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Muié – Relatos e Sentimentos

Emboscada aos milicianos - 19-04-1972

Eram duas horas de uma tarde quente e calma.

Nesse dia os nossos homens não foram com as viaturas buscar lenha para a cozinha, como faziam todos os dias. A providência encarregou-se de não os deixar ir.

Não muito longe do quartel ressoaram durante um momento vários disparos, o que para nós era habitual ouvir.

Quase todos os dias ouvíamos tiros. São os GE ou os milícias que andam a caçar – pensávamos nós.

Pelas cinco da tarde, quase de rastos e cheio de sangue, sujo de areia e com a Mauser na mão, aparece na entrada do Muié um Milícia ferido.

Transportado para a enfermaria, foram-lhe dados os tratamentos necessários, enquanto nos inteirávamos do que tinha acontecido.

– Então o que aconteceu?

– Os Turra, vínhamos do mel e os Turra atacaram-nos.

– E quantos eram vocês?

– Três

– Três! E os outros, onde estão?

– Estão lá. Não podem vir. Tem «as perna» partida. Eu só estou ferido numa perna e consegui fugir. Os outros estão junto da picada para cá da ponte.
Imediatamente um grupo se organizou e na Berliet foram ao local.


Pelos gemidos ouvidos foram logo localizados os dois Milícias.

Ficámos admirados por se encontrarem ao lado deles as respetivas Mauser's e mais ainda quando, num buraco, se encontraram duas PPSH e bastante sangue. Portanto, foi deduzido que houvera Turras mortos ou gravemente feridos.

O que resta saber é se foram os Milícias que reagiram bem ou se foram os Turras que se feriram a eles próprios.

Já dentro da enfermaria que era uma tenda de campanha, fui ver os feridos.

Um deles tinha um furo de bala em cada perna à altura do joelho, outro no pulso esquerdo e um estilhaço na fronte.

E outro Milícia, em estado mais grave, foi apanhado por uma rajada que lhe desfez a cocha direita e lhe partiu em dois sítios o braço direito. Tinha levado ainda um tiro no abdómen e outro que lhe raspara o pescoço.

Ajudei a dar-lhe soro mas as agulhas custaram a encontrar as veias. Estes dois tinham perdido muito sangue.

Enquanto o soro corria, foram-lhes feitos os curativos nos ferimentos, com a ideia de no dia seguinte serem evacuados de Heli ou avião para o hospital do Luso.

Na enfermaria encontravam-se lado a lado sobre macas.

O ferido mais grave já tinha sintomas da morte que se aproximava. O outro ria-se dele, mas também sofria.

Se vivesse, nunca poderia ser autónomo, pois sem uma perna e sem um braço seria muito difícil subsistir.

A Vida para ele acabou eram oito horas da noite.

O menos ferido acabou também por falecer passado pouco tempo.

 

 

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