Henrique J. C. de Oliveira, Os Meios Audiovisuais na Escola Portuguesa, 1996. |
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Em 1657, sete anos após a
invenção da lanterna mágica por Kircher, precursora dos modernos projectores
de diapositivos, é publicada a Didáctica
Magna[1] de Coménio[2], que constitui o primeiro
tratado sistemático de pedagogia, /
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didáctica e sociologia escolar. Nela
pretende Coménio demonstrar como é possível «ensinar
tudo a todos». Dividida em quatro partes, que ocupam um total de 33 capítulos,
é na segunda parte (caps. VII-XIX) que apresenta os princípios da didáctica
geral. Segundo o próprio, «a proa e a
popa da nossa Didáctica será investigar e descobrir o método segundo o qual
os professores ensinem menos e os estudantes aprendam mais»[3], ou seja, ensinar o máximo
com o mínimo de esforço, reduzindo nas escolas o barulho, o enfado, o trabalho
inútil em favor de maior recolhimento, prazer e sólido progresso. Os grande objectivos
educacionais eram o conhecimento, a moralidade e a piedade, encarando a educação
como um meio de preparar o homem para a vida social, devendo essa educação
processar-se de acordo com o estatuto social, mas em conformidade com as
características e aptidões de cada um. Para poder alcançar esses objectivos,
Coménio apresentou uma elevada quantidade de princípios, que deveriam ser
tidos em conta pelos professores, de entre os quais destacamos um pequeno número,
que ilustraremos, num ou noutro caso, com as próprias palavras do autor: 1º.O método de ensino
deveria seguir a ordem da natureza, ou seja, os conteúdos ministrados deveriam
estar de acordo com o estádio de desenvolvimento físico e intelectual de cada
aluno, devendo o ensino começar na infância e estar adaptado à idade,
interesses e capacidades de cada aluno: «Mesmo que a morte não esteja
eminente e se esteja seguro de uma vida muito longa, deve, todavia, começar-se
a formação muito cedo [os sublinhados são nossos], pois não deve passar-se a vida a aprender, mas a fazer. (...) Deve,
portanto, desde cedo, abrir-se os sentidos do homem para a observação das
coisas, pois, durante toda a sua vida, ele deve conhecer, experimentar e
executar muitas coisas. (...) É uma propriedade de todas as coisas que
nascem o facto de, enquanto são tenras, se poderem facilmente dobrar e formar,
mas, uma vez endurecidas, já não obedecem.[4]» 2º. Os ensinamentos a
ministrar deveriam ter aplicação prática na vida e ter algum valor para o
aluno; 3º. As matérias ou conteúdos
cognitivos deveriam estar organizados de acordo com uma sequência crescente do
grau de dificuldade, partindo do mais simples para o mais complexo, segundo um
processo intuitivo, sendo a sequência no ensino fundamental. Seria erro
irracional ensinar, por exemplo, uma língua estrangeira antes da língua
materna ter sido aprendida: «(...) I. Que na mente das crianças,
que se destinam aos estudos, se façam entrar, logo desde o começo da sua formação,
os fundamentos de uma instrução universal, isto é, uma tal coordenação das
matérias que os estudos (...) pareçam nada trazer de novo, mas sejam apenas um
desenvolvimento pormenorizado das coisas anteriores. (...) II. Que qualquer língua,
ciência e arte se ensine: primeiro, por meio de rudimentos muito simples, para
que se apreenda o plano geral; depois, mais completamente, por meio de regras e
exemplos; em terceiro lugar, por meio de sistemas completos, a que se
acrescentam as irregularidades; finalmente, se isso for necessário, por meio de
comentários. /
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Efectivamente, quem aprende uma coisa a partir dos seus
fundamentos, já não tem necessidade de comentários, pois poderá, pouco
depois, comentá-la por si mesmo[5].» 4º. Deveriam ser utilizados
livros de textos e materiais ilustrativos: «Pense-se, portanto, que é essencial: I. Não dar aos alunos nenhuns
outros livros, além dos da sua classe. II. Que esses livros sejam tão cuidadosamente
ilustrados [o sublinhado é nosso] que,
justa e merecidamente, possam ser considerados verdadeiros inspiradores de
sabedoria, de moralidade e de piedade. III. Não devem ser toleradas nas
escolas, ou nas vizinhanças das escolas, companhias dissolutas[6].» 5º. A leitura e a escrita
deveriam ser ensinadas em conjunto, estando os assuntos preferentemente
inter-relacionados; 6º. A aprendizagem deveria
ser feita através dos próprios sentidos - especialmente do sentido visual - de
modo aos alunos poderem associar as palavras aos respectivos objectos: «III.
A fim de que todas essas coisas se imprimam mais facilmente [memorizem],
utilize-se, o mais que se puder, os sentidos. 42. Por exemplo: associe-se
sempre o ouvido à vista, a língua à mão... represente-se também
graficamente, para que se imprima na imaginação por intermédio dos olhos.
(...) Com este objectivo, será bom que todas as coisas, que costumam ser
estudadas em determinada classe, sejam representadas graficamente nas
paredes da sala de aula: quer se trate de teoremas e de regras, quer se trate de
imagens e de baixo-relevos da disciplina que se está a estudar.
Com efeito, se isto se fizer, é enorme a ajuda que pode dar, para produzir as
mencionadas impressões [isto é, para que ocorra facilmente a memorização][7]» 7º. Os conteúdos deveriam
ser primeiramente apresentados oralmente pelo professor e, sempre que possível,
ilustrados através de gravuras: «Todo o material escolar deverá
já estar previamente preparado, para evitar perdas de tempo, sendo da maior
utilidade, para o nosso objectivo, que se pinte nas paredes das aulas o resumo
de todos os livros de cada classe, tanto o texto (com vigorosa brevidade), como
ilustrações, retratos e relevos, pelos quais os sentidos, a memória e a
inteligência dos estudantes sejam, todos os dias, estimulados (...)[8]» 8º. Castigos corporais nunca
deveriam ser utilizados: «Que essa mesma formação se faça
sem pancadas, sem violência e sem qualquer constrangimento, com a máxima
delicadeza, com a máxima doçura e como que espontaneamente[9].» 9º - A própria escola deve
ser num local agradável, limpo, iluminado, decorado com pinturas: «A
própria escola deve ser num local agradável, apresentando, no exterior como
interior, um aspecto atraente. No interior, deve ser um edifício fechado, bem
iluminado, limpo, todo ornado de pinturas, quer sejam retratos de homens
ilustres, quer sejam cartas geográficas, ou recordações históricas, ou
quaisquer baixos-relevos. No exterior, adjacentes à escola, deve haver, não só
um pedaço de terreno destinado a passeios e a jogos (...) mas também um jardim
... Se se tiver isto em consideração na construção das escolas, é provável
que as crianças vão à escola não menos gostosamente que quando vão a
qualquer feira ou espectáculo...»[10] Da reduzida listagem
apresentada, destacam-se os elementos intencionalmente sublinhados. A sua análise
permite-nos verificar que Coménio refere um conjunto de aspectos que nos
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permitem considerá-lo como um
dos primeiros teorizadores de princípios modernos, de acordo não só com modelos
recentes de ensino, como também de princípios ligados a uma tecnologia educativa
de natureza audiovisual. Além do recurso à observação directa, com conteúdos
sequencialmente organizados segundo um grau crescente de dificuldades, que nos
fazem evocar um ensino programado, verificamos que os conhecimentos a adquirir
deverão ter manifesto interesse para os alunos, estando voltados para os
aspectos práticos da vida. E na impossibilidade dos alunos poderem contactar
directamente com os próprios objectos, o professor deverá recorrer a uma
"técnica audiovisual" básica, frequentemente utilizada pelos professores
actuais, que consistirá na apresentação de imagens completadas pela explicação
oral do professor. Os princípios enunciados por Coménio deram origem, posteriormente, em 1658, à publicação em Nuremberga da enciclopédia Orbis Sensualis Pictus ('o mundo pela imagem'), obra que constitui, possivelmente, o melhor exemplo da aplicação dos métodos de ensino de Coménio. Embora não possa ser considerado como o primeiro livro do género, foi talvez o mais popular livro de textos ilustrado para crianças, o qual, segundo alguns autores ingleses[11], se manteve à venda em Inglaterra até cerca de 1810. Este livro constitui um verdadeiro manual de ensino no sentido moderno, aliando o texto à imagem, e encontra-se organizado por tópicos alfabeticamente ordenados, tais como Deus, o mundo, as árvores, o homem, as flores, os vegetais, os metais, as aves, etc. Contém 150 gravuras bastante cuidadas e significativas, susceptíveis de rivalizar com os livros actuais. Estas gravuras[12] deveriam servir como ponto de partida para cada lição, constituindo aquilo que hoje designamos por motivação. O ensino de várias disciplinas - latim, ciências, etc. - era completado pela associação dos objectos da realidade envolvente ou das representações pictóricas com as palavras que os designavam. Enquanto a obra referida - Orbis Sensualis Pictus - foi difundida, nos dois séculos seguintes, em vários países europeus, tendo tido mesmo diversas reedições, as teorias pedagógicas de Coménio só nos meados do século XIX foram redescobertas.
[1] - João Amos COMÉNIO, Didáctica Magna (Tratado da arte universal de ensinar tudo a todos), 3ª ed., Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985. [2] - Joahann Amos Comenius (28/3/1592-15/11/1670), um dos primeiros grandes teóricos do ensino, nasce em 1592 de uma remota família da Morávia (actualmente correspondente a uma parte da Checoslováquia). Após um longo período em que passou pela Polónia, Hungria, Suécia, Inglaterra e Holanda, em parte devido aos problemas gerados pela Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), entre católicos e protestantes, Coménio vai estar na origem de reformas curriculares na Holanda e na Suécia e organizar um modelo de ensino na Hungria. Faleceu em 15 de Novembro de 1679, na Holanda, após uma agitada e fecunda existência. |
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