urbanos de Luanda, em nada diferentes dos de Coimbra. Autocarros novos e modernos, rápidos e confortáveis.

Cheguei à cidade muito antes da hora de jantar, o que me levou a dar uma volta pela ampla avenida junto à baía de Luanda. Em breve, ainda muito cedo, o Sol começava a aproximar-se da linha do horizonte, deixando uma larga esteira doirada sobre as águas calmas da baía. A pouco e pouco, o enorme disco solar começava a mergulhar nas águas do mar, sob um céu radiosamente doirado, duplicado pelo espelho calmo das águas. Depois de ter desaparecido completamente, o oiro vivo começou a esbater-se, passando a azul escuro. Em breve, esse azul foi substituído pelo manto escuro da noite, manto uniforme e sem qualquer decoração, salvo um ou outro raro ponto luminoso. Só tardiamente se tornou ornado de mil diamantes luminosos e, mesmo assim, bastante ofuscados pelas estrelas humanas que, a pouco e pouco, se foram acendendo por toda a cidade.

Olhei para o relógio e verifiquei que o tempo passara depressa e se aproximava a hora do encontro. Atravessei apressadamente as esplanadas da zona central da cidade, repletas de gente, por entre as quais procurei passar rapidamente para regressar à praça da Mutamba. Felizmente que esta parte da cidade é plana e a distância não é grande. Com as minhas passadas largas, ziguezagueando por entre a multidão, em breve estava no escritório do solicitador. E, pouco depois, entravámos no carro e dirigíamo-nos, não para a Ilha, mas para um dos muitos restaurantes da baixa de Luanda, onde tivemos um jantar muito agradável na esplanada e durante o qual se abordaram diversos temas.

Por volta das vinte e uma horas, o solicitador deixou-me junto ao Comando da Polícia de Viação de Luanda. O comandante convidara-me a vir passar o serão em casa dele e não podia faltar ao convite.

O serão foi muitíssimo agradável. O Capitão S. C. tinha montado o projector de diapositivos e o ecrã numa sala. Durante cerca de duas horas e meia, foram-se projectando imagens de diversas regiões de Angola, diapositivos que ele próprio fotografou durante as digressões feitas com a esposa por este vastíssimo e diversificado território.

O serão terminou com a nossa ida a um restaurante da Ilha. Na véspera, tinha-os convidado para irmos cear à Restinga, restaurante que eu já conhecia e onde, no segundo dia de estadia em Luanda, passara uns momentos agradáveis com os meus companheiros. A ceia consistiu numa boa mariscada, acompanhada com vinho verde bastante fresco e amena conversa sobre vários assuntos. Embora passasse já da meia-noite, a temperatura era elevada e não apetecia sair da esplanada onde nos encontrávamos. De vez em quando, uma leve brisa vinha refrescar-nos e lembrar-nos que se recolhêssemos a casa teríamos de suportar o calor e o suor das noites quentes do verão angolano.

Era cerca da uma da manhã quando demos por findo o serão. A hora ia já um pouco avançada e era ainda necessário levarem-me ao Grafanil, onde me esperavam os preparativos da viagem para o interior.

O final ocorreu duma maneira que não havia previsto. Quando ia para efectuar o pagamento das despesas, o empregado recusou-se a receber o meu dinheiro:

-- Peço desculpa, mas tenho ordens para não receber. Aqui quem manda é o Senhor Comandante. Tenho ordens para não lhe aceitar o dinheiro.

Vou ter de interromper o relato que vos tenho vindo a fazer. A hora vai avançada. Não me quero deitar sem antes efectuar uma ronda pelo aquartelamento. Necessito de dar algum apoio ao pessoal de serviço e, sobretudo, verificar se está tudo na devida segurança. Este trabalho compete a um dos furrieis de serviço. Não é por falta de confiança neles... mas é sempre bom o responsável por todo o pessoal dar uma volta, em horas e dias incertos, pelos postos de sentinela. O Diabo por vezes prega-as e a prudência morreu de velhice.

Um abraço. Em breve terão outras notícias.



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