Henrique J. C. de Oliveira, Os Meios Audiovisuais na Escola Portuguesa, 1996.

Importância da imagem e conceitos etimológico, óptico e cinematográfico
 

 

Importância da Imagem

Quando o homem nasce, as grandes vias de acesso para recolha de informações sobre o mundo que o rodeia são os diferentes dos sentidos , com especial relevo para a visão e a audição. De facto, são os olhos e os ouvidos as primeiras janelas para o mundo, que lhe vão permitir, a pouco e pouco, captar, memorizar, relacionar e compreender todos os aspectos do mundo envolvente, para, numa fase posterior, poder, também ele, evoluir e agir no mundo natural e social em que está integrado.

Simultaneamente com o conhecimento do mundo, vai adquirindo, através da função interna da linguagem , pela visão e audição, os conhecimentos da língua, que lhe permitirão viver em comunidade com os diferentes elementos da sociedade, ficando assim dotado de uma das formas mais completas, versáteis e potentes de comunicação - a linguagem verbal -, que ele irá utilizar na sua vida social, conjuntamente com outras formas de comunicação, entre as quais se encontra o recurso à imagem. E, muito provavelmente, terá sido mesmo esta, nos tempos mais recuados da vida do homem, ao lado da transmissão oral de conhecimentos, a primeira forma de comunicação diferida, aquela que lhe permitiu comunicar com os outros mesmo na sua ausência, desafiando a barreira do tempo. De facto, a relação de semelhança entre a representa­ção e o objecto representado, ao contrário da linguagem verbal e de outras formas de comunicação desta subsidiárias, que se caracterizam pela arbitrariedade e convencionalidade dos significantes, permite que, em qualquer época, seja sempre possível uma leitura, ainda que variável de leitor para leitor e dependente dos pré-requisitos sócio-culturais de cada um. Enquanto a leitura, por exemplo, de uma mensagem hieroglífica, ou de um texto em qualquer sistema linguístico está dependente do conhecimento do respectivo código, uma imagem, enquanto representação "objectiva" mais ou menos fiel de uma determinada realidade ou objecto, é sempre passível de ser interpretada em qualquer época e por qualquer leitor.

/ 8 / Tal como refere Santos Guerra[1], «existe uma invasão de imagens na vida do homem actual», constituindo uma «iconosfera que nos envolve e aprisiona», pelo que a «a escola actual não pode permanecer alheada desta realidade», sob pena de ficarem as crianças «indefesas perante as falácias, as manipulações e as influências da imagem», mas sobretudo porque se «desperdiçaria um dos recursos de grande utilidade educativa».

Diz-nos Guy Avanzini, referindo-se aos mass-media, cujo conteúdo é em grande parte veiculado através da imagem:  «(...) Nunca nos encontramos fora do mundo dos mass-media. De manhã à noite, por muito isolados que nos sintamos, encontramo-nos imersos num meio configurado pelos anúncios, pelos "flashes" da rádio, pelos discos, pelos títulos da imprensa, pelos "slogans" da publicidade[2]», ou seja, encontramo-nos imersos num mundo de imagens visuais e acústicas, que fazem chegar até nós uma elevadíssima quantidade de informações, que deveremos seleccionar e interpretar em função do seu interesse e importância para nós.

Muito embora o objectivo do nosso trabalho seja, além do estudo de uma breve panorâmica do papel da imagem ao longo da história do ensino, averiguar até que ponto a escola actual se encontra devidamente apetrechada com os modernos recursos tecnológicos que privilegiam a imagem e procurar saber quais os mais utilizados pelos professores, mesmo assim parece-nos importante referir, ainda que de maneira breve, e necessariamente incompleta, alguns aspectos relativos à imagem.

 

Alguns conceitos de imagem

Dar uma definição do conceito de imagem não é tarefa fácil. São muitos os sentidos e as áreas do conheci­mento em que este vocá­bulo é utilizado, pelo que se torna um campo impossível de abarcar, mesmo após a eliminação de campos do conhecimento de menor importância.

De origem latina, o vocábu­lo imagem (do la­tim IMAGINE(M)) designa literal­mente 'retrato, reprodução, representação'. Da palavra imagem derivam outras: imaginar, imaginação, imaginário, imaginativo, etc. E se decompusermos a palavra nos seus elementos constituintes (lat. I - MAG - O) poderemos verificar que a raiz é a mesma que se encontra na palavra magia (MAG - IA).

A palavra latina IMAGO foi, nos princípios do século XX, retomada por Jung para o campo da Psicanálise. Na obra Metamorfoses e símbolos da líbido (1911), Jung descreve a imago materna, paterna e fraterna como resultantes das relações da criança com o meio familiar e / 9 / social. Neste domínio, imago é definido como uma representação inconsciente, um esquema imaginário adquirido, através do qual o indivíduo visa outro, podendo a imago objectivar-se quer através de sentimentos e comportamentos, quer de imagens[3].

Se se consultar um dicionário da língua relativamente ao conceito de imagem[4] e se proceder a uma análise rigorosa do verbete, poder-se-á verificar que ele nos apresenta, geralmente, um elevado número de definições diferentes, abrangendo conceitos diversos, que vão desde a "simples" definição corrente de imagem até ao conceito científico da mesma, passando pelos sentidos figurado, religioso, psicológico, estilístico, etc. Intencionalmente, dissemos «desde a "simples" definição corrente» colocando entre aspas o vocábulo "simples". Se efectuarmos uma análise mais profunda da seguinte definição «Imagem - representação de uma pessoa ou de um objecto pelo desenho, pela escultura, pintura, gravura ou fotografia», verificamos que ela não é tão simples quanto parece, pois engloba vários conceitos, que vão desde a representação figurativa sobre uma superfície plana, utilizando-se diferentes técnicas, a uma representação tridimensional, obtida através de figuras escultóricas.

A consulta de um dicionário especializado, relacionado com o domínio da psicologia, desdobra o vocábulo num elevado número de conceitos, correspondendo cada um a aspectos diferentes do conhecimento humano relativamente ao conceito de imagem. Num dos muitos dicionários de psicologia existentes, é possível encontrar, além do vocábulo imagem com a respectiva definição, um total de 25 verbetes, correspondentes a alguns dos muitos aspectos a que o conceito de imagem anda associado:  / 10 /

                «imagem associada - imagem alucinatória - imagem colectiva (Jung) -  imagem compósita - imagem concreta - imagem consecutiva - imagem da alma - /.../ imagem mental - imagem óptica - /.../ imagens eidéticas (...)[5]

 

A enumeração de conceitos relacionados com imagem prolonga-se, incluindo outros relacionados com imaginação e imago. Além das definições correntes, verifica-se que o conceito de imagem pode ser analisado segundo diferentes perspectivas: óptica, filosófica, psicológica, linguís­tica, semiótica, literária, cinematográfica, religiosa, jurídica, etc.

 

Conceito óptico e cinematográfico

Do ponto de vista óptico óptico , a imagem é o conjunto de pontos-imagem dados por um sistema óptico, em que cada ponto-imagem é o vértice de um feixe homocêntrico que emerge do sistema, sendo real ou virtual conforme o feixe emergir convergindo ou divergindo. Relativamente aos recursos educativos, entende-se por imagens ópticas todas aquelas imagens que se obtêm através de um sistema óptico de projecção sobre um ecrã de uma fotografia ou de uma película transparente, podendo ser vários os sistemas utili­zados, desde a projecção de imagens fixas a imagens animadas.

O segundo sentido de imagem óptica está de certo modo relacionado com o conceito de imagem cinematográfica . A consulta de uma obra relacionada com o cinema permitirá verificar que o conceito de imagem cinematográfica tanto se aplica relativamente à projecção animada na tela como ao fotograma original do filme. E o seu tamanho varia em função da distância entre o sistema óptico de projecção (a máquina ou projector) e a superfície plana sobre a qual a imagem é projectada. No entanto, o conceito de imagem cinematográfica pode também ser relacionado com outros aspectos importantes, tais como os tipos ou escalas de plano e o enquadramento.

 


[1] - Miguel Angel Santos GUERRA, Imagen y educación, Col. Ciências de la educación, Madrid, ediciones Anaya, 1984, pp. 16-17.

[2] - Guy Avanzini, La pedagogía del siglo XX, Madrid, Ed. Narcea, 1977, pp. 277-278.

[3] - (Vd. a rubrica imago na obra de J. LAPLANCHE e J.-B. PONTALIS, Vocabulário da Psicanálise, col. Psicologia e Pedagogia, nº 18, 5ª ed., Lisboa, Moraes Editores, 1970, pp. 305-306.

[4] - «Representa­ção de uma pessoa ou de um objecto pelo desenho, pela escultu­ra, pintura, gravura ou fotogra­fia; estátua, quadro, retrato. ¦ Figura esculpida, estampada ou pintada que é objecto de culto religioso; santinho. ¦ Estampa, gravura, vulgarmente colorida. ¦ Fig. e fam. Pessoa formosa, bela, quase perfeita. ¦ Representação de qualquer objecto iluminado, que resulta da reunião dos feixes luminosos emanados deste corpo, quando refractados ou reflectidos por outro corpo. ¦ Parecença, semelhança. ¦ Figura, símbolo que recorda outra coisa. ¦ Ideia, impressão passageira ou duradoura que faz um objecto no espírito, no coração, na memória. ¦ Efígie, vulto, figura. ¦ Representação viva, ideia que se faz de uma coisa. ¦ Descrição. ¦ Espécie de metáfora com que se dá uma ideia mais viva, mais sensível, em que se presta ao objecto formas, aparências, qualidades de outros objectos mais frisantes.»
Vd.
MACHADO, José Pedro - Grande Dicionário da Língua Portuguesa. 1ª ed., Lisboa, Amigos do Livro Editores, 1981, vol. VI , pp. 79-80.

[5] - A breve enumeração apresentada foi extraída de James C. CHAPLIN, Dicionário de Psicologia, Lisboa, Edições Dom Quixote, 1981, pp. 281-283.

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