Henrique J. C. de Oliveira, Os Meios Audiovisuais na Escola Portuguesa, 1996.

Imagem e ensino na Antiguidade Clássica


Num período mais avançado da história do homem e do ensino, a tradição oral começou a dar lugar a textos escritos. Os homem-media, «que desempenhavam o papel de memória do tempo
[1]» foram substituídos por suportes de informação que permitiam facilmente perpetuar os conhecimentos. Ao lado das imagens e representações bidimensionais (pinturas murais) e tridimensionais (estatuetas) utilizadas com diferentes finalidades, o registo de informações sobre suportes vários por meio da escrita passou por várias fases. Após uma escrita figurativa (os pictogramas), o homem chegou a um processo de comunicação por meio de sinais abstractos que, combinando-se, deram origem às palavras escritas, cujo conhecimento exige uma aprendizagem demorada e em condições especiais. Se para a linguagem oral basta o contacto com o núcleo familiar e a sociedade em que se está inserido, a aprendizagem da escrita exige esforço, tempo e professores especializados. Na civilização greco-latina, ao lado da comunicação escrita, reservada apenas a alguns, a imagem como forma de comunicação, em todos os seus aspectos, atinge um elevado grau de desenvolvimento. Sabemos que os artistas plásticos gregos se preocupam profundamente com problemas de natureza estética e, sobretudo, com a fidelidade máxima relativamente aos modelos, criando grupos escultóricos e estátuas de tal modo perfeitas que apenas lhes falta o sopro da vida. É sobretudo 
/ 44 / na Grécia que surgem as grandes preocupações com o problema da escala[2], tornando-se famosa a chamada secção áurea.

É na Grécia que geralmente se situam os antepassados do ensino tecnológico. No campo pedagógico, possivelmente a imagem terá tido alguma importância. No entanto, através das obras que chegaram até nós, nada nos é dito de relevante, embora se encontrem referências à imagem. Tudo o que sabemos é que na educação grega, institucionalizada a partir do século VI a. C. e ministrada por professores especializados, tem lugar preponderante a ginástica e todas as actividades tendentes a desenvolver o físico sobre as restantes disciplinas. Entre o século IV e III a. C., existe já uma organização fixa das estruturas educativas, estando o ensino dividido por vários níveis etários: na primeira fase, que poderemos designar, por analogia com o nosso tempo, por ciclo primário ou básico, predomina a cultura física; na fase secundária, a formação está essencialmente voltada para os estudos literários. Com o aparecimento dos sofistas, que P. Saettler considera como provavelmente tendo sido os primeiros técnicos do ensino[3], e a criação de escolas fixas, surge um ensino superior de elevado nível (filosófico, político e científico).

Entre os séculos III e I a. C., o Estado é o responsável pela educação e esta é essencialmen­te de cunho intelectual. As escolas multiplicam-se e o ensino reparte-se por dois níveis: dos 7 aos 14 anos, o jovem ateniense aprende a ler, escrever, recitar e contar, ocupando os exercícios físicos cerca de um terço do dia escolar; dos 14 aos 18 anos, o adolescente inicia-se na oratória, na matemática, na filosofia e na medicina.

Embora saibamos, por exemplo, que a técnica de análise aplicada ao ensino da retórica pelos sofistas se estendia a diversos campos do conhecimento, abrangendo disciplinas como a geografia, a lógica, a história, a pintura, o desenho, a religião e outras, a verdade é que não é possível dizer qual o papel que a imagem desempenharia como recurso pedagógico, muito embora se possa deduzir que o ensino da pintura e do desenho deveria ser feito essencialmente pelo recurso à observação e análise directa das obras dos grandes artistas helénicos. Do que sabemos rigorosamente é que os sofistas se preocupavam essencialmente com a arte da política e com o desenvolvimento do poder intelectual e da arte oratória, tendo provavelmente sido os primeiros a inventar e a desenvolver técnicas de análise no ensino da retórica. Relativamente ao método socrático, embora procurando abranger um conhecimento universal, recorria à técnica do diálogo, através do qual o mestre conduzia, por meio de perguntas rigorosas e logicamente encadeadas, à descoberta do saber. O método socrático assentava no princípio de que todo o conhecimento é inato, apenas se tornando necessário torná-lo consciente por meio de questões / 45 / criteriosamente conduzidas pelo mestre e tendo um objectivo bem definido. Este método dialéctico (pergunta-resposta) partia sempre de factos já conhecidos pelo aluno, de modo a fornecer-lhe um conjunto de dados a partir dos quais pudesse chegar a novas conclusões[4].

 


[1] - J. CLOUTIER, A era de EMEREC ou A comunicação audio-scripto-visual na hora dos self-media, Lisboa, I. T. E., s/d, p. 24.

[2] - Escala: relação entre a superfície do quadro e a superfície da imagem que nele aparece.

[3] - P. Saettler, op. cit., p. 13.

[4] - Devido ao facto do método socrático procurar levar ao conhecimento mediante um conjunto de questões criteriosamente elaboradas de acordo com objectivos rigorosamente definidos, os adeptos do ensino programado consideraram incorrectamente Sócrates como o patrono deste método de ensino. Como refere P. Saettler, o método socrático parte do pressuposto que o conhecimento é inato, enquanto o ensino programado assenta num princípio totalmente diferente, que é o da associação estímulo-resposta (Skinner).

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