Dia 22 de Julho de 1971, o GE progredia na
mata, procedendo a uma caçada.
Embrenhados talvez, no pensamento de
apanharem mais algumas boas presas, pois já tinham abatido duas gungas,
deixaram-se surpreender pelo inimigo.
Depois de forte flagelação sobre o
desprevenido grupo, um morto e cinco feridos foi o resultado.
Foi feito o comunicado da ocorrência, pois
quando qualquer grupo saía do quartel fazia sempre parte um operador de
rádio. Imediatamente saiu um dos nossos grupos em socorro dos feridos.
Levaram uma Berliet e um Unimog, sob o comando do nosso Capitão quando
já a tarde ia a meio.
Só no dia seguinte, pelas doze horas, chegou
o avião e o heli para a evacuação dos feridos.
Pelas treze horas, ouvimos o roncar de uma
viatura do lado do rio – chegava o Unimog com os feridos. A Berliet
tinha avariado a doze quilómetros do quartel.
Enquanto os feridos eram distribuídos pelo
avião e heli, eu preparava a equipa de recuperação.
Pelas catorze horas, parti com três unimogs
ao encontro da Berliet.
A mata era densa e tivemos que abrir caminho
derrubando árvores.
Chegados ao local e após um breve exame,
verifiquei que a Berliet não podia ali ser reparada. Tinha que ser
rebocada para o quartel.
Os unimogs foram dispostos em fila, à frente
da Berliet, sendo todas as viaturas ligadas por meio de cabos de aço.
Depois de grande esforço, conseguimos deslocar a pesada Berliet da
imobilização em que se encontrava.
O caminho era difícil. Os Unimogs roncavam
do grande esforço e nós a passo de caracol, lá íamos avançando. Por
vezes as viaturas enterravam as rodas na areia solta, fazendo-nos suar
umas horas até retomarmos a marcha.
Entretanto anoitecia e nós à mercê do
inimigo, lá estávamos a socorrer ferro e aço, puxando metro a metro
aquele pesado fardo.
Já se viam a dois quilómetros as luzes do
paraíso… já era tarde…
As viaturas, agora, tinham que atravessar um
bocado de chana, mas não conseguiram. Como animais ferozes os Unimogs
patinavam e enterravam as rodas naquela areia solta, que era como uma
barreira, mas nós tínhamos de a transpor. Para isso tínhamos de ter mais
tração. Imobilizámo-nos!
Duas viaturas tiveram que descer ao Muié
para trazer mais duas – talvez assim nós conseguisse-mos sair dali. O
nosso Capitão foi com eles.
A noite estava fria. Eu, como maior
graduado, fiquei no comando. Em calções e camisa de manga curta, tinha a
pele gelada, pois quando saí fazia muito calor e nunca pensei que
demoraria tanto tempo a fazer o resgate.
Juntámo-nos ao redor da fogueira, onde
alguns GE assavam bocados de caça e esperámos enquanto alguns soldados
faziam a segurança, não fôssemos surpreendidos pelo inimigo.
Logo que chegaram os Unimogs esperados,
começamos a trabalhar. O nosso Capitão não veio, nem qualquer outro
oficial. Era eu o graduado mais velho da coluna e havia ali meia centena
de homens.
Para a tração da Berliet os Unimogs foram
dispostos em fila, mas mesmo assim foi difícil. Ao fim de muito esforço,
a coluna arrancou pesarosa. Dava a impressão que as viaturas formavam
uma serpente sonolenta, mas não parámos mais. O paraíso parecia que
acionava sobre nós uma força magnética, aproximando-nos cada vez mais,
até que chegamos. Era uma hora e trinta minutos do dia seguinte.
As viaturas foram recolhidas no parque auto
e ao dar ordem de destroçar para todos poderem descansar e alimentar-se.
Alguém me disse que primeiro teríamos de tratar do GE que foi morto na
emboscada e que se encontrava na Berliet, situação que desconhecia até
este momento.
O corpo do GE Tchitengo Mufana foi
descarregado e levado para o seu Kimbo, para ser velado pelos seus
familiares.
Mais tarde soubemos que o GE Armando tinha
falecido no avião a caminho do Luso. O Massaco, comandante deste grupo,
também foi um dos feridos.
No dia seguinte, começaram os preparativos
para o funeral do Mufana. Já tinha chegado o caixão.
Enquanto chegava a Guarda de Honra, o caixão
coberto com a Bandeira Nacional, aguardava à porta do Kimbo.
A nossa velha Mercedes seguia muito
devagarinho, transformada em carro fúnebre. Alguma população acompanhava
o carro cantando os costumados rituais tribais.
Funeral de Tchitengo Mufana
Quando o caixão principiava a baixar para a cova, ouve-se um toque de
clarim, seguindo-se três descargas de espingarda.
Tinham sido feitas as honras militares, a
mais um dos soldados que tombou ao serviço da Pátria – para depois ser
esquecido.
Uns morrem, os outros vão vivendo a morte.
Agora o trabalho era para a equipa de
mecânicos e condutores, para análise da avaria da Berliet e a sua
reparação no parque auto.
A primeira avaria foi no arrefecedor do
óleo, que se encontra por baixo do motor junto ao cárter. Este tinha-se
partido pelo impacto de um tronco de árvore que tinha sido derrubada
anteriormente para abrir caminho no interior da mata.
Sem o arrefecedor do óleo a funcionar no
regresso e a insistência do Capitão para não parar, o motor gripou.
Tal foi a temperatura, que as camisas e os
pistons derreteram, escorrendo alumínio fundido pelo coletor de escape.
Todas as juntas de montagem do motor ficaram
queimadas.
A reparação não foi fácil. Fiz a listagem de
todo o material necessário e desloquei-me ao Pelotão de Apoio do
Distrito (PAD) do Luso para o requisitar pessoalmente, pois as
reparações que implicavam a abertura de um motor, só podiam ser feitas
no ASMA em Luanda. Mas pelo respeito que todos tinham pela companhia do
Muié, aceitaram a minha requisição, enviando-me todo o material pedido e
ainda me emprestaram chaves dinamómetro para o aperto controlado da
colaça.
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Tiramos o motor da
Berliet. |
A reparação em cima da
caixa de carga de um Unimog. |
O motor foi retirado da Berliet e depositado
para reparação sobre a caixa de carga de um Unimog.
O parque auto, não passava de uma área a
esse fim destinada, tendo somente uma pequena barraca de chapas de zinco
onde se guardavam as ferramentas e a documentação para as requisições e
modelos de registos mensais.
Chegadas as peças requisitadas, eu e a
equipa de mecânicos fizemos a reparação de todas as avarias, ficando a
Berliet operacional.
Depois, decidi que tinha de dar uma volta
para verificar o comportamento da viatura na picada.
Eu, os meus mecânicos e alguns condutores,
assim como outros camaradas de outras especialidades, lá fomos pela
picada em direção à ponte. Passámos a ponte e andámos ainda cerca de
mais 8 quilómetros.
De repente perguntei se alguém tinha trazido
uma arma, visto o local ser zona de emboscadas e minas.
Como ninguém vinha armado, virámos para o
quartel sem termos tido qualquer percalço. |