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Entre a variadíssima paisagem que se estende do Minho ao AIgarve, a da
região onde se encontra Tomar tem, incontestávelmente, um lugar
proeminente. Acidentada sem exagêro, atravessada por um rio que, mercê
do seu regime especial proyeniente de ser alimentado em grande parte
pela nascente do Agroal, constante e abundantíssima, cortado por
numerosos açudes donde a água é levantada por pitorescas rodas, nela
brota uma vegetação abundante e variada, que vai desde a útil oliveira
até ao plangente salgueiro e à perfumada roseira. Tão fértil e
privilegiada região não passou desapercebida aos romanos, que aí
fundaram Sellium, erradamente denominada até há pouco
Nabância; nem a Gualdim Pais, sexto mestre dos T emplários em Portugal,
o qual, dos destroços de Sellium. fez surgir o Castelo que ainda hoje
domina a cidade, criada à .sua sombra protectora.
No Museu dê Silva Magalhães existem alguns frgmentos de estatuária
desenterrados de restos de antigas edificações romanas locais, assim
como nas muralhas do Castelo seencontram embebidos alguns cipos,
vestígios da ocupação romana, ali descoberto.s.
Uma tradição histórica-corroborada por uma lápida que foi colocada na
verga de uma janela da tôrre de menagem do Castelo-asse
. gura que no dia 1 de Março de 1160 se deu
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início à importante obra militar que foi o Castelo dos T emplários. Com
efeito, já pela sua vastidão - compreendia quatro recintos - já pela
importância artística do seu oratório, ainda hoje conservado na sua
maior parte, o Castelo da casa mãi dos Cavaleiros do Templo era um dos
mais fortes baluartes da defesa do País.
Das velhas muralhas existem ainda hoje extensos panos, clue não oferecem
interêsse de maior sob o ponto de vista artístico; mas o oratório dos T
emplários, ou melhor, o que dêle resta, é um monumento sem igual. dessa
elegante e forte arquitectura de transição do século XII, continuando,
depois da dissolução da Ordem do Templo ordenada pelo papa Clemente V, a
servir de oratório aos novos freires da milícia de Cristo, instituída
por D. Denis.
Uma iluminura do comêço do século XVI, da portada do «Livro 4.° da
Extremadura»
mostra-nos êsteoratório como êle era então, sobrepujado por uma esbelta
cúpula piramidal, assente sôbre uma estrutura poligonal, em
cada uma de cujas faces se abria uma janela.
O admirável e característico conjunto pri
mitivo começou de ser destruído por um raio, que derruiu a cúpula e o
corpo superior; obras posteriormente executadas ali continuaram a
transformação; a construção do monumental côro manuelino comunicando com
o oratório por um arco possante que abrange duas faces do po!ígono de
dezasseis lados; o acrescentamento da tôrre e a grande sineira; a
decoração
pictural e os estuques, com estátuas e obras de talha à mistura; tudo
isso foi, pouco a pouco, transformando o primitivo santuário, na actual
charola, que hoje constitui por assim dizer a capela-mo r da igreja do
Convento de Cristo e que é ainda, por todos os títulos, uma obra de arte
única.
Inserido nas muralhas do Castelo, no ponto em que um .dos muros
divisórios dos .recintos interiores devia encontrar-se com os muros da
face poente, foi construido o elegante oratório de sólida fábrica e
vastas proporções. Era, como dissemos já, um recinto poligonaI, de
dezasseis faces, iluminado por amplas janelas, tendo acesso pelo
terceiro recinto por uma porta aberta na face voltada ao nascente, que
hoje pode ainda ver-se servindo de janela. Lm cada um dos ângulos,
exteriormente, um singelo contraforte amparava a construção, servido a
tôrre sineira de contraforte do lado da porta.
Elevando-se a tôda a altura da edHicação poligonal, e no centro dela,
ergue-se uma construção octogonal de rasgados arcos levemente quebrados,
anunciando a ogiva gótica. Assinalemos de passagem que o altar que se
acha sob esta construção estava primitivamente
orientado em direcção oposta à que actualmente apresenta. O
deambulatório compreendido entre a parede exterior de dezasseis lados e
o corpo central, de oito, é coberto por abóbadas de berço
sôbre as quais assentava a superstrutura, de
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que apenas resta uma recordação na iluminura manuelina citada.
As transformações que lhe intoduziram na Renascença, embora deturpando a
primitiva traça, sãQ notáveis obras de arte, características duma época
admirável. A parte alta da parede foi ornada de pinturas que hoje
infelizmente não podemos apreciar devidamente, pelas imperfeitas
restaurações que sofreram. Nas faces da charola foram também colocados
então doze grandes paineis de pintura a óleo, excelentes trabalhos
quinhentistas, dos quais apenas quatro estão nos primitivos lugares,
além de dois retábulos dos altares laterais utimamente ali colocados.
No Museu da União dos Amigos dos Monumentos da Ordem de Cristo existem
algumas táboas, fragm_ntos de três dêsses paineis; e no Museu das J
anelas Verdes d_ Lisboa existem três outros paineis, dois dos
quais um documento de 1536 permite atribuir à oficina do pintor Gregório
Lopes. O lendário pint:>r flamengo J oanes Dralia, a quem se tem
atribuído os restantes quadros, não passa da conseqüência dum êrro de
leitura de uma ins
crição, como mostrámos no nosso estudo: A Lenda do pintor Dralia
(Lisboa, 1922).
Tôda a obra de talha da charola, bem como as estátuas de madeira que
ornam o altar e o deambulatório, são trabalhos primorosíssimos, de que a
gravura só dará ao leitor uma ideia descolorida e mesquinha.
Passemos ao contíguo Claustro do Cemitério, formoso exemplar de estilo
ogival, na
sua forma mais esbelta, contruído, como o contíguo - o da Lavagem -
durante o govêrno do infante D. Henrique, pelo arquitecto F ernão
Gonçalves, que ali deixou o seu nome: rnam. gIz. fez gravado em
caracteres góticos.
As obras executadas no tempo de D. Ma
nuel e dos Filipes apenas nos deixaram do pri
meiro dêstes claustros a bela arcaria apoiada em colunelos gém_os; do
segudo, que t_ra de dois pavimentos, muito mal tratado 1>210 tempo,
resta-nos de pé apenas a arcaria inferior.
A casa denominada Sacristia Velha, que
foi outrora Capela de S. Jorge, comunica com
o Claustro do C2mitério, vendo-se ainda hoje
ali um singelo túmulo gótico, datado de 1426,
de Vasco Gonçalves de Almeicla e de sua
mulher, amos do Infante D, Henriqu'e.
No comêço do século XVI construiu-se junt:> à charola, isto é, junto 'ao
primitivo ora
tório dos Templários, um côro manueIino que
é o mais típico exemplar da renascença portu
guesa, pela pujança da sua ornamentação exte
rior, naturalista. A fachada sul, com o seu
formoso pórtico ornado de estatuária e os seus
complicados botareus, e a face poente, onde se
abre a célebre janela, tão exuberantemente des-crita pela pena de
Ramalho Ortigão e de tantos outros, em nenhuma outra construção
portuguesa dêsse período tão oriaínal, são excedidas nem menos
igualadas. |