A bacia hidrográfica do Vouga


A. Lopes Alves - In: "AVEIRO E O SEU DISTRITO", N.º 23/25, 1977/78, pp. 9-13

 

 

 

1 - O VOUGA E OS TERRENOS ONDE CORRE

Parte das terrenos da bacia hidrográfica do rio Vouga são formados pela Meseta Ibérica e neles predominam os terrenos Graníticos, Arcaico e Pré-Câmbrico e por terrenos de depósitos marinhos e fluviais de diversas espécies distribuídas por manchas do Mesozóico, Cenozóico e, mais recentemente, no litoral, do Quaternário.

Na Serra da Lapa, perto do marco geodésico denominado «Facho da Lapa», a cerca de 950 metros de altitude, nasce o rio Vouga, quase no limite ocidental da Meseta Ibérica. A sua nascente dista pouco mais de 900 metros da estrada Aguiar da Beira - Moimenta da Beira, no ponto em que esta corta a povoação da Lapa.

Caminhando em direcção da ria de Aveiro banha várias terras conhecidas ou passa perto de outras de igual importância.

S. Pedro do Sul situa-se na sua margem direita, na foz do rio Sul, um dos seus afluentes mais importantes.

Mais para jusante, a escassos quilómetros, encontram-se as Termas de S. Pedro do Sul, famosas pelas suas águas sulfurosas, procuradas pelo nosso primeiro rei e utilizadas já pelos Romanos.

Aqui já o Vouga desceu para a cota 140, ou seja, em cerca de 54 kms, o seu leito baixou 810 metros. Oliveira de Frades, Pinheiro de Lafões, Ribeiradio são povoações conhecidas situadas na estrada de Aveiro - Viseu, na margem esquerda.  

Bela paisagem em que sobressai o Rio Vouga e os pinheiros que o ladeiam.

Perto de Ribeiradio, cerca da cota 50, projecta-se a construção de uma grande barragem que irá servir de albufeira regularizadora dos caudais do rio Vouga permitindo encaixar grandes caudais de cheia, retê-los no Inverno, e largá-los para jusante em época do ano que não perturbe as sementeiros dos férteis campos do Baixo Vouga e da zona lagunar.  

A partir da ponte de Paradela, entre a cota 30 e 40, começam a surgir, até à ponte de Sernada, pequenas veigas marginais que os povos ribeirinhos protegeram com arvoredo da acção erosiva das águas e cultivaram ou arborizaram.  

Da ponte de Sernada, onde o rio corre abaixo da cota 10, começa para jusante o Baixo Vouga com os férteis campos marginais alargando-se cada vez mais atingindo o seu máximo em frente da povoação da Taboeira com cerca de 3000 metros de largura.

Para jusante da ponte do caminho de ferro Lisboa-Porto espraiam-se os campos do Vouga lagunar, que se estendem de Sarrazola, na margem esquerda, até Ovar, já fora da bacia hidrográfica do Vouga.

Da análise do perfil longitudinal do Vouga podemos, pois, dividi-lo numa zona encaixada em montanhas entre a sua nascente e Paradela, uma zona intermédia entre a ponte de Paradela e a ponte de Sernada, e a zona do Baixo Vouga entre esta ponte e a ria de Aveiro.

Nesta zona podemos distinguir uma mais seca, de Sernada a Cacia, e uma mais húmida que engloba todos os terrenos que bordejam a ria de Aveiro para nascente.

  Aproveitamento hidráulico da bacia do Rio Vouga.

II - OS AFLUENTES DO VOUGA

Tratando-se de uma corrente de pequena bacia hidrográfica dos afluentes do Vouga têm necessariamente de ser pequenas linhas de  água.

De montante para jusante temos, na sua margem direita, mencionando só os principais, o rio Mel, o rio Sul, que desagua perto de S. Pedro do Sul, o rio Varoso, o rio Teixeira, o rio Arões, onde os Serviços Hidráulicos empreenderam várias pequenas obras de retenção de águas para rega, o rio Mau e o rio Caima.

Na sua margem esquerda o rio Troço, o de Ribamá, o MarneI, o rio Águeda com o seu grande afluente, o Alfusqueiro, designação imprópria, pois o Alfusqueiro é mais importante que o rio Águeda, e deveria chamar-se ou rio Águeda, por banhar esta vila, ou Alfus­queiro até à sua foz e o rio Águeda, que nasce na serra do Caramulo, e que se junta ao Alfusqueiro na ponte de Bolfiar, deveria possuir outra designação. Como grande afluente do Águeda deverá mencionar-se também o rio Cértima que, espraiando-se na Pateira de Fermentelos vem desaguar no Águeda na ponte de Requeixo.

Oficialmente, por razões de ordem administrativa e por se inserirem num todo que tem como centro a ria de Aveiro, incluem-se no organismo oficial que fiscaliza as correntes da bacia hidrográfica do rio Vouga aquelas que vão desaguar à ria de Aveiro, com excepção da vala da Fervença, na zona de Mira, que vai desaguar ao extremo sul da ria de Aveiro. Assim estão sob a jurisdição da Secção Hidráulica de Aveiro os rios Caster, Gonde, Fontela, Antuã e seus afluentes UI e Ínsua, e Jardim para só mencionar os mais importantes, todos a norte de Aveiro e o rio Boco a sul da capital do distrito.

Também se incluem na sua jurisdição as correntes a sul da barrinha de Esmoriz.

Pelo seu caudal, pela sua extensão e pelas potencia­lidades energéticas que encerram, os mais importantes são o rio Sul, o Caima, o Alfusqueiro, o Águeda, o Antuã e o MarneI.

No estudo do «Aproveitamento Hidráulico da Bacia do Rio Vouga», que a Direcção Geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos  encomendou à COBA (Consultores para Obras, Barragens e Planeamento, S A. R. L.) esta organização prevê o aproveitamento do rio Vouga e seus afluentes, bem como do rio Antuã para fins hidroeléctricos, de regularização de caudais, abastecimento de água às populações, à indústria e irrigação dos campos do Baixo Vouga e Águeda.

Embora a bacia hidrográfica do Vouga possua mira­douros donde se abarcam paisagens que dificilmente se esquecem, quero aqui chamar a atenção para um acidente geológico do qual resulta uma das belezas mais impressionantes do distrito e quiçá do País. Está relacionada com um dos rios mencionados. Trata-se da queda da Mizarela, na Serra da Freita, entre os concelhos de Arouca e Vale de Cambra.

O rio Caima nasce nesta Serra, na zona de Alber­garia das Cabras, e a poucos quilómetros da sua nascente, junto do povoação de Mizarela, existe um afundamento no terreno, que passa bruscamente da cota 900, para cota muito inferior. Serpenteando numa zona planáltica chega a um ponto em que lhe falta o pé e então precipita-se bruscamente no espaço, eno­velado num cordão algodoado, esparrinhando aqui e ali a rocha nua e saltando na base rija a caminho do mar.

Atendendo a que se trata de uma corrente relativa­mente pequena, a que a cachoeira fica a escassos quilómetros da nascente, convém que o local seja visitado em Inverno chuvoso ou em Verão em que o rio leve apreciável caudal.

  

III - A ÁGUA

 a) Irrigação

Os organismos vivos necessitam de água indispensável à sua existência.

Barragem no rio Arões.

Por isso, uma linha de água deve ser aproveitada integralmente, pois a água está a tornar-se uma das matérias-primas mais importantes de que necessita o homem. Só quando nos falta a água é que lhe damos o valor, como aconteceu no Verão de 1976, em que em muitas regiões do País a própria água potável, necessária à bebida e ao fabrico das refeições, se tornou escassa. Anos seguidos de quase ausência de chuvas vieram pôr em relevo a importância fundamental da água na nossa vida.  

Regadio de Folhense - Açude e Albufeira.

Habituados como estávamos a tê-la em abundância, a desbaratá-la, quando se pôs o problema de não a termos para beber veio-nos de repente à ideia a sua importância fundamental.

Há, pois, que aproveitar as águas das bacias hidro­gráficas e não só aproveitá-las, preservá-las de agentes químicos e orgânicos que as possam poluir.

O aproveitamento das águas faz-se sob múltiplos aspectos. Aproveita-se a água para irrigação dos campos, para produção de energia eléctrica, para abastecimentos de águas, para diluição de esgotos, para abastecer fábricas, etc.

Na  bacia  hidrográfica  do  Vouga  os  Serviços Hidráulicos têm executado dezenas de pequenos projectos para irrigação de terrenos.  

Regadio de Folhense - Regadeira.

Essa irrigação pode fazer-se por gravidade, construindo um açude numa corrente e derivando as águas represadas por meio de levadas ou, então, elevando as águas de uma linha de água por meio de bombagem para tanques donde são distribuídas por gravidade ou por tubos.

No primeiro caso podemos mencionar o interessante projecto do regadio de Souto Mau e Lourizela. No rio Arões, numa garganta apertada desta corrente, perto de Souto Mau e junto da estrada Vale de Cambra - S. Pedro do Sul, foi construída uma barragem em betão de 17 metros de altura. Dessa barragem parte uma conduta que abastece uma levada em betão armado que conduz a água para Souto Mau.

Um repartidor lança parte da Água no rio Arões, a jusante da barragem, que vai ser derivada a cerca de 2 km. para Lourizela por um açude também construído pelos Serviços Hidráulicos.

Como exemplo do segundo caso temos o Regadio de Travassô.  

Regadio de Travassô - Tanque de água.

Dois grupos de bombas eléctricas elevam as águas do rio Águeda em condutas de aço para dois grandes tanques construídos no alto de Travassô. Daqui as águas são conduzidas por meio de tubos de polietileno para bocas de rega donde sai a água para irrigar os terrenos.

Muitos outros aproveitamentos se pontuam na bacia hidrográfica do Vouga onde obras semelhantes foram executadas.

 

b) - Abastecimento de águas

O aumento constante da população, se exige que a produção de alimentos vegetais se eleve para acudir às carências crescentes das pessoas, exige, por outro lado, que estas sejam abastecidas de águas próprias para beber. Estas águas vão buscar-se ou ao subsolo ou aos rios, construindo nestes embalses que barrem a sua caminhada permanente para o mar e a armazenem para em seguida ser derivada para nossas casas.  

Regadio de Travassô - Conduta de elevação.

Da mesma maneira, a indústria necessita de enormes quantidades de água para beber, para lavagens, para aplicação na transformação da matéria-prima em produtos acabados.

O problema está a atingir proporções mundiais pois verifica-se hoje que com o aumento extraordinário da população, o desenvolvimento do urbanismo e a expansão industrial e agrícola, as reservas de água diminuem extraordinariamente, pensando-se já seriamente em lançar mão das águas do mar e no aproveitamento dos «icebergs» para suprir as carências de água potável em terra.

 

c) Poluição

É já antiga, diremos mesmo contemporânea com o aparecimento do homem, a poluição das águas. A lavagem de roupas e das vísceras dos animais nos rios, e a canalização dos esgotos domésticos para as correntes, marcam o início da poluição das águas. Mais tarde, com o desenvolvimento dos centros populacionais, a poluição aumentou com a cana­lização dos esgotos para os rios.

Hoje, com o formidável desenvolvimento do urbanismo e da indústria, o problema atinge aspectos de grande gravidade.

As grandes cidades lançam os esgotos por tratar para a corrente mais próxima poluindo as suas águas com as substâncias orgânicas putrefactas. Por um lado, perde-se para a agricultura a substância orgânica que é evacuada para o rio e que poderia ser aproveitada em estações de tratamento de esgotos apropriadas; por outro, polui-se a água que escasseia cada vez mais e que a jusante do seu lançamento para o rio não pode ser aproveitada quer para a agricultura, quer para a indústria.

Mas é na indústria que o problema atinge mais acuidade. A indústria necessita de grandes volumes de água para poder trabalhar e, de uma maneira geral, essas águas, no ciclo final do circuito industrial, são lançadas, carregadas de substâncias químicas poluentes, na corrente mais próxima, inutilizando as suas águas do ponto de vista potável e tornando-as muitas vezes impróprias para a vida da fauna piscícola. Produtos químicos que matam o peixe, quer actuando directamente no seu organismo, quer extraindo à água o oxigénio necessário à sua respiração, misturam-se nas águas residuais e poluem as águas superficiais, diminuindo assim os volumes de águas naturais que podem ser utilizadas pelo homem.

Trata-se de um problema de grande transcendência económica, social, de saúde e até político, atendendo à dificuldade em dar solução às diversas componentes do mesmo, mas estamos certos que a seu tempo terá a devida solução.  

Cheias do Vouga e Águeda, em Eirol.

Torna-se, portanto, necessário preservar e aprovei­tar as águas das nossas correntes e daí podermos afirmar que a bacia do rio Vouga é uma das maiores riquezas, pois é ela que, quer retendo no seu subsolo as águas das chuvas, quer conduzindo-as ao longo das correntes naturais para serem aproveitadas sob múltiplos aspectos pelo homem, oferece a matéria-prima fundamental para a sobrevivência dos seres vivos que nela vivem - a água.

 

Aveiro

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2001