Reconhecimento exterior com o Buge |
O dia 28 de Novembro passou-se sem nada de especial para registar. Mas, mesmo assim, creio tê-lo passado duma forma positiva. Depois das rotinas normais de serviço, aproveitei a manhã para dar uma volta a todo o aquartelamento. Efectuei o circuito pelo lado exterior, para verificar se há algum ponto vulnerável. Ontem, toda a cercadura envolvente do quartel foi fortemente reforçada com arame farpado. Agora, é preciso verificar, com toda a calma e vagar, quais as zonas vulneráveis por onde eu atacaria se fosse terrorista. Colocando-me do lado contrário, é-me mais fácil equacionar os dados e aumentar a segurança.
Não posso deixar de acrescentar, para que o meu relato seja o mais rigoroso possível, que o meu passeio matinal não foi solitário. Além de me acompanharem os meus pensamentos e as saudades de casa, tive uma companhia agradável e de toda a confiança. Com todos os meus vagares, em estilo de passeio, de calções e manga curta, sem armas e inteiramente descontraído, efectuei todo o percurso circundante na companhia do Buge, um cão branco já veterano no quartel. Parece que o animal simpatizou comigo desde o primeiro dia que cheguei ao destacamento. Tomou-me como companheiro. É ele que me faz muitas vezes companhia, quando vos estou a escrever. E se saio do quartel, costuma acompanhar-me como se fosse uma pessoa amiga. É um cão muito inteligente e amigo de todos. Durante a noite, recusa-se a dormir no nosso edifício. Sabe que os soldados necessitam do seu apoio psicológico. De maneira que faz companhia às sentinelas e está atento aos mais pequenos ruídos. Às vezes, parece que está a dormir. Mas mesmo deitado, as orelhas parecem dois radares. Se há qualquer ruído que fuja do normal, é vê-las concentrarem-se em direcção à origem do som. E se necessário, lá está prontamente de pé, para dar o alarme. Faz já parte da dotação do quartel, à semelhança do velho Manel, o civil que vive connosco e que registei também nos meus verbetes, quando efectuei o levantamento de todo o pessoal à minha responsabilidade.
O passeio à volta do aquartelamento foi agradável e produziu os seus frutos. O lado junto à pista de aviação parece não oferecer grande perigo. Terroristas que se aproximem por aqui serão detectados com relativa facilidade, porque toda a zona é plana e sem qualquer desnível de terreno capaz de fornecer abrigo a um atirador. Os postos de sentinela cobrem perfeitamente toda a área. A extremidade norte da pista, se é que o Norte fica nesta direcção, termina numa descida abrupta, cujo panorama envolvente é magnífico. O Alto Zaza fica mesmo no topo de um planalto, cujo nível está acima de todas as elevações circundantes. Lá em baixo, dir-se-ia termos um enorme oceano de verdura. As copas das árvores, que constituem densas matas, não deixam ver outra tonalidade que não seja o verde. Devem ser uma zona de grande humidade e relativa frescura, onde a vida selvagem não deve faltar. Nas árvores da mata mais próxima, no fundo da encosta e a uns cem ou duzentos metros, tive mesmo a oportunidade de ver os nossos antepassados arborícolas a saltarem de ramo em ramo. São bandos numerosos de macacos, que passam agilmente de árvore em árvore. Creio mesmo que alguns olhos brilhantes me espreitaram do cimo das copas, para verem quem eram os dois passeantes que andavam por ali tão isolados. Cheguei mesmo a pensar que o Buge se deitaria a correr ao encontro deles. Mas não! Manteve-se impávido e sereno ao meu lado. Creio ter sentido os seus pensamentos dizerem-me que ali andavam bandos de macacos inofensivos e curiosos, espantados por nos verem aos dois em descontraído passeio.
O lado mais vulnerável do quartel parece-me ser o das cozinhas, no lado oposto ao da pista arenosa, onde qualquer avião, por muito leve que seja, se enterrará facilmente se algum dia ali aterrar. Após a cercadura de arame sobre pilares, nos quais temos projectores inoperacionais por falta do gerador, existe apenas uma estreita faixa de terreno descoberto, correspondente a uma picada que leva não sei onde. Depois, é uma mata densa, propícia a atacantes invisíveis, a coberto da noite e da vegetação. Significa isto que terei de imaginar outros dispositivos, que impeçam qualquer aproximação nocturna.
No flanco em frente ao quartel, apesar do vasto espaço plano fornecido pelo campo de futebol, há um montículo de terreno com mais de um metro de desnível. Fica quase frontal aos abrigos em frente do edifício do comando, abrangendo toda a área desde a entrada do quartel ao abrigo do canhão sem recuo. Terei de providenciar para arranjar uma máquina que elimine esse desnível. Este local constitui um óptimo abrigo para um ataque. E a melhor protecção contra impactos de projécteis é precisamente a terra densa e arenosa que constitui este pequeno montículo, onde quatro ou cinco atiradores terroristas poderão infligir baixas a quem se encontre no quartel. |
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