Excursão à mata e consequências

Da parte da tarde, como não tinha nada que fazer, pois o serviço está todo distribuído e as tarefas normais são rotineiras e encontram-se contempladas nas escalas de serviço (elaborar ordem de serviço, criptar e descriptar mensagens, orientar as actividades, etc.) convidei um dos furriéis a ir dar uma volta comigo pela zona da mata, que observei de longe durante o meu passeio de inspecção:

— Quem é o furriel que quer vir dar uma volta comigo até à mata que fica no vale, na extremidade Norte da pista?

— Eu não me importo de o acompanhar, alferes Ulisses — disse o Teodoro.

— Eu posso ir também — acrescentou o Rodrigues. É melhor do que estar aqui sem fazer nada. É só para passear?

— Claro! É para ajudar a passar o tempo e também para descobrir um pouco a área envolvente. Temos a toda a volta do planalto matas verdejantes e densamente povoadas de animais. Mas vamos armados. Além de grandes bandos de macacos, poderemos ter a sorte de encontrar caça grossa. Seria agradável trazer uma boa peça de caça, para variar a ementa.

— Essa é uma excelente ideia! — consideraram os furriéis. Não seria nada mau trincar uns bons pedaços de carne assada de churrasco com bastante gindungo! acrescentou um deles.

— Mas cuidado, não podemos ir de calções e em tronco nu. Será melhor levarmos os camuflados e as botas de lona. Além de nos protegerem dos insectos, o camuflado ensopa com o suor e a evaporação ajuda a arrefecer a temperatura do corpo.

— Como assim, alferes? — perguntou surpreendido o Teodoro.

— É fácil de explicar. Trata-se de um princípio da Física bastante conhecido. Toda a evaporação produz um arrefecimento. Já pensou por que razão os bombeiros humedecem as fardas quando têm de enfrentar as chamas? Não é só para evitar que elas peguem fogo. E como é que as nossas arcas frigoríficas funcionam? Não será graças ao calor produzido pela chama do petróleo na base da coluna metálica?

— Isso já foi estudado por nós na Física — completou o Rodrigues, interrompendo o meu discurso e mostrando também a sua sabedoria. Lembro-me perfeitamente disso e de ter estudado um esquema de funcionamento dos sistema de refrigeração dos frigoríficos. No Inverno, até se nota o calor que eles libertam na parte de trás. Um amigo meu, que pratica «caravenismo» mesmo durante o Inverno, utiliza o frigorífico a gás da rulote como fonte de calor.

— Deixemo-nos de teorias de Física e tratemos de nos arranjar e sair. As tardes passam num instante e temos de estar de regresso ao quartel ainda de dia.

O passeio permitiu-nos descobrir o que já vislumbrara de manhã: uma mata densa e umbrosa, plena de vida e de ruídos estranhos de aves desconhecidas e de bandos de macacos, que vinham espreitar curiosos e depois fugiam agilmente, ao verem as nossas armas. E reflecti sobre este pormenor. Durante a manhã, mantinham-se nos topos das árvores a olharem para mim e para o cão, cheios de curiosidade e sem qualquer receio. E agora, mal nos observavam, era a debandada geral. Será porque trazíamos as espingardas connosco? De facto, muitos são abatidos a tiro pelos GEs e assados como se fossem cabras ou veados. E os nossos parentes afastados, com aqueles olhitos vivos de esperteza, não deixam escapar os pormenores e dão o grito de alarme: «Fujam, que estes vêm armados com varas que cospem fogo e nos chacinam!»

Durante o passeio pela mata, deparámos com uma cabra de mato mesmo em posição para ser abatida. Mas o Buge, que teimou em nos acompanhar, apesar de o termos mandado para o quartel, pressentiu a nossa intenção e espantou o animal, colocando-se de permeio. A cabra escapou velozmente e nós não pudemos atirar, com receio de atingir o nosso companheiro de quatro patas.

Chegámos ao quartel frustrados e completamente estourados pela longa marcha. Eram dezoito horas e o Sol começava já a despedir-se de nós.

Pelas dezoito e trinta, tive de me enfiar na cama. Estava com febre e grandes arrepios de frio. O meu jantar foram os comprimidos que o cabo enfermeiro me deu. Ficou o serviço do quartel assegurado pelo furriel de dia.

Levantei-me só hoje, dia 29, por volta da hora do almoço. O cabo enfermeiro alvitrou que os arrepios deverão ter sido um prenúncio de paludismo, frequente nesta zona devido à quantidade de mosquitos. Eu creio que não. A causa deverá ter sido, segundo creio, um excesso de exposição aos raios solares, pois andei praticamente todo o dia fora do quartel, debaixo da fornalha solar, num período em que o astro-rei se encontrava no ponto mais alto.

Felizmente, durante o resto da tarde, que passei em descanso, recuperei a boa disposição. E a prova está nesta longa carta que agora vos envio, que me ocupou a tarde inteira. E o ter retomado a escrita foi para os furriéis um grande alívio. Estavam preocupados por me verem na horizontal e com receio de ficarem sem o comandante durante algum tempo.

Dizia eu, no começo desta série de aerogramas, que os registos da agenda não eram muitos. De facto, eles muitos não são! Apenas meia dúzia de linhas. Se sendo tão poucos deram para tantos aerogramas, imaginem o que seria se fossem muitos!

Por agora é tudo. Apenas peço que dêem um passeio até Águeda, porque o carro precisa de andar, que visitem o primo Adolfo e lhe dêem a ler a cópia da carta que escrevi para Luanda. Foi graças a ele que arranjei alguns bons amigos na capital de Angola.

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