Brasão de
Nicolau Ribeiro Picado, na frontaria da Casa do Seixal. |
A
Casa do Seixal, situada na antiga Rua do Seixal, actualmente
Rua dos Voluntários Guilherme Gomes Fernandes, é um edifício
seiscentista com cinco sacadas, de grades de ferro de varões
galbados, assentando as respectivas bacias sobre mísulas. A
entrada é feita por escada de patamar com alpendre quadrado
(1). Está associada à Capela da Madre de Deus, que lhe
fica fronteira, fundada por Nicolau Ribeiro Picado (2).
Nicolau
Ribeiro Picado foi fidalgo da Casa Real, cavaleiro da Ordem
de Cristo, familiar do Santo Ofício, capitão de cavalos no
exército de Entre Douro e Minho e mestre-de-campo na Guerra
da Aclamação, tendo ocupado o cargo de provedor da Misericórdia
de Aveiro de 1674 a 1676. |
Era
filho de António Saraiva Picado, escrivão da vila de Eixo pelo
Estado de Bragança, no almoxarifado do mesmo estado, baptizado na
Vera Cruz a 8-2-1606, e de sua primeira mulher, Inês Ribeiro
Machado, a qual faleceu na Vera Cruz, a 2-8-1638, e era neto
paterno de Bartolomeu Afonso Picado, o Velho, que fora recebedor
das rendas das freiras de Jesus, na vila de Angeja, procurador
do concelho da vila de Aveiro e almotacé, tendo falecido na Vera
Cruz a 20-12-1639, e de Isabel Dias, também aí falecida a
15-4-1627. Eram seus avós maternos Pedro Machado e sua primeira
mulher Catarina Gomes (3).
Nicolau
Ribeiro Picado foi baptizado na Vera Cruz, a 14-12-1636, e casou
com D. Leonarda da Cunha Rebelo, de Águeda, filha de José
Cerveira da Cunha e de sua mulher Brites de Almeida Queimado. Teve
um filho de nome João, baptizado na Vera Cruz a 21-11-1673 e que
morreu menino. Casou segunda vez com D. Maria Saraiva de Vila
Lobos, filha de João de Figueiredo, de Mogofores, e de Catarina
Lobo de Oliveira. Deste segundo casamento nasceu João Saraiva
Ribeiro Picado, baptizado na Vera Cruz a 27-11-1681. Após a sua
morte, ocorrida a 21-9-1688, D. Maria Saraiva passou a segundas núpcias
com Miguel Vieira Guedes.
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Aspecto da
Casa do Seixal na Rua dos Voluntários Guilherme Gomes
Fernandes, antiga Rua do Seixal. |
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João
Saraiva Ribeiro Picado foi fidalgo da Casa Real. Com o seu
casamento com D. Escolástica Josefa Maria de Castelo Branco,
filha de Tomás de Sequeira de Castelo Branco e de D. Serafina
Moniz de Mascarenhas, casamento esse realizado em Coimbra, herdou
o cargo de provedor dos marachões do Mondego. Foi seu filho António
José Saraiva de Castelo Branco Picado, baptizado a 13-4-1706, em
Mogofores.
António
José Saraiva de Castelo Branco Picado casou com D. Micaela Luísa
de Aguiar Franco, natural da freguesia de S. Nicolau de Vila da
Feira, filha de João Ferreira da Cruz, cavaleiro da Ordem de S.
Tiago, natural de Maçãs de D. Maria, e de sua mulher D.
Francisca Luísa Teresa, natural da freguesia de S. Pedro de Alfama,
da cidade de Lisboa.
De
António José Saraiva e de D. Micaela Luísa foram filhos José,
baptizado a 29-6-1733, Bernardo, baptizado a 20-8-1734, e Gonçalo,
baptizado tal como os seus irmãos, na Capela da Madre de Deus, a
23-10-1735. Segundo o linhagista Luís da Gama, todos morreram
solteiros e sem geração, o que parece bastante provável dado a
Casa do Seixal ter ido parar à posse de pessoas estranhas à família
(4).
Na
frontaria da capela está o brasão de Nicolau Ribeiro Picado, que
é o seguinte: escudo partido em pala, do lado direito Pintos, a
outra parte está dividida em faixa, na superior Saraivas, na
inferior Ribeiros; sobre o escudo iam elmo e um paquife. Acima do
brasão foi colocada, posteriormente, a Cruz de Cristo. Como acima
foi dito, Nicolau Ribeiro Picado era cavaleiro dessa Ordem.
Pode
parecer estranha a inclusão das armas dos Pintos no brasão.
Alguns autores chegam a aventar a hipótese de se tratar das armas
dos Ulveiras, que são idênticas. Bastaria, contudo, um ligeiro
estudo genealógico, para se ver que de facto as armas são as dos
primeiros. De Bartolomeu Afonso Picado, o Velho, (assim chamado
para diferenciar de um seu filho do mesmo nome) e de sua mulher,
foi filha Maria Pinto, baptizada a 22-12-1595, na igreja da Vera
Cruz, onde casou a 20-6-1619 com o licenciado Julião de
Figueiredo (5).
A
Casa do Seixal veio a pertencer a D. Ana Clementina de Araújo
Cabral Montês, natural e residente em Cidadelhe, concelho de Mesão
Frio, detentora do emprego vitalício de correio-mor de Coimbra,
viúva de Francisco Jusarte de Quadros e Meneses, fidalgo da Casa
Real. Com esta senhora veio viver para o Seixal o seu irmão, António
Nuno de Araújo Cabral Montês, conhecido como o «Fidalgo do
Seixal», que foi nomeado coronel de milícias de Oliveira de Azeméis
e, em 1828, foi eleito, conjuntamente com Bernardino António de
Soveral Tavares, para representar o concelho de Aveiro nas cortes
que se reuniram para a aclamação de El-Rei D. Miguel I.
Com
a vitória do partido liberal, António Nuno Montês estabeleceu
residência nas proximidades de Coimbra, onde veio a falecer.
Ficaram herdeiros os filhos de seu irmão João Baptista de Araújo
Cabral Montês. Dado estes serem ainda menores, ficou como tutora
sua mãe, D. Carlota Casimira Champalimaud de Sousa Lira e Castro,
a qual, por dificuldades financeiras em que a família se
encontrava, a resolveu vender.
Foi
adquirida a 7-1-1849 por Francisco José Tomé Marques Gomes para
seu cunhado Manuel José Mendes Leite (6).
Mendes
Leite nasceu em Aveiro a 18-5-1809, sendo seu filho de Bento José
Mendes Guimarães e de Teresa Tomásia Leite. Frequentou o curso
de Direito da Universidade de Coimbra, que veio a interromper por
motivos políticos. Pertenceu ao Batalhão Académico, organizado
a 16 de Maio de 1828. Com a derrota dos partidários do Imperador
do Brasil, emigrou para a Galiza e daí passou à Inglaterra. Só
depois da vitória dos exércitos liberais pôde concluir os seus
estudos.
Mendes
Leite ocupou vários cargos públicos, foi secretário-geral do
Governo Civil de Aveiro, tendo posteriormente desempenhado o cargo
de governador civil, comandante do batalhão de Aveiro da Guarda
Nacional e deputado pelo círculo eleitoral de Aveiro.
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Companheiro
inseparável de José Estêvão, com ele e com Rodrigues
Sampaio fundou o jornal «Revolução de Setembro». A sua
oposição ao governo dos Cabrais forçou-o a novo exílio.
Participou
na expedição do Conde das Antas, aprisionada, fora da
barra do Douro, pela esquadra inglesa; e foi por isso
encarcerado na fortaleza de S. Julião da Barra, onde chegou
a estar hasteada a bandeira de Inglaterra.
Esteve
também prisioneiro no Limoeiro, falsamente acusado de
cumplicidade na «conspiração das Hidras» (7).
Novamente
eleito deputado, em 1851, notabilizou-se ao apresentar o
aditamento, esse aprovado após larga discussão, na sessão
de 29 de Março de 1852 (8). |
Bilhete
postal representando o «Herói dos Dembos», o general
João de Almeida. |
Mendes
Leite faleceu na Casa do .Seixal, a 20-8-1887. Ficou, então, a
quinta do Seixal e a capela na posse de seu filho adoptivo, Manuel
Luís Mendes Leite.
Manuel
Luís Mendes Leite era oficial da armada, tendo casado a
21-3-1871, em Macau, com D. Clara Leite Mendes Leite, filha do
general de brigada Jerónimo Pereira Leite, natural de Macau, e de
D. Firmina Serva Leite, natural de Lisboa.
Deste
casamento teve duas filhas: D. Maria Luísa e D. Laura Mendes
Leite. Esta última nasceu a 31-12-1881, na Casa do Seixal, e
casou com o general João de Almeida.
O
general João de Almeida nasceu a 5-10-1873 em Cairrão, freguesia
de Vila Garcia, concelho da Guarda.
Descendia
por seu avô paterno de João Fernandes Pacheco, alcaide de
Alfaiates, que, na batalha de Aljubarrota, comandou uma hoste de
beirões por ele organizada.
Em
1901, sendo tenente, tirou o bacharelato em Matemática e filosofia
da Universidade de Coimbra.
Participou
na campanha dos Dembos, tendo a sua acção sido de tal modo notável
que passou a ser conhecido pelo «Herói dos Dembos».
Em
1908, foi nomeado Governador do Distrito de Huíla, cargo que já
desempenhava interinamente desde Janeiro de 1907.
Com
a implantação da República começaram as perseguições.
A
este respeito escreveu Henrique Galvão:
«Mas
entretanto mudava o regimen.
E
o Governador, que nunca fora nem tivera tempo para ser político,
teve de ceder o lugar a um parente do chefe de Gabinete do
Ministro da Marinha e Ultramar do Governo Provisório, o qual
precisava de ir à África ganhar uns cobres (9)»
Abatido
ao efectivo do Exército, em Outubro de 1912, foi forçado a
exilar-se, formando-se, então, em Engenharia Civil pela École du
Génie Civil, em 1914. Em 1918 é reintegrado, voltando a ser
demitido, por motivos políticos, em 1919, já no posto de
coronel.
Reintegrado
novamente, atingiu o generalato, ocupando diversos cargos, tendo
inclusive chegado a sobraçar por alguns dias a pasta das Colónias.
Os
últimos anos da sua vida foram consagrados à actividade de
escritor.
Faleceu
em Lisboa a 5 de Maio de 1953 (10).
Entre
as suas condecorações, contavam-se a de Grande Oficial da Ordem
Militar da Torre e Espada, de que era Comendador desde 1908,
depois das operações dos Dembos, a medalha «Rainha D. Amélia»
com a legenda «Dembos», a medalha de ouro de Serviços Distintos
no Ultramar, e a Legião de Honra.
Reside
actualmente na Casa do Seixal o oficial de cavalaria Alexandre
Mendes Leite de Almeida, filho do general João de Almeida.
ARTUR
JORGE ALMEIDA
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NOTAS:
(1)
- A. NOGUEIRA GONÇALVES, «Inventário Artístico de Portugal —
Distrito de Aveiro — Zona Sul», Lisboa, 1959, p. 153.
(2)
- «Arquivo do Distrito de Aveiro», Aveiro, 1936, Vol. II, p.
152.
(3)
- Ibidem, 1976, Vol. XLII, p. 72.
(4)
- Ibid., 1945, Vol. XI, pp. 93 a 99. Chama-se
a atenção do leitor para os inúmeros lapsos de Moura Coutinho,
no seu artigo: “Picados, Pericões e Migalhas de Aveiro”.
Todas as datas e a filiação referentes à família Picado acima
apresentadas são as que constam dos registos paroquiais da Vera
Cruz.
(5)
- Vide livros de assentos da Vera Cruz.
(6)
- RANGEL DE QUADROS, «Aveiro (Apontamentos Históricos),», Vol.
III, pp. 149 a 169 (fotocópia de recortes existentes na
Biblioteca Municipal de Aveiro).
(7)
- RANGEL DE QUADROS, «Aveirenses Notáveis», Vol. II, pp. 267
a 279 (fotocópia de recortes existentes na Biblioteca Municipal
de Aveiro).
(8)
- ANTÓNIO CHRISTO, «Efemérides Aveirenses», Aveiro, 1959, Vol.
1, p. 64.
(8)
- HENRIQUE GALVÃO, «História do Nosso Tempo — Acção e Obra
de João de Almeida (1904-1910)», 2.ª edição, Lisboa, 1934, p.
341.
(10)
- “Correio do Vouga”, 9-6-1953.
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