Eram duas horas de uma tarde quente e calma.
Nesse dia os nossos homens não foram com as
viaturas buscar lenha para a cozinha, como faziam todos os dias. A
providência encarregou-se de não os deixar ir.
Não muito longe do quartel ressoaram durante
um momento vários disparos, o que para nós era habitual ouvir.
Quase todos os dias ouvíamos tiros. São os
GE ou os milícias que andam a caçar – pensávamos nós.
Pelas cinco da tarde, quase de rastos e
cheio de sangue, sujo de areia e com a Mauser na mão, aparece na entrada
do Muié um Milícia ferido.
Transportado para a enfermaria, foram-lhe
dados os tratamentos necessários, enquanto nos inteirávamos do que tinha
acontecido.
– Então o que aconteceu?
– Os Turra, vínhamos do mel e os Turra
atacaram-nos.
– E quantos eram vocês?
– Três
– Três! E os outros, onde estão?
– Estão lá. Não podem vir. Tem «as perna»
partida. Eu só estou ferido numa perna e consegui fugir. Os outros estão
junto da picada para cá da ponte.
Imediatamente um grupo se organizou e na Berliet foram ao local.
Pelos gemidos ouvidos foram logo localizados os dois Milícias.
Ficámos admirados por se encontrarem ao lado
deles as respetivas Mauser's e mais ainda quando, num buraco, se
encontraram duas PPSH e bastante sangue. Portanto, foi deduzido que
houvera Turras mortos ou gravemente feridos.
O que resta saber é se foram os Milícias que
reagiram bem ou se foram os Turras que se feriram a eles próprios.
Já dentro da enfermaria que era uma tenda de
campanha, fui ver os feridos.
Um deles tinha um furo de bala em cada perna
à altura do joelho, outro no pulso esquerdo e um estilhaço na fronte.
E outro Milícia, em estado mais grave, foi
apanhado por uma rajada que lhe desfez a cocha direita e lhe partiu em
dois sítios o braço direito. Tinha levado ainda um tiro no abdómen e
outro que lhe raspara o pescoço.
Ajudei a dar-lhe soro mas as agulhas
custaram a encontrar as veias. Estes dois tinham perdido muito sangue.
Enquanto o soro corria, foram-lhes feitos os
curativos nos ferimentos, com a ideia de no dia seguinte serem evacuados
de Heli ou avião para o hospital do Luso.
Na enfermaria encontravam-se lado a lado
sobre macas.
O ferido mais grave já tinha sintomas da
morte que se aproximava. O outro ria-se dele, mas também sofria.
Se vivesse, nunca poderia ser autónomo, pois
sem uma perna e sem um braço seria muito difícil subsistir.
A Vida para ele acabou eram oito horas da
noite.
O menos ferido acabou também por falecer
passado pouco tempo. |