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      Tendo
      em conta o que foi anteriormente dito, verificamos que o universo do homem
      é constituído por imagens de diversos tipos e que, mesmo durante os seus
      momentos de repouso, elas continuam presentes, constituindo o universo no
      meio do qual se desloca e age, durante a sua actividade onírica. No
      entanto, são as imagens materiais, / 
      35 /
      enquanto forma de representação da
      realidade, que constituem a matéria da nossa análise. Estudadas desde há
      longa data por diversos autores, apresentam 
      
      
      
      um conjunto de
      características, que passamos a enumerar:
      
                  
      1º - A imagem é uma presença e uma ausência, na medida em que
      nos coloca perante uma realidade que se encontra ausente, mas da qual ela
      é um espelho;
      
                  
      2º - A imagem é simultaneamente sonho e realidade, na medida em
      que permite apresentar-nos, como acontece, por exemplo, no mundo do
      cinema, uma realidade construída que se situa entre o universo do real e
      da ficção;
      
                  
      3º - A imagem é um sistema de representação sensorial,
      materializado num documento e, consequentemente, uma forma de comunicação
      que encerra uma carga real e afectiva, na medida em que nos informa, nos
      permite uma análise da realidade e nos sugere ou desperta sentimentos;
      
                  
      4º - A imagem é um fenómeno simultaneamente individual e social.
      
                  
      5º - A imagem é simultaneamente objectividade e subjectividade,
      na medida em que, na apresentação de uma realidade objectiva, o seu
      registo depende sempre de uma opção subjectiva daquele que a captura ou
      a realiza, na qual entram diversos factores, tais como o enquadramento, a
      iluminação, o ponto de vista, o tipo de plano utilizado, etc.
      
       Dissemos
      que a imagem é uma representação objectiva de uma determinada
      realidade, seja ela concreta, seja abstracta. No entanto, há que referir
      que toda a representação visual de um objecto, de uma paisagem, de um
      local, é sempre uma reprodução simultaneamente objectiva e subjectiva
      de uma determinada realidade. Embora a afirmação possa parecer um
      contra-senso, pelo facto de se juntarem dois conceitos opostos, a verdade
      é que toda a imagem apresenta sempre esta duplicidade: objectividade-subjectividade. Considerada em si, enquanto objecto
      representativo de uma certa realidade e portador de significado, toda a
      imagem criada é objectiva; no entanto, uma vez que está dependente da
      maneira como o seu autor a realizou, a imagem torna-se subjectiva, na
      medida em que mostra sempre um determinado ponto de vista que depende da
      situação do observador, do ângulo, do tipo de enquadramento escolhido e
      de outros factores tidos em conta no momento em que se procurou registar a
      realidade, entre os quais se encontram os próprios objectivos tido em
      conta na sua representação. Além disto, uma imagem não passa de uma
      representação visual incompleta e imperfeita da realidade, nunca podendo
      corresponder à própria realidade, pois não passa de uma simples
      representação gráfica. 
      
       Uma
      fotografia de uma casa, de uma pessoa, de um objecto, não é mais do que
      a representação rudimentar do objecto captado, na medida em que se trata
      de uma representação gráfica bidimensional, obtida num plano. Enquanto
      os objectos reais são por nós percepcionados / 
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      em relevo, podendo a sua
      observação assumir diferentes aspectos em função da nossa localização
      espacial e do tempo, a imagem obtida desses mesmos objectos torna-se um
      elemento estático bidimensional, sem relevo, em que apenas a noção da
      perspectiva nos dá uma rudimentar noção de profundidade e de situação
      espacial. Pode-se pois afirmar que a imagem corresponde a um signo visual,
      constituindo algo que representa a realidade.
      
       De
      todas as características referidas, o aspecto mais importante será
      talvez o valor que a imagem sempre teve ao longo da história da
      humanidade como forma de comunicação, uma das mais antigas, muito
      anterior à linguagem verbal escrita, e com um significado praticamente
      quase universal. Enquanto a linguagem verbal, embora sendo a forma de
      comunicação privilegiada pelo homem, tem o inconveniente de estar
      limitada pela área linguística em que cada sujeito falante se insere, a
      imagem é susceptível de ser descodificada por qualquer povo e em
      qualquer época, não alterando significativamente o seu valor como
      significante. As palavras, através dos tempos, vão-se alterando não
      apenas na forma, como também no significado, caindo muitas vezes no
      desuso e no esquecimento e sendo substituídas por outras mais recentes,
      fazendo com que textos antigos se tornem de difícil descodificação. Uma
      imagem que represente uma determinada cena manterá, em princípio,
      sempre o mesmo valor significativo, tendo grandes probabilidades de poder
      ser descodificada com maior ou maior rigor. Por exemplo, uma cena de caça,
      como a que nos deixaram os nossos antepassados cavernícolas, ou uma cena
      representando um grupo de animais, manterá sempre o mesmo valor
      significativo através dos tempos; na pior das hipóteses, a sua carga
      semântica limitar-se-á apenas a sofrer pequenas diferenças
      interpretativas, dependendo do grau de cultura e da capacidade de observação
      do receptor. E, ainda que, eventualmente, tenha perdido para nós o
      sentido mágico-religioso, será portadora de significação e susceptível
      de ser interpretada, sem levantar problemas a nível das barreiras linguísticas.
      
       Segundo
      
      
      Roland Barthes
      
      [1],
      a leitura de uma imagem faz apelo «a
      um saber de certo modo implantado nos costumes de uma civilização»,
      a um «saber prático, nacional,
      cultural e estético», de onde decorre que não haverá uma leitura
      única de uma 
      
      imagem. A sua leitura
      poderá ser feita a vários níveis:
      
        -
      descritivo: indicação pura e simples, de maneira objectiva,
      daquilo que a imagem apresenta;
      
       - 
      interpretativo: indicação das possíveis significações que
      a imagem apresenta, entrando aqui os factores culturais e a sensibilidade
      do observador;
      
       -
      técnico: análise da imagem tendo em conta o plano, a cor, a
      luz, a profundidade, etc.
      
        
      
       
       / 
      37 /
      De
      qualquer modo, a analogia existente entre a imagem e aquilo que ela
      representa, ao contrário dos signos linguísticos, torna a imagem susceptível
      de ser analisada e interpretada em qualquer época e por qualquer
      observador, ainda que eventualmente possam ficar por atingir significações
      mais profundas, como por exemplo eventuais valores simbólicos que
      estariam presentes no momento da criação das imagens. 
      Um exemplo concreto e real poderemos encontrá-lo na chamada pintura rupestre, nas representações de animais que os nossos
      antepassados nos legaram nas paredes de algumas cavernas. Em qualquer época
      da vida do homem, as cenas de caça aí representadas, além do valor mágico-religioso
      que eventualmente poderiam ter e cujo sentido nos escapa, continuam a ter
      a mesma interpretação, mesmo que a espécie animal representada tenha
      desaparecido da superfície do planeta. Ainda que isso tenha ocorrido,
      poderemos retirar dessa cena a informação de que, nessa época, se
      utilizavam na caça determinados instrumentos e não outros e que os
      animais capturados eram idênticos aos que foram representados.
      
       O
      carácter praticamente imutável e em certa medida unívoco do valor semântico
      da imagem fez com que o homem sempre tenha utilizado esta forma de
      comunicação através dos tempos. Quando hoje, por exemplo, pensamos que
      uma forma de comunicação que privilegia a imagem, como é o caso da
      actual 
      
      banda
      desenhada
      
      ,
      é uma forma moderna de comunicação, caímos num erro grosseiro,
      revelador de uma certa falta de conhecimento da evolução cultural do
      homem. Ao contrário do que poderíamos supor, a "moderna" banda
      desenhada pouco ou nada tem de moderno, pois até mesmo algumas das técnicas
      mais recentes foram já utilizadas pelo homem medieval europeu, que nos
      legou documentos de rara beleza e com grande quantidade de informação.
       
        
        
 
          [1] - Roland BARTHES, "Réthorique de l'image"
          in: Communications, n.º 4,
          Paris, ed. du Seuil, 1964, p. 41
          
          
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