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Muié – Relatos e Sentimentos

Início - 15-05-1971

Rugia o tambor. O cais vibrava com o compasso do bater das botas. O desfile prosseguia e a chuva manchava o verde, molhando aqueles rostos de ares cansados e tristes.

Muitos pensamentos ocorriam à mente dos que iam partir. Olhavam, levantando a cabeça, para aquele enorme monstro flutuante (Vera Cruz); um monstro, que não trará de regresso todos aqueles que agora partem.

Navio Vera-Cruz

Vera Cruz – aquele enorme monstro flutuante

Esta é a luta onde estou por dentro. Uma guerra subversiva, de tiros, de guerrilhas, de fantasmas, onde se luta contra tudo e contra nada, onde se procura o inimigo-camaleão.

A vossa, no continente, é diferente, pacífica e com um sentido válido. Atinge-se com o objetivo-amor, que aqui não se consegue.

Chegou a hora. Todos subiram a bordo e procuraram o melhor lugar no varandim, para dizer adeus. Durante dois anos não voltariam a ver aquelas pessoas – pais, irmãos, mulheres e filhos, que do outro lado da corda, choravam ao deixar os seus.

Um apito. O motor roncava cada vez mais. O barco começava agora a afastar-se lentamente. Em cada mão, cá e lá, um lenço que oscilava ao vento, até que entramos num mundo enorme e denso de água, deixando aquela massa de gente a ondular-se e a desaparecer cada vez mais e mais.

Vamos para aos camarotes cabisbaixos, relembrando os melhores momentos passados na terra que íamos deixar.

Depois só mar, céu e, durante a noite, estrelas.

O nosso grupo de Especialistas – Mecânicos, Condutores, Enfermeiros, Transmissões e Vagomestre.

Ali permanecemos fechados durante os nove dias de viagem.

O vício do jogo, o álcool e o tabaco eram o passatempo normal. Alguns grupos falavam do passado. E como será o futuro? Era um pensamento que nos bailava sempre no cérebro.

Eu tinha levado umas chouriças, que com o nosso primeiro Sargento (responsável pela companhia) e o Tenente Magalhães (da CCS) fomos comendo, acompanhadas por algumas cervejas e alegres conversas, passando assim algum tempo entre as refeições a bordo.

As sensações de mal-estar acompanharam até ao fim da fatídica viagem a maior parte dos homens. Já era grande o desejo de pisar terra firme, caminhar sem fazer alguns exercícios de equilíbrio e dormir sem ser abanado como um bebé.

Os oficiais, sargentos e cabos foram instalados em camarotes com bastante conforto, mas a maior parte dos soldados foram armazenados em camaratas montadas no porão do navio.

As condições eram péssimas e o cheiro a vomitado pelo enjoo era constante.

Terra! Terra! Gritavam os primeiros que viram a costa esbatida de África.

A costa esbatida de África

E aqui estamos nós, moléculas verdes, ou verde negros; longe das nossas terras, com um sentimento de saudade, sempre aumentado diariamente.

Quase não acredito!...


Chegada ao Cais de Luanda

 

 

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