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Muié – Relatos e Sentimentos

Ataques ao Paraíso

Os dias foram decorrendo normalmente, sem indício de presença inimiga, até ao dia vinte e dois, pelas dezoito e trinta, quando se desencadeia o tiroteio.

Com incredulidade de muitos de nós, estávamos a ser atacados pela primeira vez no próprio quartel; Imediatamente pegámos nas armas e procurámos os abrigos.

Fomos invadidos por uma sensação de insegurança nunca sentida.

De pernas e tronco fletidos, para que a cabeça não ficasse mais levantada que a parte superior da trincheira, crispava-mos as mãos nas armas, como se fizessem parte do nosso corpo.
Ouvimos o troar dos morteiros inimigos e os nossos olhos elevavam-se para o céu, não para uma prece, mas sim procurando os projeteis transportadores de destruição.

Poucos segundos durou a flagelação. O silêncio envolveu-nos de repente. As nossas cabeças assumiram muito lentamente, até haver a certeza do perigo passado.

Nada de consequências, mas o batismo de fogo foi gravado tão profundamente que jamais se esquecerá.

Neste mesmo dia, o nosso Grupo Especial (GE) teve contacto com o inimigo.

Quando de regresso de uma operação, os GE pressentiram a perseguição do inimigo. Imediatamente foi estabelecido um plano de ataque para que o presumível inimigo caísse na armadilha: Um grupo de seis GE, comandados por Massaco, ficou emboscado. Os restantes elementos do grupo seguiram pelo itinerário anteriormente traçado com ideia do inimigo manter a perseguição. Entretanto o grupo emboscado viu a aproximação dos Turras e a flagelação não se fez esperar.

O grupo emboscado, com o fator surpresa pelo seu lado, fez tombar mortalmente cinco elementos inimigos, batendo os restantes em retirada.

No dia seguinte, chegou o Grupo ao quartel, trazendo vitoriosamente os troféus arrancados aos Turras.

Três carabinas, uma pistola metralhadora, cinco granadas e mais de uma centena de munições variadas.

Tudo isto traduz o primeiro material capturado ao inimigo.

Pairava ainda, no nosso espírito, a sensação do primeiro ataque, quando pela segunda vez, dia vinte e cinco, pelas vinte e três e vinte, se desencadeou novo ataque. Este muito mais intenso que o primeiro.

As casernas vibravam; as ondas de choque provocadas pelos rebentamentos faziam-nos estremecer.

Com hesitações e quase rastejando procurámos os abrigos.

Os rebentamentos das granadas inimigas ouviam-se muito perto.

Os nossos morteiros vomitavam ritmicamente em direção ao inimigo.

Imunizados já contra o medo inicial, espreitava-mos para fora do arame farpado, com as armas em posição de fogo.

A pouco e pouco, a cadência de tiros foi-se extinguindo, reduzindo-se por fim ao silêncio. O inimigo tinha abandonado o terreno.

Duas granadas inimigas, que vinham com destino ao paiol, foram intercetadas pelos eucaliptos, fazendo-as rebentar no espaço.

No parque auto caiu um grande ramo destroçado por uma granada e os estilhaços de outra foram perfurar as chapas de zinco, que cobrem a nossa messe.

Nos dias seguintes, respetivamente, sábado e domingo, houve mais perturbações e alguns tiros, mas sem efeitos consideráveis.

 

 

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